13 Janeiro 2015
“A coisa que mais chocou no massacre em Paris foi a crueldade, ressaltada também pelo Papa, com a qual foi consumada. Uma crueldade cometida por jovens desvirtuados, provenientes de famílias onde não puderam jamais experimentar o amor. Uma crueldade na qual não consigo ver elementos de fato religiosos. A religião não é a causa desse delito, como das várias crises que assolam o Oriente Médio, mas a religião não pode não ser parte da solução. Não se pode entender o mundo de hoje sem levar em consideração as religiões”. O cardeal Jean-Louis Tauran, presidente do Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso, acredita firmemente que o diálogo, um melhor conhecimento entre as religiões e a educação são as únicas estratégias para vencer o terrorismo.
A entrevista é de Gianni Cardinale, publicada pelo jornal Avvenire, 10-01-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
O cardeal voltou da França exatamente no dia em que na capital transalpina dois irmãos franco-argelianos de religião islmâmica atingiram a redação do semanal satírico Charlie Hebdo, matando 12 pessoas. E quinta-feira quis um encontro, agendado há tempo, com alguns Imam franceses, onde no final foi difundida uma declaração na qual se reitera que é “imperativo se opor ao ódio e a todas as formas de violência que destroem a vida humana”. O Avvenire encontra o cardeal francês, muito estimado pelo Papa Francisco que, no último mês de dezembro, o nomeou com Camerlengo da Santa Igreja Romana, nos escritórios do seu dicastério.
Eis a entrevista.
Eminência, como avalia a reação do mundo islâmico a este ato terrorista?
Os Imam franceses que encontrei na quinta-feira expressavam sentimentos de tristeza e de indignação. Porque viram a sua religião associada a um gesto terrível de crueldade. Mas ao mesmo tempo manifestavam a vontade de sair dessa situação. E concordavam sobre o fato de que é necessário trabalhar muito a nível educativo nas universidades e nas escolas.
Essa porém é uma solução a médio e longo prazo. Mas e a curto prazo?
Certamente se devem colocar essas pessoas em condições que não causem mais danos. Devem-se controlar as eventuais ligações com organizações criminosas e desarticular as redes terroristas. Mas, repito, esse esforço repressivo, embora necessário, não vale nada se na perspectiva não se trabalhar a nível educativo. Mas isso vale também para o mundo ocidental.
Em que sentido?
Nós também devemos conhecer melhor a religião islâmica, que não pode ser identificada com o terrorismo.
Mas estes atos terroristas ajudam a formular essa identificação ...
De fato, é necessário conhecer melhor o islamismo, e nisso é importante o papel da educação mas também das mídias de massa e particularmente da televisão.
É perceptível uma maior sensibilidade do lado islâmico em condenar e contrastar os elementos terroristas que estão presentes no seu interior?
Como é nítido existem diversas maneiras de viver o islamismo. E naqueles que encontro, percebo certamente uma crescente sensibilidade. A experimentei por exemplo no curso dos diálogos que tive com os responsáveis xiitas que encontrei recentemente no Irã.
De uma forma geral, como procede ao diálogo do seu dicastério com o mundo islâmico?
Temos encontros regulares com algumas instâncias. Em novembro, por exemplo, aconteceu em Roma o terceiro seminário do Fórum católico-muçulmano. Contudo, permanecem problemas para a liberdade religiosa em alguns países de maioria islâmica e se interrompe a todo momento o diálogo com a Universidade al-Azhar do Cairo.
Como avalia as chamadas primaveras árabes?
Tem sido um fenômeno interessante, provocado pelos jovens que querem trabalho, direitos e liberdade. Mas infelizmente os êxitos não são os esperados. Talvez será preciso esperar uma nova geração para ver uma evolução positiva.
Quanto contribuiria para derrotar o terrorismo uma solução no conflito entre Israel e Palestina?
Sempre sustentei que aquela é a mãe de todas as crises. Uma solução daquele conflito teria certamente um influxo positivo sobre todas as peças do Oriente Médio. Mas os últimos sinais, infelizmente, não são encorajadores.
Voltando ao massacre em Paris. Também em comentários de jornais laicos se expressou reservas de uma sátira com tons de blasfêmia...
É verdade que não se pode rir de tudo. E existem sensibilidades, também religiosas, que deveriam ser sempre respeitadas. Mas a liberdade de expressão é um bem irrenunciável em um regime democrático. E nada pode justificar o que aconteceu em Paris.
Uma última pergunta. O senhor irá ler o último romance de Michel Houellebecq?
Não. E não darei muita ênfase a este autor.
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Tauran: “As religiões são a solução, não o problema” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU