07 Abril 2015
Bispo auxiliar comenta a ação do papa para a renovação da Igreja, na qual enfrenta a resistência dos tradicionalistas.
Segundo o direito canônico, o papa adquire a potestade universal sobre a Igreja Católica ao ser eleito bispo de Roma e sucessor de São Pedro. O cuidado cotidiano da diocese romana, todavia, é delegado ao cardeal vigário e aos bispos auxiliares. Dentre eles dom Matteo Zuppi, ordenado por Bento XVI em 2012, tem a responsabilidade de supervisionar paróquias e igrejas do centro da cidade. Atento ao diálogo com a cultura laica e companheiro de importantes batalhas comuns, dom Matteo, 59 anos, tem um passado marcado pelo compromisso ao lado dos pobres e dos marginais, em que se destacam as experiências como pároco da Igreja de Santa Maria, em Trastevere, e como negociador internacional no processo de paz em Moçambique.
A entrevista é de Claudio Bernabucci, publicada por CartaCapital, 05-04-2015.
Eis a entrevista.
Graças à sua experiência pastoral e a seu atual cargo, muito próximo dos vértices vaticanos, o senhor é a pessoa ideal para interpretar o significado da reforma da Cúria que Francisco está promovendo. Qual é a sua visão desse processo?
Seria um erro considerar a reforma como mera questão administrativa, visando redimensionar e agilizar a Cúria. Eu acredito na aposta em uma mudança espiritual. Francisco incita a Cúria, em primeiro lugar, a liberar-se de algumas distorções, definidas como doenças espirituais, que são provocadas pelo isolamento. Quando a Igreja se fecha, ele afirma, adoece. A esse propósito, o discurso mais claro e, por alguns aspectos, mais intransigente do papa foi aquele dirigido à Cúria na véspera do Natal, no qual ele listou 15 doenças espirituais. Ele afirma que a Cúria deve ser uma casa de espiritualidade e misericórdia, um corpo que aplica as escolhas evangélicas. Se nós viramos uma corte, caindo naquelas deformações que o papa indica (indiferença, vaidade, exibicionismo, dupla vida, maledicências etc.), juntamente com a perda de qualquer credibilidade, não teremos mais nada a dizer ao mundo. A reforma que o papa Francisco visa, portanto, é um processo profundo de mudança estrutural. Não só de pessoas nos diferentes cargos, mas de estilo e perspectiva.
Em recente entrevista, o papa falou da Cúria como a última corte da Europa. Uma afirmação muito forte, que transmitiu ao mundo inteiro a ideia de um corpo em profundo isolamento aristocrático em relação aos fiéis. Como o senhor acha, então, que Francisco, ao ser eleito, encontrou a Cúria Romana?
O estado da Cúria está refletido naquela descrição das 15 doenças espirituais, que foram explicitadas de maneira muito franca, não para castigar alguém em particular, mas para exercer espírito construtivo em relação a uma corporação humana, como a Cúria é, que precisa reencontrar o caminho certo. Evidentemente, Francisco está muito preocupado com essas degenerações, mas, com o espírito positivo que o caracteriza, está também esperançoso numa possível renovação.
É evidente, para quem acompanha a evolução deste pontificado, que Francisco é muito amado pelas pessoas comuns, que são tocadas pela sua radical proximidade e se identificam com seu estilo simples e franco. Pelas mesmas razões, ele parece muito menos amado por alguns setores da Igreja. Eu conheço paróquias aqui em Roma que aplicam com muito entusiasmo o ensino do papa e outras que parecem fechadas nas próprias antigas e imóveis certezas. Com base em sua experiência, de onde nascem tais resistências?
Alguns padres têm dificuldade de acolher o recado de Francisco, por serem prisioneiros de uma concepção de Igreja fechada, tomados por aquelas deformações eclesiásticas de que falamos. Outros se contrapõem sem se contraporem, ativando uma espécie de greve branca. Para superar essas atitudes, nasce o estímulo do papa à clareza e ao falar franco. O método que ele propõe é o do comprometimento: implica o diálogo aberto, a procura constante da comunhão fraterna, que põe de lado as certezas dogmáticas para crescermos mutuamente e nos mantermos sempre vigilantes. Uma confrontação permanente para evitar a esclerose das consciências.
No estilo ou no conteúdo da ação papal, o que mais incomoda a quem resiste?
A procura, sua inquietação espiritual. Para aqueles que acham tudo já claro, esse é exercício inútil. A doutrina está clara, eles afirmam; trata-se apenas de vivê-la. Mas é exatamente através da vida que constatamos que as pessoas estão distantes da nossa doutrina tradicional e por isso temos de nos interrogar. Há certos padres que preferem a regra, para depois fazer o que lhes agrada. Eles acham que a atitude do papa nos torna inseguros e vulneráveis. Ou submissos à mentalidade corrente. Estão errados: o desafio é como apresentar as verdades de sempre aos homens de hoje, que as consideram distantes.
Em outros termos, o senhor está dizendo que a Cúria, ou seja, o governo da Igreja, tornou-se, com o tempo, doente de todos aqueles males humanos de autorreferência e conservadorismo, minando assim sua natureza de instrumento a serviço da missão da Igreja...
Sim, certamente.
O papa chegado “do fim do mundo” introduziu como nunca a questão da pobreza na reflexão da Igreja, redescobrindo a mensagem evangélica por excelência. Qual é a sua visão em relação a essa escolha?
Duas questões, a da teologia do povo e a das pobrezas (ou das periferias, incluindo as periferias existenciais), são cruciais para Francisco. Tocar os pobres e chorar com eles são posturas em que o papa insiste muito. Não se trata de uma questão pastoral, mas de mudar o nosso espírito para encontrar essa atitude nova. Para evitarmos virar funcionários da caridade, e sim para ser peregrinos cheios de compaixão por uma humanidade desesperada, que os pobres representam fisicamente. Além disso, com o nome Francisco escolhido por ele, não é possível esquecer os pobres.
Podemos afirmar, então, que a Igreja, historicamente eurocêntrica, fez uma escolha clarividente e irreversível com a eleição de um papa do Sul do mundo?
A Igreja tem sido eurocêntrica sobretudo na gestão pastoral e na elaboração teo-
lógica, mas hoje não é mais assim. Penso no papel da Ásia, da África, da América Latina. Finalmente, nos demos conta disso. Buscamos agora uma Igreja com articulação diferente. Não devemos nutrir temores, porque isso representa o futuro.
Cada vez que Francisco fala dos males da sua Igreja, parece que fala dos males do mundo. Observo uma fortíssima sincronicidade. Pelas suas declarações, não parece que o papa gosta da ordem das coisas existentes, e o manifesta com muita força...
Ele não gosta de jeito algum. Entre suas reflexões prioritárias, que Francisco repete incansavelmente nos discursos (como a globalização da indiferença, a divinização do dinheiro como manifestação do demônio, a cultura do descarte), a escolha dos pobres e para os pobres é fundamental. Essa me parece uma verdadeira revolução. Trata-se de recolocar os pobres no centro e defendê-los com compaixão e misericórdia. Essa é uma inversão de perspectiva muito corajosa que muda nossa relação com o mundo.
Então, quando Francisco é hostilizado por certos ambientes, as chamadas elites conservadoras, que o definem como “comunista” para demonizá-lo, podemos observar que, de certa maneira, esse combate tem sentido, porque a mensagem que Francisco está dirigindo ao mundo é subversiva...
Efetivamente, a mensagem de Francisco é absolutamente subversiva. Por exemplo, na redefinição da função e do significado da riqueza material.
Qual é sua interpretação da escolha do papa de convocar para os próximos meses um Jubileu extraordinário, apenas 15 anos após o anterior?
A decisão de convocar o Ano Santo no mesmo dia (8 de dezembro) em que foi fechado o Concílio Vaticano II, 50 anos atrás, e dedicá-lo à misericórdia indica com clareza o convite a dar continuidade àquele evento. A verdadeira escolha do Concílio e hoje, de novo, de Francisco é a misericórdia: não julgar, não cobrar o próximo, construir uma Igreja mãe e não madrasta. Será um Jubileu de meditação.
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"A mensagem de Francisco é absolutamente subversiva" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU