Por: Jonas | 23 Junho 2015
“Laudato Si”, a encíclica do Papa sobre o Meio Ambiente, deve ter recebido louvores entre políticos, chefes de Estado e ONGs por todos os lados, mas ainda falta saber se suas poderosas palavras são capazes de influenciar as discussões globais sobre a mudança climática, que há duas semanas encerraram outra etapa preparatória, em Bonn, com os pés ainda enlameados.
Fonte: http://goo.gl/XYh3g6 |
A reportagem é de Marina Aizen, publicada pelo jornal Clarín, 21-06-2015. A tradução é do Cepat.
Francisco se queixa muito desta lentidão exacerbante em seu documento, ainda que não seja difícil entender o motivo pelo qual aconteça assim: este processo, que deverá terminar na Conferência de Mudança Climática de Paris, em dezembro próximo, tem como horizonte descarbonizar nossas economias. Nada mais e nada menos que o mundo ao qual estamos (mal) acostumados.
Porém, a encíclica papal não se dá no vazio. Há apenas alguns dias, o G-7 emitiu um comunicado prometendo eliminar os combustíveis fósseis antes do final do século, o que equivale a colocar data de vencimento para as empresas mais poderosas que existem hoje. Francisco sabia que Angela Merkel vinha preparando esta declaração, pois Ban Ki-moon havia lhe soprado quando o visitou em Roma. O chefe das Nações Unidas – contaram ONGs próximas ao processo – foi quem pediu a Bergoglio que deixasse para a segunda metade de junho o lançamento do documento, para que tivesse um efeito ressonante em cadeia.
Nesse intervalo, houve outro acontecimento com menos barulho político, mas de importante argumento técnico: um relatório da Agência Internacional de Energia, que advertiu que até o momento as promessas de redução de gases de efeito estufa – que cada país precisa apresentar antes de outubro – não foi atingido para que tenhamos uma alta de temperatura inferior aos dois graus Celsius, considerado o limite menos catastrófico.
Agora, Bergoglio contará com outros momentos para brilhar com sua prédica socioambiental e ocorrerão em setembro. Um, no Capitólio, onde poderá ver o rosto dos republicanos que duvidam da mudança climática, e a outra quando se dirigir à Assembleia Geral da ONU. Para apoiá-lo, está sendo pensada, para o dia 24 de setembro, uma gigantesca vigília de ONGs em Nova York, que, de acordo com os que estão por dentro, terá dimensões históricas.
Porém, antes disso, no dia 1º de julho, a encíclica será apresentada à sociedade civil, em Roma. Deste encontro participará, por exemplo, Naomi Klein, a ativista anticapitalista, autora do livro “Isso muda tudo”. Nem ela pode acreditar: “Muito da linguagem de justiça ambiental que as organizações utilizam foi adotada pelo Papa”, comentava a canadense, ainda um pouco surpresa.
Quando se lê a encíclica, pode-se perceber rapidamente que as convicções de Francisco são muito profundas e até se adivinham os problemas ambientais que dominaram o debate na Argentina dos últimos anos: rios contaminados, expansão da fronteira agrícola e uso de agrotóxicos, mineração e, obviamente, a pobreza.
O arcebispo de Lomas de Zamora, dom Lugones, disse que a Igreja na Argentina vem trabalhando estes temas desde 2003, mas pessoas que estiveram no Vaticano, recentemente, afirmam que foi a visita que o Papa fez ao Brasil, em 2013, a que o motivou a levar adiante o processo de “Laudato Si”.
Nesse sentido, foi fundamental Erwin Kräutler, prelado do território do Xingu, em Belém do Pará (Brasil), que é um conhecido ativista das causas indígenas e, além disso, um férreo opositor da construção da grande represa de Belo Monte.
Os primeiros rascunhos foram feitos na UCA e se movimentaram entre Buenos Aires e Roma por várias vezes, ainda que seja indubitável que a frase “a Terra cada vez mais é um depósito de imundície” provenha da bronca de Bergoglio. Também foram consultadas secretamente as mais diversas fontes, que vão desde Christiana Figueres, a costa-riquense à frente da convenção da ONU para mudança climática, até ONGs como congregações religiosas.
O decano da UCA, dom Víctor Manuel Fernández, disse a este jornal: “Escutei o Papa dizer que se partiu de um primeiro rascunho, mas depois veio um vendaval de contribuições e propostas de pessoas do mundo todo: cientistas, ativistas, filósofos, empresários, políticos. Contou-me que, sem contar as contribuições menores ou as cartas mais simples, houve mais de 200 colaborações de grande valor, e que isso permitiu elaborar um texto que dialoga muito com as inquietações mais variadas. Eu mesmo reuni pesquisadores e docentes de minha Universidade, de diferentes disciplinas, e oferecemos uma contribuição”.
O dia em que a encíclica foi lançada, no edifício das Nações Unidas, na cidade de Nova York, havia um ambiente de esperança, entre outras coisas, porque a causa da mudança climática, por fim, encontrou uma referência moral que estava precisando. Porém, como dizia Martín Kaiser, do Greenpeace Internacional, na semana passada, nos documentos “ainda se está muito longe do objetivo”. Pelo menos, os ânimos mudaram. E isso nós devemos a Francisco.
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História secreta: como foi gestada a encíclica ambiental do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU