28 Abril 2015
"As mobilizações do abril indígena continuam em várias regiões do país, cobrando do Estado brasileiro o cumprimento das leis nacionais e internacionais, no intuito de que possam viver em paz e com dignidade em seus territórios. Uma delegação indígena acaba de apresentar denúncias contra o Estado brasileiro pelo descumprimento da Constituição e legislação internacional que garantem os direitos dos povos originários", escreve Egon Heck, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
“Tamanhos são os crimes que o Serviço de Proteção aos Índios degenerou a ponto de persegui-los até ao extermínio. Pode ser considerado o maior escândalo administrativo do Brasil”
(Jader Figueiredo-1968).
Lindomar Terena leu o documento dos povos indígenas do Brasil
Ainda sob o impacto das manifestações, denúncias e cobranças do 11º Acampamento Terra Livre e das Mobilizações do Abril Indígena de 2015, mais um fato de extrema relevância para os povos indígenas acaba de se concretizar. Um momento de incidência internacional acaba de acontecer, quando lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) deixaram suas aldeias e foram ao espaço de diálogo das nações, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
Ali denunciaram aquilo que protocolaram nos três poderes em Brasília uma semana antes. Um documento foi lido por Lindomar Terena, do Mato Grosso do Sul, terminando com sugestões para os membros da ONU.
Embaixo do tapete não cabe mais
É longa a história de ocultação da verdade por parte do Estado brasileiro , com relação à trágica realidade a que estão submetidos os povos indígenas. É o famoso jeitinho de jogar a “sujeira debaixo do tapete”. Ficaram famosos os intuitos da ditadura militar, de ocultar os processos de violência e genocídio contra os povos originários, sob o manto e discurso de um “progresso” irreversível. Eram tempos de milagre. O milagre da sobrevivência dos povos, diante da fúria das empreiteiras da ditadura.
Porém, a irrupção de denúncias escabrosas e generalizadas de violência e genocídio dos povos indígenas no Brasil, maculou a ilibada imagem do país, diante do capital internacional a procura dos melhores e mais lucrativos lugares do mundo. A reação não se fez esperar. O governo da ditadura militar chamou organismos internacionais para vir comprovar a falsidade das acusações.
Pelo menos três organismos internacionais, dentre os quais a Cruz Vermelha Internacional e a Survival Internacional, estiveram no Brasil no início da década de 1970. O senhor Robin Hambury-Tenison, depois de nove semanas de contatos com inúmeras realidades indígenas, afirmou “que sem ajuda técnica e econômica internacional os 50 mil índios brasileiros desaparecerão em dois anos” (Jornal do Brasil, 08/07/1971).
Referente a essa afirmação o diretor do Departamento Geral de Estudos e Pesquisas da Funai, Paulo Monteiro Santos, lamenta que tenha sido feito esse enorme custo pois com esse dinheiro poderiam ter sido instalados dois ou três postos indígenas. Apesar desse alerta subvencionado o sr. Tenison afirmou que não existia genocídio.
Poucos anos depois, no IV Tribunal Internacional Russel, em Roterdã, na Holanda, o Brasil foi condenado pelo crime de genocídio. Foram denunciadas as situações dos povos Waimiri Atroari, Yanomami, Nambikuara e dos Kaingang, de Mangueirinha, no Paraná (Jornal Porantim, novembro 1980).
Na ONU: anúncios e denúncias
Como parte da mobilização dos povos indígenas por seus direitos e dignidade, uma delegação de representantes indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), levou ao Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 24, em Nova York (EUA), a realidade das comunidades país afora.
Há menos de um ano, a violação aos direitos indígenas havia sido denunciada neste mesmo Fórum.
Infelizmente quase nada mudou neste ano, e se mudou em alguns aspectos, como o intento de supressão de direitos indígenas da Constituição, a mudança foi para pior. Aumentaram as ameaças e as violências. Diante dessa realidade o movimento indígena avaliou ser necessário continuar a resistência e afirmação de seus direitos em todos os níveis, da aldeia à ONU.
Os representantes do governo brasileiro tinham acabado de anunciar com ufanismo a realização dos Jogos Mundiais Indígenas previstos para se realizarem na cidade de Palmas, Tocantins, em setembro deste ano. Porém, sentiram-se constrangidos diante das denúncias, feitas poucas horas depois.
Quem sabe não seria um gesto de boa vontade, a demarcação das terras indígenas mais conflitivas em todo país, especialmente no Mato Grosso do Sul, na Bahia e no Rio grande do Sul, a paralização de todos os projetos anti-indígenas que tramitam no Congresso, a aprovação do Conselho Nacional de Política Indigenista e o Estatuto dos Povos indígenas conforme a proposta enviada pelo movimento indígena, a exclusividade das condicionantes para a terra indígena Raposa Serra do Sol...
Se isso acontecer, o Brasil poderá se dizer um digno anfitrião para os jogos indígenas. Que os jogos não sejam mais um ato para ludibriar a opinião pública nacional e internacional, diante das agressões, desrespeito e omissões do Estado brasileiro.
Como na década de 1970, foi solicitada a presença de observadores internacionais, desta vez pelo movimento indígena: “Que o Fórum Permanente envie urgentemente observadores ao Brasil para que acompanhem a realidade dos conflitos territoriais, e a ofensiva estabelecida contra os direitos indígenas nos distintos poderes do Estado”.
A razão de tal solicitação constante na carta dirigida à vice-presidente do Fórum, Ida Nicolaisen, é pela “forma que o Estado brasileiro está tratando os povos indígenas: o governo federal descumpre a Constituição, os legisladores suprimem e o Judiciário restringe cada vez mais os direitos, principalmente territoriais. Enfim, há no Brasil uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas, caracterizados como invasores, subverteres da ordem e principalmente como obstáculos ao desenvolvimento nacional” (Declaração dos Povos Indígenas do Brasil no Fórum Permanente dos Povos Indígenas – ONU, 24/04/2015).
Esse é um momento histórico importante para o Brasil mostrar ao mundo que tem uma decisão política de tratar com respeito e dignidade seus habitantes originários, cumprindo a Constituição e a legislação internacional. Não tem mais espaço para defender o indefensável, ou seja, a violação das leis.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Da aldeia à ONU – e agora Brasil? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU