13 Fevereiro 2015
A Comissão Real australiana constatou que a Igreja falhou repetidamente no seu tratamento às vítimas nas mãos do seu clero.
A reportagem é de Helen Davidson, publicada no jornal The Guardian, 11-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal George Pell e a arquidiocese de Sydney travaram uma disputa legal com uma vítima de abuso, John Ellis, para desencorajar outros a tentarem o mesmo, constatou a Comissão Real. Ela também confirmou que a Igreja Católica repetidamente falhou nas suas negociações com as vítimas de abuso sexual infantil nas mãos do clero.
Em relatórios divulgados nesta quarta-feira, a Comissão Real sobre as respostas institucionais aos abusos sexuais de crianças examinou o amplamente condenado programa Towards Healing da Igreja Católica ao lidar com quatro pessoas e o tratamento dado às denúncias de Ellis. Todas as questões foram examinadas em audiências públicas ao longo dos últimos dois anos.
A Igreja gastou mais de um milhão de dólares disputando com Ellis, apesar de ele pedir apenas um décimo desse montante em acordos, colocou-o em "interrogatórios angustiantes e desnecessários" e ameaçou-o com as custas judiciais.
"A arquidiocese [de Sydney] concluiu erroneamente que nunca tinha aceitado que o padre Duggan tinha abusado do Sr. Ellis", constatou o relatório.
"Essa conclusão permitiu que o cardeal Pell instruísse os advogados da arquidiocese a manterem a não admissão de abuso do Sr. Ellis. A arquidiocese aceitou o conselho dos seus advogados de defender vigorosamente a demanda do Sr. Ellis."
O relatório confirma as declarações feitas por Pell que admitiu essa motivação em uma audiência pública da Comissão Real em março do ano passado.
"Uma das razões pelas quais o cardeal Pell decidiu aceitar esse conselho foi para encorajar outros potenciais demandantes a não pleitearem denúncias de abuso sexual infantil contra a Igreja."
A outra razão encontrada foi que Pell acreditava que Ellis estava buscando "indenizações exorbitantes" de milhões de dólares.
Pell "explicitamente endossou as principais estratégias da defesa", disse o relatório:
- "defender a proposição de que as autoridades não eram responsáveis;
- que, se um crime fosse admitido pela arquidiocese, a arquidiocese não poderia negar depois que ele ocorreu;
- nomear advogados competentes e substancialmente deixá-los executar o caso ou aconselhar a arquidiocese sobre como o caso deveria ser executado."
Constatou-se que o então diretor de padrões profissionais John Devoran "fracassou" com Ellis e "não fez de uma resposta compassiva a sua primeira prioridade, conforme exigido pelos protocolos do Towards Healing". A arquidiocese de Sydney também "fracassou fundamentalmente" com Ellis.
"Cerca de sete meses depois do fato do abuso do Sr. Ellis tinha sido primeiramente colocado em disputa, a arquidiocese, em nome das autoridades e do arcebispo, procurou colocar-se em uma posição em que pudesse manter uma não admissão do abuso do Sr. Ellis, porque isso era do interesse da Igreja no processo", constatou a comissão.
Entre as suas 34 conclusões sobre o caso Ellis, a Comissão Real disse que concordava com a afirmação de Pell durante as audiências de que "a arquidiocese, as autoridades e ele, como arcebispo, não agiram de forma justa a partir de um ponto de vista cristão na condução do processo contra o Sr. Ellis".
O relatório da Comissão Real sobre o Towards Healing encontrou uma série de "problemas sistêmicos" na Igreja Católica.
Ele disse estar "surpreso" com a submissão da Igreja Católica, que postulava que o protocolo do Towards Healing era uma declaração de posição e uma sugestão de "possíveis passos" em um processo "flexível".
"Essa abordagem para a interpretação e para a implementação do Towards Healing serve (…) para desculpar e justificar desvios ou ações inconsistentes com o protocolo do Towards Healing", concluiu o relatório.
Nas suas negociações com a vítima de abuso Joan Isaacs – que foi abusada pelo padre Frank Derriman, de Brisbane, e engajou-se com o Towards Healing a partir de 1999 –, a Igreja Católica foi injusta, malvada e quebrou os seus próprios protocolos em vários casos, constatou a Comissão Real.
"Em 1998, a Igreja sabia que o padre Derriman havia sido condenado por duas acusações de atentado violento ao pudor, e a Igreja não fez nada até setembro de 2011", disse o relatório.
Derriman não foi demitido da sua função eclesial até novembro de 2013, mais de quatro décadas depois do abuso e 15 anos depois da sua condenação.
"Não era compassivo ou justo" exigir que Isaacs assinasse um termo de liberação que efetivamente a silenciou de falar sobre o acordo que ela recebeu ou de fazer "comentários depreciativos" sobre a Igreja.
"As cláusulas de confidencialidade nunca deveriam ter sido incluídas em atos de liberação relativos ao abuso sexual de crianças", disse o relatório.
"Estou profundamente grata à comissão por sustentar esses dois resultados", disse Isaacs em um comunicado divulgado pelo jornal The Guardian Australia. "O silenciamento afetou seriamente a minha capacidade de me curar e teve um efeito negativo sobre o meu bem-estar emocional. Isso trouxe cerca de quase 13 anos de sofrimento adicional para mim, uma vez que isso teve o mesmo poder sobre mim que o meu agressor tinha quando eu era criança. Sou grata por ter sido liberada das cláusulas de silêncio. Eu não tenho nenhuma dúvida de que essas cláusulas de silêncio ainda estariam em vigor até hoje se não fosse o trabalho desta Comissão Real."
Isaacs agradeceu à comissão por "expor as verdadeiras negociações" que ela teve com o Towards Healing.
"A Comissão Real mostrou que a Igreja Católica da arquidiocese de Brisbane se afastou substancialmente das incumbências que eles assumiram no documento Towards Healing", disse ela.
"Agora é de conhecimento público que a Igreja Católica me colocou em uma situação que me trouxe mais dor e sofrimento."
Ao lidar com dois casos de abuso por parte dos Irmãos Maristas, apresentados ao Towards Healing em 2009 e 2010, a Comissão Real encontrou inúmeras falhas, inclusive que o provincial, Alex Turton, não apresentou as denúncias feitas contra o irmão Raymond Foster. O provincial Michael Hill tentou manter as questões que surgiram depois do suicídio de Foster "longe da opinião pública".
Hill também não repassou informações à vítima que deveriam ter sido repassadas, incluindo algumas que a vítima tinha solicitado especificamente.
Em outro caso, o relatório concluiu que, se os Irmãos Maristas tivessem dado os passos corretos quando disseram que um menino tinha sido abusado sexualmente pelo irmão Ross Murrin em um colégio de Cairns no início dos anos 1980, os subsequentes abusos de crianças por parte de Murrin poderiam ter sido evitados. Murrin continua sendo irmão marista, apesar de sua posterior condenação e prisão.
Ao agir como um facilitador no Towards Healing, o então diretor de padrões profissionais Michael Salmon "elevou um potencial real de conflito de interesses real ou percebido, já que o diretor é empregado pela Igreja Católica", constatou o relatório.
Na semana passada, um documento de discussão sobre reparações pediu um esquema de compensação nacional de 4,38 bilhões de dólares.
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Igreja Católica lutou contra denúncias de abuso sexual para dissuadir outras, aponta investigação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU