06 Mai 2015
A fuga das mulheres é o fantasma que ameaça o catolicismo. As jovens parecem estar cada vez menos dispostas, ao contrário do que ainda acontecia com as gerações anteriores, a se envolver em uma organização tão profundamente impregnada de machismo como a Igreja Católica.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 05-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Como sempre tem acontecido nesses anos, na quarta-feira passada, o papa pronunciou um belo discurso. O pontífice disse que as mulheres deveriam ser retribuídas, pelo seu trabalho, assim como os homens, que a emancipação feminina não é um mal e que ela não deve ser relacionada com o fato de que os jovens casais atrasam cada vez mais a idade do casamento e da reprodução. Muito bem dito. Estamos completamente de acordo com ele, como acontece muitas vezes quando ele aborda questões sociais.
No entanto, também somos obrigados a lembrar que o papa não representa apenas uma autoridade moral, à qual compete proferir discursos edificantes ou indicar metas morais e objetivos políticos a serem alcançados. O pontífice também é um homem de governo, o chefe de uma imensa organização mundial, à qual aderem, por várias razões, mais de um bilhão de homens e de mulheres.
Estas últimas experimentam, dentro da Igreja, uma condição de perene subordinação, uma exclusão estrutural de todos os lugares de destino e de comando, em todos os níveis. São o proletariado eclesial, a classe operária da Igreja, indispensáveis para fazer funcionar toda a complexa máquina católica, mas, invariavelmente, confinadas a papéis executivos e acessórios.
De fato, são as mulheres, em grande maioria, que ocupam os bancos das Igrejas e ouvem os sermões dos sacerdotes, que ajudam, muitas vezes de forma totalmente gratuita, os padres a gerir as Igrejas e as casas paroquiais, a mantê-las limpas e arrumadas. Sempre, em uma enorme proporção, são as mulheres que animam as organizações de voluntariado católicas, que transmitem a fé aos jovens, nas aulas de catequese ou entre as paredes domésticas, que trabalham duro e com empenho, sempre em posições subordinadas, entenda-se, nos escritórios diocesanos ou na Cúria romana.
São ainda as mulheres que estão ao lado dos sacerdotes como companheiras clandestinas, que os ajudam a suportar cotidianamente a fadiga da vida eclesial, que oferecem conselhos e sugestões para a ação pastoral.
Em suma, são as mulheres – provavelmente, sempre o foram – que formam a espinha dorsal do povo de Deus, que trabalham, com empenho e entusiasmo, na vinha do Senhor. Sem elas, a Igreja não tem sentido, perderia a sua gente, desapareceria do mundo. E de nada serviriam nem mesmo milhares de novas vocações clericais, nem mesmo a fabricação de tantos padres novinhos em folha, ou, no máximo, importados de países em desenvolvimento. Sem as mulheres, o catolicismo se extingue.
E é justamente a fuga das mulheres o fantasma que ameaça o catolicismo, ao menos nas nossas latitudes. As jovens italianas, dizem-nos as melhores pesquisas sociais e confirma o conhecimento empírico da vida eclesial, parecem estar cada vez menos dispostas, ao contrário do que ainda acontecia com as gerações anteriores, a se envolver em uma organização tão profundamente impregnada de machismo como a Igreja Católica.
Muitas jovens não entendem por que não podem desfrutar, também dentro da Igreja, das mesmas oportunidades que desfrutam no mundo exterior, por que não podem aspirar aos papéis de primeiro plano ocupados pelos seus pares homens. E também as suas mães, especialmente se divorciadas e em segunda união, começam a pensar assim. As "quarentonas" também se puseram em fuga da Igreja, como diz o título de um livro de sucesso.
Em relação a isso, o papado de Francisco foi, até agora, uma grande decepção. Aos muitos discursos, às mil proclamações, à multidão de anúncios, nunca se seguiu nada de concreto: não só não se materializou a esperança de uma reabertura do tema do sacerdócio feminino ou, ao menos, a possibilidade de ver designada a primeira mulher cardeal, mas não foi nem mesmo confiado a nenhuma mulher um dicastério vaticano, uma posição de responsabilidade qualquer e de primeiro plano.
Enquanto a Igreja anglicana proclamava a primeira mulher bispo, a católica enchia as salas do Sínodo sobre a família de homens idosos, reservando às pouquíssimas mulheres não mais do que algum gesto de cena, alguma partezinha muito miserável na comédia. Não é o que merecem as mulheres do nosso tempo.
Se a Igreja não souber compreender isso, acabará por se sufocar, matando o futuro que essa metade do mundo, felizmente, traz consigo.
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Mulheres em fuga: o fantasma que ronda a Igreja. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU