22 Junho 2015
Obviamente, a grande história do Vaticano nesta semana foi o lançamento da carta encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente, Laudato Si’. Na verdade, esta foi uma história tão grande que houve até mesmo dois lançamentos – a apresentação oficial no salão do Sínodo do Vaticano na quinta-feira e a versão vazada que apareceu na imprensa italiana segunda-feira (15 de junho).
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 21-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na prática, o texto traz poucas surpresas. Francisco claramente endossou o consenso científico de que o planeta está se aquecendo devido, em grande parte, à atividade humana. Ele enumerou uma série de outros desafios, tais como a perda da biodiversidade e as ameaças à água potável, e insistiu numa forte ligação entre os problemas ambientais e a pobreza.
“Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos”, escreveu ele, insistindo que a humanidade já não pode mais se dar ao luxo de “[adiar] as decisões importantes, [agindo] como se nada tivesse acontecido”.
A essa altura a encíclica já foi tão amplamente dissecada e comentada que uma análise mais aprofundada de suas afirmações parecerá supérflua. Em vez disso, há um detalhe intrigante na Laudato Si’ que passou, em grande parte, despercebida nesta primeira reação; contudo, um detalhe que diz algo extremamente importante sobre o papa e como ele enxerga o seu trabalho.
Este detalhe vem em notas de rodapé, que em textos papais normalmente são quase inteiramente dedicados a citações de outros papas e documentos oficiais, como a Bíblia ou o Catecismo da Igreja.
Desta vez, no entanto, mais de 10% das notas de rodapé – 21 das 172, para ser mais exato – contém citações de documentos das conferências (e conselhos) episcopais de todo o mundo.
Francisco cita bispos de 15 países, incluindo a África do Sul, as Filipinas, a Bolívia, a Alemanha, a República Dominicana, o Brasil, o Japão, a Austrália e Nova Zelândia, além dos EUA e de sua terra natal, a Argentina.
Francisco também cita dois organismos regionais episcopais: o Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM e a Federação dos Conselhos Episcopais Asiáticos – FCEA. Ambos representam as regiões do mundo onde as consequências percebidas do aquecimento global e das alterações climáticas são sentidas de forma mais aguda.
Lançar mãos de tantas referências ao ensino dos bispos locais sobre as questões ambientais expressa três insights importantes a respeito do Papa Francisco.
1.- Ele é um político astuto
Francisco bem sabe que a sua mensagem em Laudato Si’ será um documento politicamente divisionista, talvez particularmente por causa dos seus apelos em limitar rigidamente o consumo de combustíveis fósseis e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, sem mencionar a sua insistência em que o meio ambiente não pode ser consertado sem graves reformas nos “padrões de produção e consumo” econômicos mais amplos.
Com efeito, ao apontar para um vasto conjunto de ensino e defesa, desenvolvido em níveis mais baixos da Igreja nas últimas décadas, o papa está dizendo: “Não é somente eu!”
Em outras palavras, Francisco está enfatizando que este movimento não é apenas um hobby pessoal, mas uma questão de grande e crescente preocupação entre os católicos de todo o mundo. Dadas a dimensão e a distribuição geográfica do catolicismo – mais de 1,2 bilhão de membros em todos os cantos do planeta –, vemos que ele está diante de um círculo eleitoral que ninguém pode se dar ao luxo de ignorar.
2.- Ele é um filho leal do mundo em desenvolvimento
Como tal, ele vê como parte de seu papel garantir com que as vozes do sul da linha do Equador sejam ouvidas nos debates globais.
Embora Francisco cite alguns documentos dos bispos de países ricos, incluindo uma nota de 2001 sobre as alterações climáticas dos prelados dos Estados Unidos, a maioria de suas referências são retiradas de bispos do sul global.
Na encíclica, Francisco se queixa de que “muitos profissionais, formadores de opinião, meios de comunicação e centros de poder estão localizados longe deles, em áreas urbanas isoladas, sem ter contato direto com os seus problemas”.
Ao citar os pastores dos pobres do mundo, Francisco parece determinar que uma crítica semelhante não possa ser levantada contra sua própria análise.
“Creio que esta seja a primeira encíclica papal a citar conferências episcopais”, disse o arcebispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo, presidente da Pontifícia Academia de Ciências.
“Francisco tem uma grande solidariedade para com os bispos de outros países, particularmente com os bispos dos países mais pobres”, disse ele.
3.- Ele é um papa reformador
E ele está tentando calibrar a distribuição de poder dentro da Igreja.
Ao longo dos anos, tem havido um intenso debate no catolicismo sobre o nível de autoridade que as conferências episcopais realmente possuem. Em geral, há os defensores do governo central no Vaticano, que tendem a minimizar a importância das conferências locais, e há os que apoiam a descentralização e o controle local, que enfatizam as conferências como uma linha de fogo contra a o imperioso poder romano.
Em 1998, o futuro Papa Bento XVI emitia um documento com a bênção de João Paulo II decretando que as conferências episcopais não têm a legitimidade para ensinar com autoridade, com base em que “não se chega à verdade por maioria de votos”.
Na Argentina, o então cardeal Jorge Mario Bergoglio era um dos bispos que perceberam que as coisas estavam indo longe demais na direção da centralização, e que a experiência e visão dos pastores locais precisavam se fazer ouvir em Roma com mais intensidade.
Com Laudato Si’, Francisco inaugurou um novo modelo para o desenvolvimento do ensino católico oficial, um modelo em que o centro da Igreja leva as suas periferias a sério.
Sim, a mensagem principal desta importante encíclica papal sobre o meio ambiente está em seu texto. Neste caso, no entanto, as notas de rodapé também são uma parte fundamental da história.
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As notas de rodapé da nova encíclica dizem muito sobre este Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU