27 Mai 2015
A primeira proposta de matrimônio chega em transmissão direta no domingo de manhã pela rádio nacional: “Queres casar comigo?” pergunta Linda Cullen a Feargha Ni Bhroin, e a resposta é um “yes!” logo abafado pelos aplausos da redação. O casal de lésbicas irlandesas não perdeu tempo após a esmagadora vitória do “sim” às núpcias gay, aprovadas com 62% no referendum de sexta-feira: “Convivemos há vinte anos, temos duas filhas e o matrimônio é importante para sentir-se realmente uma família igual a todas as outras”.
A reportagem é de Enrico Franceschini, publicada no jornal La Repubblica, 25-05-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Para que a cerimônia seja efetivamente celebrada por um oficial de estado civil deverão esperar alguns meses: o parlamento deve modificar a constituição e a fórmula dará a opção de tornar-se “esposos recíprocos” como também “marido e mulher”, e o primeiro rito está previsto para Natal. Mas, no dia após o voto sim já se advertem as consequências de um terremoto epocal, a partir da primeira reação da Igreja católica. É o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, um dos mais altos prelados da Irlanda, quem reconhece que a ilha mudou e que também a Igreja deve consequentemente mudar. “Não podemos responder a quanto aconteceu com uma negação da realidade”, declarou o arcebispo à televisão irlandesa. “Ao contrário, a Igreja deve fazer as contas com a realidade. Compreendo como se sentem hoje gays e lésbicas. Entendo que sentem que esta decisão representa um enriquecimento de suas vidas. Penso também eu que se trata de uma revolução social”.
Martin esclareceu ter votado “não” no referendum, embora respeitando os direitos dos homossexuais, porque não queria modificar a definição do matrimônio. Mas depois acrescentou: “Me pergunto, muitos dos jovens que votaram “sim” saíram a doze anos do sistema escolar católico. O que significa isto? Significa que existe um grande desafio para a Igreja, se ela quer fazer escutar a própria mensagem ao povo”. Em substância, o arcebispo admite que muitos irlandeses, embora se sintam católicos, são favoráveis ao matrimônio entre gays, dando plena igualdade aos gays; e que, se a Igreja quer continuar tendo um diálogo com estes católicos, não poderei condená-los pela sua escolha. Deverá antes, talvez, compreendê-los. Legitimá-los.
O referendum irlandês poderia, portanto, modernizar a Igreja da Irlanda, e talvez não só a da Irlanda, comentam os meios de comunicação de Dublin. Após a grande festa coletiva de sábado à noite nas ruas da capital, outro gênero de euforia se percebe na Ilha de Esmeralda: a sensação de orgulho pela decisão tomada, a impressão que a pequena Irlanda possa dar uma lição ao mundo. Os jornais publicam as mensagens chegadas de toda parte, de líderes políticos, como David Cameron, “congratulações ao povo da Irlanda”, aos Vips, atores, cantores.
Os sites observam que na Alemanha os Verdes perguntam agora à senhora Merkel: “Se o fizeram os irlandeses, podem fazê-lo também os alemães”. E cresce a pressão para estender as núpcias gay também à Irlanda do Norte, que faz parte da Grã Bretanha, onde o matrimônio entre casais do mesmo sexo é legal desde 2014, mas ainda não o aprovaram precisamente em homenagem a uma moral católica com frequência feita coincidir com a luta pela independência. É precisamente na Irlanda do Norte que uma confeitaria católica se recusou no ano passado a confeccionar uma torta nupcial para um casal gay: decisão que foi preciso remanejar após uma sentença da Corte Suprema britânica.
A igualdade avança antes assim: escrevendo “hoje esposos” num pão de açúcar destinado a dois gays. Quando um arcebispo católico fala – em termos positivos – de “revolução social”, é inegável que tenha acontecido algo grandioso, até mais de quanto os promotores do referendum imaginavam nos meses passados.
“O mundo nos siga”, diz o primeiro ministro irlandês Enda Kenny, e o mundo parece efetivamente impressionado pelo prodígio desta pequena ilha, onde há vinte e dois anos a homossexualidade ainda era um crime, e que votou maciçamente pela mudança. E não só na capital: o “sim” passou em 42 das 43 circunscrições eleitorais, ou seja, praticamente por toda parte. Ninguém mais se escandaliza, na Irlanda, se uma mulher pede a mão de outra mulher em transmissão direta pela rádio: a lei o permite.
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O desafio de Dublin em festa e o arcebispo admite “Agora devemos mudar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU