25 Março 2015
Rebelde, contracorrente, herege, anticonformista. Até o fim. O teólogo Hans Küng reivindica o direito de escolher o momento último, o da passagem final. A eutanásia é a sua última batalha teológica.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 23-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O indivíduo possui tanto uma responsabilidade diante de Deus e das pessoas, quanto o direito de decidir autonomamente a própria vida e a própria morte."
Agora que a saúde o está abandonando, o teólogo de Tübingen reforçou a tese da autodeterminação, mesmo que em desacordo com o magistério da Igreja.
A reviravolta se justifica porque põe fim aos sofrimentos e às fases últimas das mais graves doenças degenerativas. Em um livro intitulado Morire Felici? Lasciare la vita senza paura [Morrer felizes? Deixar a vida sem medo] (Ed. Rizzoli, 158 páginas), o teólogo exige aberturas teológicas, reivindicando o seu ser católico e cristão.
"Em mim, não há nenhum retrocesso na fé." O livro foi concluído em junho do ano passado, pouco antes que as suas condições de saúde sofressem uma deterioração causada pelo Parkinson.
"Literalmente, de um dia para o outro, eu tive a impressão de ter perdido o controle da minha vida, uma situação que melhorou pouco a pouco só depois de semanas de tenaz assistência médica. Foi justamente a experiência que eu queria evitar a todo o custo, não poder mais decidir livremente sobre a minha vida e a minha morte, deixar fugir o momento certo."
Küng explica que essa convicção amadureceu ao longo do tempo. Em particular, observando, há vários anos, a morte do irmão Georg, causada por um tumor no cérebro e a morte, mais recente, do amigo e colega Walter Jens, reduzido a um estado vegetativo. "Essas experiências consolidaram a minha convicção: não quero morrer assim!"
Küng declara continuar ainda "professando a primeira das quatro normas imutáveis da ética mundial, a do respeito por toda vida". Ele assegura que o dogma da sacralidade da pessoa continua sendo uma pedra angular da cultura católica, apesar do direito à doce morte.
Não se trata de princípios antitéticos, nem de uma contradição. "Justamente à luz dessa fé na vida, posso escolher com a minha responsabilidade quando e como morrer. Se isso me fosse permitido, gostaria de me apagar de modo consciente e de dizer adeus aos meus entes queridos com dignidade."
Vida eterna
De acordo com ele, tal atitude "se fundamenta na esperança da vida eterna". Em suma, a eutanásia "não tem nada a ver com um autoassassinato arbitrário e ímpio". A legalização da "morte consciente" é capaz de interpretar de maneira mais profunda o valor da sacralidade da pessoa?
As perguntas de Küng se sobrepõem: por que não aceitar a possibilidade de restituir gentilmente o dom da vida? "Faz parte do meu modo de conceber a vida e está ligada à minha fé na Vida Eterna a escolha de não prolongar por tempo indeterminado a vida terrena."
E mais: "É consequência do princípio da dignidade humana o princípio do direito à autodeterminação, até mesmo para a última etapa. Do direito à vida, não decorre em caso algum o dever de continuar vivendo em todas as circunstâncias. A ajuda a morrer deve ser entendida como uma ajuda extrema para viver".
Atualmente, Hans Küng (que está hospitalizado na Suíça) anunciou que quer pôr fim à sua vida quando forem perceptíveis os sintomas da degradação espiritual e física. Ele é membro da Exit, a organização que auxilia aqueles que desejam ser ajudados a morrer serenamente.
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Hans Küng, o teólogo que escolherá a ''doce morte'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU