23 Mai 2015
Nada é por acaso. Barcelona, a cidade rebelde que, no início do século 20, era conhecida pelo vigor de seu movimento anarquista, pela força de suas lutas operárias e por seu combate à ditadura, hoje está prestes a se tornar a primeira grande cidade espanhola governada pelos herdeiros do movimento dos "indignados" de maio de 2011.
A reportagem é de Sandrine Morel, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 22-05-2015.
Se a sondagem do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS) realizada no dia 7 de maio se confirmar, a plataforma "Barcelona em Comum" ("Barcelona en Comú") poderá vencer as eleições locais e regionais de 24 de maio na capital catalã (1,6 milhão de habitantes), com quase 26% dos votos, sete pontos a mais que seu principal adversário, a coalizão de direita nacionalista Convergência e União (Convergència i Unió, CiU). Próxima dos meios empresariais e da alta burguesia catalã, manchada por vários casos de corrupção, a CiU atualmente controla a cidade de Barcelona e o governo catalão.
Outras pesquisas de opinião mais recentes colocam os dois partidos ombro a ombro, mas uma coisa é certa: esse duelo relega os outros partidos, sobretudo os socialistas e separatistas, a um papel de figuração. O Barcelona em Comum não é um partido. "É um projeto conduzido pela cidade", afirma a candidata Ada Colau, 41, militante bem conhecida dos espanhóis por ter liderado a luta contra os despejos imobiliários nos últimos anos.
Essa plataforma cidadã inclui o novo partido da esquerda radical Podemos, os ecologistas e o movimento social de extrema esquerda Procés Constituent, liderado pela freira Teresa Forcades, bem como inúmeros militantes oriundos do meio cultural, de associações de vizinhos e do forte tecido social barcelonês.
"Direito de decidir"
Ao colocar como pauta a questão da redistribuição de riquezas e do combate à corrupção, ela relega o projeto separatista a segundo plano, pronunciando-se simplesmente a favor do "direito de decidir", ou seja, da realização de um referendo de independência, sem assumir um posicionamento. Uma vitória dessa plataforma pressuporia uma ruptura com a política conduzida nos quatro últimos anos pelo prefeito Xavier Trias (CiU), que foi "centrada nos bairros nobres do centro da cidade, abandonando os distritos populares onde prevalecem o desemprego e a crise imobiliária", lembra o analista político Josep Ramoneda.
A equipe de Ada Colau colocou no papel 120 medidas de um programa elaborado a partir das propostas "de um milhar de simpatizantes" e da contribuição "de economistas, juristas e técnicos", cujo objetivo é primeiramente a redistribuição de riquezas. Ela pretende municipalizar a gestão da água, como fez Paris, ela lembra àqueles que a chamam de radical. Ela quer introduzir uma renda mínima de 600 euros para as famílias necessitadas, aumentar o número de moradias sociais, mesmo que isso signifique tomar os apartamentos vazios das mãos dos bancos, baixar o preço da eletricidade e do gás e ainda introduzir uma moeda local, seguindo o modelo de Toulouse (680 km de Paris).
O salário dos oficiais da municipalidade será limitado a 2.200 euros mensais, e todos estarão sujeitos a uma limitação dos mandatos e deverão prestar contas perante os cidadãos.
Mas o ponto mais polêmico de seu programa é sua intenção de regular o turismo, setor que representa 12% do PIB, aplicando uma moratória sobre a abertura de novas hospedagens turísticas enquanto não for redigido um plano urbanístico de regulação. Ela acha que o turismo está "fora de controle, sendo responsável pelo aumento dos preços, por problemas de coabitação com os moradores, pela destruição do tecido social e econômico de bairros inteiros e pela banalização e saturação do cenário urbano".
Mercantilização dos bairros
Barcelona, uma cidade rebelde, cultural e criativa, quer recuperar sua alma. Os turistas invadiram suas ruas, ameaçando transformá-la em uma cidade-museu. A mercantilização dos bairros centrais prejudicou os pequenos comércios que são seu charme. A luxuosa Marina Port Vell, destinada aos grandes iates, ameaça o bairro popular de Barceloneta, na frente do qual ela foi construída. Durante a crise, as desigualdades aumentaram muito e a classe média encolheu. O abismo entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres aumentou em 40%. Mais de um terço dos barceloneses agora pertencem às classes pobres ou muito pobres.
Contudo, uma vitória de Ada Colau não bastaria para assumir o controle da cidade. "A fragmentação do voto vai obrigar os partidos a selarem alianças, e ainda não se sabe como serão construídas as coalizões", explica Ramoneda, que prevê "uma votação anti-Colau significativa por parte de pessoas que estão com medo".
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Na política, Barcelona pode estar perto de ser tomada pelos "indignados" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU