Por: André | 17 Junho 2015
Celebrar a Teresa de Ávila, neste V Centenário, pode significar celebrar não apenas a ela, mas ter presente todas essas mulheres que, antes e depois de Teresa, escreveram a partir desse lugar (“onde tudo sabe ao que uma alma quer”, de acordo com suas palavras) adiantado a coisas visíveis de cada época.
A reportagem é de Lucía López Alonso e publicada por Religión Digital, 11-06-2015. A tradução é de André Langer.
Doces no coração. As medievais
Doutora da Igreja como ela, Hildegard de Bingen, a visionária do Reno, dirigiu um mosteiro de 18 monjas sem o ferro dos cilícios, tão comum na dura religiosidade medieval. Sua mestra morreu reclusa por vontade em uma cela de oito pés, mas Hildegard preferiu abrir “a clausura das coisas místicas” escrevendo as mais de 20 visões que teve ao longo de sua vida. “Fui instruída no interior da minha alma. Por isso, falo entre dúvidas”. Mas talvez essa humildade beire a mentira na boca de uma das mulheres mais influentes da Baixa Idade Média, médica, pintora e compositora, além de líder monacal.
Hadewijch de Amberes, a mística medieval da qual se conhecem duas séries de poemas e 31 cartas, expressou-se claramente: “Vela por ti mesma e organiza teu tempo. Estarás preparada para todo o exterior se encontrares o teu interior”. Foi assim que escreveu para se encontrar. “Mas aqui não me serve o holandês nem as palavras”: o que falou dentro de si foi um sentimento que só se podia expressar com as palavras mais belas e rotundas do mundo. Laço luz carvão fogo orvalho fonte inferno vida.
Victoria Cirlot analisa-o em seu livro O olhar interior, onde também estuda a escrita mística de Matilde de Magdeburgo. Autora de A luz fluente da divindade, onde a luz não fica estática, mas desce para misturar-se nas vulgaridades dos homens. Às vasilhas de Santa Teresa. “Este livro é trino – e designa apenas a mim”. E por isso, por não encontrar dúvidas em si mesma, por declarar-se escritora numa época em que poucas mulheres tinham o direito de ler, recaiu sobre ela a ameaça da fogueira. “Ai, Senhor, se eu fosse um homem religioso e letrado”.
Possivelmente, nem todas foram santas, mas por serem mulheres sempre se sentiram perto da mãe: “Senhor Deus, não é admirável que a lança que abriu teu corpo penetrasse a alma de tua gloriosa mãe, que te amava tão ternamente”, escreve Margarida de Oingt. Porque dizem que a única relação erótica essencial é a que enlaça a dor do filho à da mãe, que a afasta dele em direção vertical, em um gesto de pietà.
Casada e com filhos estava Ângela de Foligno quando teve uma experiência mística em Assis, imensamente sensível à imagem pintada de Jesus Cristo e dos santos. A loucura fazia parte da nova espiritualidade, ou talvez só fosse uma claridade que a Igreja oficial não estava disposta a tolerar.
É espetacularmente moderno o fato de que Marguerite Porete escrevesse, em plena Idade Média, que “o conhecimento de mim nada me deu tudo (...) e o nada desse tudo me arrebatou a oração e a pregação”. Que para ela sua experiência de amor fosse como o nada. Sem ritos nem algazarras. Repousava de todas as coisas. Era uma mística, mas não a compreenderam. Beguina mendicante, esperou a fogueira nas prisões da Inquisição.
Sábias nos sentidos. As barrocas
Há, no Museu do Prado, um quadro de Velázquez que é um retrato de Jerónima de la Fuente, a freira que era conhecida como “a irmã menor” de Santa Teresa de Ávila. Anciã, mas pronta para partir para as missões, onde morreria fazendo fundações, levando uma arma no olhar e outra na mão: um crucifixo. O mestre cortesão deu ao seu retrato a altivez de uma personalidade que teve que ser firme e real como a Contra-Reforma, contra as abstrações intelectuais da Reforma Protestante.
Contemporânea de Teresa também foi outra fundadora, a agostiniana recoleta Mariana de São José. Dizem que ela só dormia duas horas por dia e que, líder persuasiva, não podia acomodar-se às demonstrações de carinho que na sociedade do século XVII se esperavam de toda mulher. “Conceda-me também que não estime as criaturas”, pede um dos poemas desta venerável que, bonita desde pequena, foi retratada por Pereda e também, precisamente, por uma mulher: Francisca de São José. Quando se contempla a fachada do Real Mosteiro da Encarnação, onde há pouco foram apresentadas as suas Obras Completas, entende-se o misticismo de Mariana: a pedagogia dos títulos de suas poesias e a “suavidade” do seu conteúdo. “E sem ti, não sei livrar-me. / E quando em ti, por ti vivo / e dou e tomo e recebo, / em ti e por ti sei regozijar-me”.
Livres na consciência. As de ontem
Exatamente dos Séculos de Ouro da literatura espanhola avançam – para a eternidade – as pinguinas arrabalaicas [referência à peça Pingüinas, de Fernando Arrabal] a quem ainda restam alguns dias no Naves del Espanhol de Matadero (Madri). Familiares de Miguel de Cervantes (a avó, a irmã freira, a mãe, as irmãs...), Fernando Arrabal define-as como quixotas, dervixas, cervantinas, “aventureiras, pecadoras, santas... (...) transgressoras, boêmias e místicas”. Porque morreram de amor e, graças a isso, atingiram a transcendência. Isto é, a liberdade.
Com a pós-modernidade, os sacrifícios injustos não terminaram. Se já não passavam uma indumentária religiosa, converteram-se no pequeno papel histórico de muitos: começou-se a morrer pela guerra em si. Pela pátria. Por outros deuses. Por isso, o medievalista T.S. Eliot, quando escreveu após a Primeira Guerra Mundial o mais triste poema da Idade Contemporânea, ‘A terra baldia’, citou a mística Juliana de Norwich. “O pecado é necessário, mas tudo acabará bem”.
Os livros escolares, já cheios de muitas vergonhas, tiveram que escrever novas tragédias que aconteceram sem que a razão desse uma razão. Por isso, foi necessário que o racional da filosofia se colocasse mais próximo do humano; se tornasse arte, mística ou poesia. Esse é o pensamento de María Zambrano – tão similar ao de Weil, Arendt e Stein, a filósofa mística e carmelita canonizada por João Paulo II –, que assobiou sua filosofia (O homem e o divino, entre muitos outros livros...) para perder o medo da floresta, como escreveu Chantal Maillard. Sozinha, exilada, mas sempre conectada com a parte ancestral do ser.
Também refugiada às vezes em Kierkegaard, às vezes em Juan Ramón Jiménez, passou a poetisa Rosa Chacel seu exílio. Escrevendo sobre “a deliciosa flor da loucura com que Cervantes adorna Dom Quixote” ou sobre como – também como flor – Frei Luis de León se abriu ao seu destino de contemplação. “Tenho que buscar incansavelmente, tenho que ver se há um meio de sacralizar a vida; tenho que voltar a falar da vasilha de plástico, fazendo do troço mais insignificante o sinal mais significativo, instalando sua existência entre os dotes – entre os dons – místicos da Eternidade. Porque, quando nasceu a vasilha de plástico? Depois, muito depois de andar séculos dando voltas ao redor do tear”, escreveu a esposa de pintor. Uma meditação que poderia ter saído da própria boca de Teresa de Jesus, como sua metáfora dos cozidos.
Assim como os primeiros Cervantes, as Vidas de Santa Teresa se salvaram de perecer na El Escorial durante a guerra civil porque um grupo de intelectuais republicanos as protegeram. Ao comando daquele estava sua tocaia María Teresa León, a escritora que dedicaria uma biografia à santa barroca e um programa de rádio ao Cântico dos Cânticos, tão estudado por Zambrano. Aprendeu a melancolia no colégio de freiras, e deixou por escrito sua “morte de amor fiel” (à vida, à palavra, à emoção dramatizada, à defesa da beleza) em um livro de memórias.
Continuando seu tecido
Claras, videntes, guias, fundadoras. Platônicas, dionisíacas, dantescas, santas, românticas. Poetisas, fiandeiras, silenciosas, memoráveis. Blasfemas, como a Teresa do canto de Espronceda. Doutoras, não por serem a favor da lei, mas acima dela. Apaixonadas, belas, eternas, perguntonas, visionárias, reveladas e certeiras em abandonar o supérfluo, todas estas mulheres encontraram sua transformação e sua felicidade na escrita. “Passando do livro que está fora ao que está dentro, na consciência”. Viveram, como Teresa, entre a realidade e o acontecimento interior.