Por: Jonas | 04 Março 2015
“Apesar de todas as limitações do Syriza e do Tsipras e de seu utópico e reacionário togliattismo, é necessário fazer tudo o que é possível para ajudar o governo grego a caminhar e a subsistir, enquanto cria novas aberturas diante dos governos e busca apoios financeiros alternativos (China, Rússia?)”, escreve o colunista internacional Guillermo Almeyra, em artigo publicado por La Jornada, 01-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O programa eleitoral do Syriza foi “traído” em nome do realismo político ou o governo teve que fazer uma retirada técnica para conseguir alguns meses de trégua que lhe permitirão se assentar? Para responder a esta pergunta é indispensável ter claro o que é o Syriza e qual é o nível de consciência política dos eleitores que apoiam esse partido. É preciso fugir de afirmações impressionistas dos jornais de direita ou de extrema esquerda (todos concordam em sustentar a tese da traição) e ler cuidadosamente os documentos do governo grego e o apontado pelo Eurogrupo.
Comecemos por este ponto, para não exigir uma política revolucionária a um grupo que não o é ou, pelo contrário, para não cair na idealização do grupo de honestos reformistas nacional-populares que pretendem seguir o caminho desastroso tentado por Togliatti-Berlinguer (o comunismo nacional que ambicionava participar em um governo de “unidade nacional”).
Alexis Tsipras liderou o Synapismos, partido “eurocomunista” grego e, ainda que no Syriza exista uma forte minoria anticapitalista e revolucionária, seu partido não se declara anticapitalista, mas busca reformas para o capitalismo na Grécia e na Europa. Funciona verticalmente, mediante as decisões de um pequeno grupo de dirigentes. Mais do que socialista é radical democrático avançado e não pretende liderar os trabalhadores de todos os tipos contra o capitalismo e os capitalistas, mas, sim, ao “povo”, aos “pobres”, contra a ditadura da Troika liderada pela Alemanha e os poucos muito ricos da oligarquia naval grega.
O eleitorado do Syriza votava até pouco tempo no PASOK (a social-democracia grega), do qual inclusive foi ministro o economista e teórico do Syriza, Yanis Varoufakis, ou na direita neoliberal (Nova Democracia). Esses eleitores não querem uma revolução anticapitalista e temem inclusive a saída do euro e a ruptura com a União Europeia e com Alemanha em particular, para onde vão muitos gregos desempregados e que contribui com grande quantidade de turistas para o país.
Por isso, ainda que alguns como Manolis Glezos – que nunca fez uma análise classista – sofreram uma decepção com o acordo com a União Europeia e falam que tudo continua igual, disfarçado apenas com outras palavras, a grande maioria de seu eleitorado continua dando o seu apoio ao Syriza.
A realidade é que o Syriza para ganhar um empréstimo-ponte e quatro meses de tempo fez concessões importantes como o reconhecimento da dívida, que é impagável, e das resoluções da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu (a famosa Troika, hoje batizada como “instituições”). Porém, ao mesmo tempo, não ratificou a exigência de um crescimento impossível de 4% - que ficou reduzido a 1,5%, igualmente impossível -, eliminou todas as frases odiosas à soberania grega na redação do documento e incluiu, inclusive, o princípio de uma renda básica para os cidadãos entre 50 e 65 anos, para mantê-los no mercado.
A alternativa teria sido nacionalizar sem pagamento os bancos, mudar a moeda e desvalorizá-la para liquidar a dívida externa e suprir em parte a queda de nível de vida com a autogestão nas empresas, o fechamento das importações não prescindíveis, o recurso à troca e ao trabalho cooperativo esperando o aumento da competitividade – devido à desvalorização – das mercadorias e serviços da Grécia e o aumento do turismo. Porém, nem o Syriza e nem seu eleitorado acreditam ser possível tal caminho alternativo e anticapitalista, nem tampouco existe na Europa ou em qualquer outra parte do mundo grandes movimentos anticapitalistas que poderiam lhe dar apoio solidário.
Tsipras, portanto, na difícil relação de forças existente, conseguiu uma dupla e frágil trégua: com o Eurogrupo, mediante a divisão do governo alemão entre o conciliador chanceler e o duríssimo ministro das Finanças, mas também com seu próprio partido e com o povo grego (diante do que a esquerda do Syriza e o KKE aumentarão suas críticas, mas não oferecem uma alternativa).
Como e para que utilizará o pouco tempo obtido, assim, chutando a bola para frente até junho próximo? Essa é outra questão.
Em minha opinião, apesar de todas as limitações do Syriza e do Tsipras e de seu utópico e reacionário togliattismo, é necessário fazer tudo o que é possível para ajudar o governo grego a caminhar e a subsistir, enquanto cria novas aberturas diante dos governos e busca apoios financeiros alternativos (China, Rússia?). Um desenvolvimento no Estado espanhol da questão nacional catalã e basca, uma derrota de Rajoy em Andaluzia, o desenvolvimento do ambíguo Podemos que ameaça o governo das classes dominantes, seriam acontecimentos que poderiam frear o deslizamento para a direita no restante da Europa e estimular as condições para um movimento democrático radical de massas, contra a corrupção e a direita, ao estilo das abortadas – no momento – primaveras árabes (que, por sua vez, foram fruto tardio do 1848 europeu e do 1968 francês), movimento democrático plebeu em cujo seio poderia se reorganizar e crescer a maltratada esquerda socialista.
O capitalismo levou a Humanidade de volta a um novo século XIX, o da exploração sem limites, da miséria massiva, da ignorância. No passado, o movimento operário e o socialismo saíram da esquerda democrática radical, na qual se fortaleceram e da qual precisaram se diferenciar depois. Com ela é preciso atuar hoje, didática e fraternalmente, sem se identificar com seus limites e ilusões, procurando fazê-la avançar passo a passo para as conclusões de suas políticas mais acertadas. As transformações sociais profundas não são obra dos “esclarecidos”, mas, sim, das pessoas comuns que a realidade da crise educa, muda e organiza.
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Syriza: trégua ou traição? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU