09 Março 2015
Deus não paga aos sábados, diz o provérbio. Mas, depois, a conta chega. Passou o pontificado de João Paulo II e o de Bento XVI, e o movimento Comunhão e Libertação (CL) se enchia de orgulho por estarem entre os "justos", na primeira fila no combate contra os "males" do mundo, no ataque aos "inimigos" da fé, para acusar os católicos mais pensantes ou críticos por serem "mornos", pró-protestantes, hereges, súcubos do relativismo, medrosos. Eles eram os combatentes de Deus, os outros eram infiéis ou, se fossem católicos que pensavam diferente, pessoas fracas na defesa dos princípios "inegociáveis". Eles se sentiam a vanguarda eleita, caso fosse preciso fazer uma barreira contra o testamento biológico, a inseminação artificial, as uniões de fato. Depois, vieram os escândalos da Lombardia, na Itália, abriu-se a tampa sobre os entrelaçamentos político-negocistas que não cheiravam muito a incenso.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 08-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E Roberto Formigoni, chamado de "il Celeste", continuou sendo o único na Itália convencido de que os cidadãos normais acreditam na fábula dos lobistas que pagam as suas férias de milhares de euros. "Mas – grita il Celeste furioso – não é verdade? Entre amigos, há quem antecipe, e depois se paga no fim, sem recibos". Evidentemente, sem o conhecimento de quem tinha antecipado...
Até que a túnica rasgada pela vanglória tornou-se tão impossível de olhar que, em 2012, o sucessor de Giussani, Julián Carrón, confessou publicamente, via imprensa: "Pedimos perdão se causamos dano à memória do padre Giussani com a nossa superficialidade e falta de seguimento".
A conta chegou na manhã desse sábado, no Vaticano, sob a forma de uma pregação do papa em um encontro com Comunhão e Libertação, no 10º aniversário da morte de Giussani. E o manso Francisco, com a elegância antiga de quem sabe lidar com a caneta e com a palavra na Companhia de Jesus, compilou uma lista dos vícios do Comunhão e Libertação.
A lista é esta: "Quando eu coloco no centro o meu método espiritual, eu saio da estrada", explicou. "Quando somos escravos da autorreferencialidade, acabamos cultivando uma espiritualidade de etiqueta: 'Eu sou CL [Comunhão e Libertação]'... e depois caímos nas mil armadilhas que a complacência nos oferece... aquele olhar-nos no espelho que nos leva a nos transformar em meros empresários de uma ONG".
A estrada da Igreja, acrescentou Francisco, é ir buscar os distantes, os sem fé, também os desiludidos com a Igreja. E é essencial "saber escutar quem não é como nós, aprendendo com todos, com humildade sincera".
Uma breve catequese daquilo que Comunhão e Libertação nunca foi. Cuidado para não se tornarem adoradores do próprio carisma, deu a entender o pontífice argentino. Cuidado para não se deixarem petrificar. "É o diabo que 'petrifica'", frisou. E, com uma ligeira ênfase, acrescentou: "Não se esqueçam!".
Francisco citou o fundador do movimento Comunhão e Libertação, padre Giussani, para fixar dois princípios. O cristianismo não consiste na defesa de posições fixas contrapostas ao novo como pura antítese. Não é (podemos traduzir em linguagem simples) nem guerra de trincheira, nem montar tropas de ataque.
E, acima de tudo, sempre citando Giussani, o Papa Bergoglio observou que hoje o fundamental são os aspectos elementares, originais do cristianismo. Seguir a moral cristã, ilustrou o pontífice, não é exibir um esforço titânico de coerência "em uma espécie de desafio solitário diante do mundo". É comover-se diante de Deus, que conhece as traições do ser humano e o quer bem assim mesmo, e o abraça.
E aqui Francisco tomou simbolicamente pelas mãos todos aqueles que, na hierarquia, no clero, nos movimentos, se sentem militantes e militares diante da sociedade contemporânea – e, por isso, resistem à sua imagem de Igreja "hospital de campanha" – e sussurrou com a sua cadência latino-americana, indicando a rota do catolicismo no século XXI: "Eu dizia há poucos dias aos novos cardeais: a estrada da Igreja é a de não condenar ninguém eternamente, de efundir a misericórdia de Deus a todas as pessoas que a pedem com coração sincero, de sair do seu próprio recinto para ir buscar os distantes nas periferias da existência".
O Evangelho de Francisco é esse. Os ciellini [como são chamados os membros do Comunhão e Libertação] estarão dispostos a ouvi-lo? Certamente, se mostrassem ter ouvidos de surdos, estariam em numerosa companhia.
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Papa Francisco alerta CL: ''Não se comprazam demais'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU