09 Março 2015
Em apenas dois anos, o Papa Francisco mudou a face do catolicismo ao reconfigurar, radicalmente, como ela se apresenta ao mundo. Desde o momento em que apareceu na sacada da Basílica de São Pedro, ele tem apresentado um estilo diferente de ser papa e estabelecido um novo conjunto de prioridades para a Igreja.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista, ex-diretor da revista America, jesuíta, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-03-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A mudança de estilo foi o que primeiro chamou a atenção das pessoas. Ele rejeitou a elegância papal usual e se apresentou ao povo de Roma numa batina branca simples. Suas primeiras palavras foram um, também, simples “Boa noite” e, antes de abençoar a multidão reunida na Praça de São Pedro, inclinou sua cabeça e pediu que orassem por ele.
Este começo foi rapidamente seguido das decisões de viver não nos apartamentos papais, mas sim na Casa Santa Marta; de celebrar a primeira missa como papa na Santa Ana, uma pequena comunidade paroquial no Vaticano; e de celebrar a Quinta-feira Santa em uma prisão para jovens infratores cujos pés foram lavados.
Estes gestos iniciais do papa renderam-lhe a atenção mundial, porém – o que é mais importante ainda – foram gestos simbólicos que comunicaram a sua visão de Igreja. Ele percebe que o Evangelho é pregado não só com palavras, mas também com atos. Como disse São Francisco de Assis: “Pregue sempre o evangelho. Se necessário, use palavras”.
As primeiras ações do papa foram um ataque direto contra o clericalismo na Igreja, remodelando o que significa ser um bom bispo, um bom padre, um bom cristão.
O ataque frontal do papa contra o clericalismo é uma tentativa de mudar a cultura da Igreja. É um chamado à conversão para atitudes e práticas.
Ele deixou claro que quer bispos e padres próximos das pessoas, tão próximos que sejam pastores que “tenham o cheiro” de suas ovelhas. Devem ser “gentis, pacientes e misericordiosos, animados pela pobreza interior, pela liberdade do Senhor e pela simplicidade exterior e austeridade da vida”, disse ele. Eles devem “não ter a psicologia de príncipes”.
A liderança, na Igreja, tem a ver com serviço, e não com poder e prestígio.
Muitos analistas não reconhecem o quão revolucionário é a mudança de estilo e cultura que o Papa Francisco está propondo. Tal mudança é mais importante do que ficar alterando de lugar os quadros de um organograma. A dificuldade é que ela exige a participação dos bispos e do clero ao redor do mundo. Não haverá “efeito Francisco” nenhum, a menos que os corações e atitudes mudem. Muitíssimos seminaristas e jovens padres se veem como “corretores” da frouxidão e heterodoxia dos leigos, em vez de se terem companheiros numa peregrinação ao Senhor.
O papa também propôs um debate aberto na Igreja. Ele não teme discussões e divergências. “O debate aberto e fraterno faz o pensamento teológico e pastoral crescer”, disse.
Ele lembra ter participado de assembleias sinodais onde aos bispos era dito que certos assuntos não deveriam fazer parte da mesa de discussões. Diferentemente, ele pediu ao Sínodo dos Bispos 2014 algo essencial: “Falar claro. Ninguém diga: ‘Isto não se pode dizer, alguém pensará de mim isto ou aquilo…’ É preciso dizer com parresia (coragem) tudo o que se sente”. De propósito, ele usou a palavra grega que descrevia a ousadia com a qual São Paulo falava a São Pedro no Concílio de Jerusalém, quando argumentava contra a ideia de fazer os gentis seguirem as práticas judaicas.
O Papa Francisco tem deixado claras as suas prioridades para a Igreja. Não devemos ficar obcecados quanto ao aborto, ao casamento gay e ao controle de natalidade, já que todo mundo sabe a posição da Igreja nestes assuntos.
Em vez disso, ele quer uma “Igreja pobre para os pobres”. Ele apoia um Igreja que alimenta os famintos, veste os despidos e cuida dos doentes. Ele também quer um Igreja trabalhando pela justiça, paz e proteção do meio ambiente. Ele não vê contradição entre as obras de caridade e o trabalho pela justiça. Ele igualmente quer os pobres acolhidos em nossas comunidades. Não apenas devemos alimentá-los e lutar por eles, mas também escutá-los e amá-los como indivíduos.
A Igreja do Papa Francisco não é uma recompensa para o indivíduo perfeito, mas um hospital de campanha para os feridos. As primeiras palavras da evangelização não são uma lista de “faça” e “não faça”, mas sim o anúncio da compaixão de Deus, de sua misericórdia e amor por nós. Ele percebe que o mistério entra primeiro pelo coração, não pela cabeça. As pessoas não se convencem pelos argumentos, mas através do exemplo de cristãos que vivem uma vida de compaixão e amor.
Ele também compreende que a mensagem da Igreja deve ser simples e não intelectualizada demais. Este não é um papa que se preocupa sobre se Jesus é um estando com o Pai ou se é consubstancial com o Pai.
Mais importante ainda: quando as pessoas se afastam da Igreja, ele não as ataca ou condena, mas pergunta o que a Igreja fez de errado. É o que ele perguntou aos bispos quando esteve no Brasil: Será que foi porque “a Igreja parecia estar muito fraca”, “muito distante das necessidades [dos fiéis]”, ou “demasiado fraca para responder às preocupações deles”, “muito fria”, muito “presa a si mesma”, talvez sendo uma “prisioneira de suas próprias fórmulas rígidas”; ou ainda: será que foi porque “mundo parece ter feito da Igreja uma relíquia do passado, imprópria para se dirigir às novas questões”?
“Necessitamos de uma Igreja”, concluiu o papa, “que não tenha medo de entrar na noite (…) capaz de encontrá-los no seu caminho. Precisamos de uma Igreja capaz de inserir-se na sua conversa (…) Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos” que abandonaram a Igreja.
O papa propôs um novo estilo de ser Igreja, um estilo que é pastoral e aberto. Ele estabeleceu um novo conjunto de prioridades que têm origem nos Evangelhos.
Mas a Igreja não é o papa. A menos que os bispos, padres e leigos sigam o seu exemplo e abracem as suas prioridades, não haverá uma mudança permanente nela. As tentações do clericalismo e o “centrar-se em si mesmo” são muito fortes. Temos que parar de admirar o papa e começar a imitá-lo.