12 Janeiro 2015
Pouco antes do Natal, o Papa Francisco disse às autoridades do Vaticano que elas sofrem de 15 doenças espirituais tais como o "terrorismo da fofoca". Presumivelmente, a reação imediata da maioria foi bastante prosaica - talvez se preocuparam se o papa estava falando sobre eles, e se assim fosse, se eles ainda iriam continuar com o emprego.
Não foi esse o caso com o cardeal italiano Gianfranco Ravasi (foto), presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, que estava na sala no momento.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 08-01-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
"Eu tenho que admitir que a primeira coisa que me veio à mente foi Constantin Noica, que escreveu um livro chamado "Seis Doenças do Espírito Contemporâneo", disse Ravasi em uma entrevista ao sítio Crux na quarta-feira.
Quais as probabilidades de qualquer outro mandarin do Vaticano naquele momento trazer à tona um título obscuro de 1978 de um filósofo romeno?
Em poucas palavras, esse é Ravasi, que é uma espécie de William F. Buckley Jr. ou Noam Chomsky do Vaticano - um intelectual que se tornou uma estrela através de uma combinação de capacidade cerebral e conhecimento da mídia, sem mencionar um espírito marcadamente empresarial para um acadêmico.
Pressionado por uma reação substantiva para o discurso do papa, Ravasi disse que pode ter sido embaraçoso para alguém que encarna os estereótipos habituais do Vaticano, "mas para mim, quando alguém fala muito abertamente sobre limites e defeitos que eu também enxergo, eu não acho nada embaraçoso".
Ao contrário de Buckley ou Chomsky, Ravasi, de 72 anos, é um homem difícil de definir em termos de política de esquerda e direita. Como o garoto mais inteligente na sala de aula em todos os lugares, no entanto, ele tem um forte senso de si, muitas vezes avançando em assuntos que outros departamentos do Vaticano teriam medo de tocar.
Ao longo dos anos, ele tem protagonizado eventos de alto perfil e, às vezes, controversos sobre células-tronco e evolução, e em fevereiro o seu escritório irá usar a sua assembleia plenária anual para abordar o papel da mulher no mundo contemporâneo e na Igreja.
"Você tem que fazer algumas ondas, agitar as coisas", disse ele. "Às vezes, as pessoas têm problemas e não estão lidando com eles".
Ravasi passou grande parte de sua carreira chefiando a renomada Biblioteca Ambrosiana em Milão. Ele credita a sua ousadia a essa experiência, e suas amizades pessoais não vem dos círculos clericais habituais.
"Minha primeira vantagem é que eu não venho da Cúria", disse ele. "Eu venho do mundo secular".
"Quando eu estava em Milão, metade dos meus amigos eram ateus e de origens muito diferentes", disse ele. "Eu sou provavelmente um pouco mais livre, porque até agora, as pessoas esperam esse tipo de coisa de mim".
Entre outros exemplos, Ravasi é amigo de Umberto Eco, o mais famoso romancista vivo da Itália e um não-crente. Ao longo de sua vida, Ravasi já recebeu "cerca de uma dúzia" de títulos doutor honoris causa, e receberá outro da Loyola University de Chicago, em março. Ele diz que uma vez perguntou a Eco quantos ele tem, e a resposta foi 36.
"Eu teria que viver muito tempo para chegar perto disso", ele riu.
Ravasi foi trabalhar no Vaticano a pedido do Papa Bento XVI, e diz que eles tinham um relacionamento forte.
"Ao contrário do que as pessoas dizem, incluindo alguns grupos conservadores e alguns jornalistas, ele sempre foi solidário com tudo o que fiz", disse ele.
Sua inclinação para agitar as coisas podem ser ainda mais simpáticas com o Papa Francisco, e Ravasi disse que está especialmente impressionado com o quão "instintivo" e "espontâneo" é o jeito hábil de comunicar-se de Francisco.
Por exemplo, Ravasi disse que um tempo atrás, ele observou a Francisco que o pontífice geralmente usa orações coordenadas diretas quando ele fala ao invés de alastrar orações subordinadas, preferidas, muitas vezes, pelos intelectuais.
Primeiramente, ele disse, Francisco apenas balançou a cabeça. Um pouco depois, ele acenou para Ravasi para perguntar: "O que é que isso significa?".
Ravasi participou do Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro do ano passado, e foi membro de um dos comitê de redação, que produziu um relatório intermediário controverso sinalizando uma maior abertura para gays e lésbicas, divorciados e recasados católicos, e para as pessoas que vivem juntas fora do casamento. A linguagem foi modificada depois no documento final do Sínodo.
"Eu já estive em muitos sínodos, e esta foi certamente a discussão mais aberta que já vi", disse ele.
De olho no segundo sínodo sobre a família, Ravasi previu que haverá novamente tensões, mas disse que não pode desmerecer seus resultados.
"Neste momento, eu não sei", disse ele. "O saldo global, mais ou menos, será, provavelmente, o que se viu na votação da última vez", referindo-se à votação, totalizada parágrafo por parágrafo, e divulgada pelo Vaticano juntamente com o documento final.
Aqui está o que Conselho para a Cultura tem na agenda no presente momento:
• Primeiramente, o Átrio dos Gentios, iniciado por Bento XVI com o objetivo de levar os crentes e os não crentes a um diálogo. Em novembro passado, a edição do evento aconteceu na Argentina e apresentou debates sobre o famoso romancista surrealista Jorge Luis Borges.
• Um segundo projeto envolve as relações entre arte e fé que caracterizam outra das assinaturas de Ravasi - a participação do Vaticano na famosa "Bienal" de arte de Veneza.
• O terceiro é um projeto para o esporte, na forma de uma conferência em larga escala, em setembro, que irá ter a participação do Comitê Olímpico Internacional, FIFA e outros grupos. Ela irá analisar questões como o racismo, corrupção e doping.
• Em quarto lugar, um projeto sobre o misticismo, o quinto projeto é sobre fé e ciência e a sexta iniciativa são relações com os Estados, já que muitas vezes os diplomatas propõem iniciativas, quer nos seus países ou em Roma.
Pelo fato de Ravasi ser uma personalidade criativa, ele às vezes aposta em coisas que realmente não vingam.
Por exemplo, antes do evento sobre as mulheres, o conselho divulgou um vídeo com a atriz italiana Nancy Brilli, que convidou as mulheres a enviar mensagens para o encontro.
Ravasi e sua equipe viram isso como uma experiência de crowdsourcing, mas o desempenho de Brilli, para o mundo de língua inglesa, foi percebido como um estereótipo provocativo, criando uma reação negativa. A versão do vídeo, em inglês, foi rapidamente removida.
Olhando para trás, ele disse: "Eu entendo agora que provavelmente cometemos um erro com a atriz".
Dito isto, Ravasi se orgulha do fato de que as contribuições para o vídeo vindas de mulheres de todo o mundo vai fazer parte da abertura do evento público da assembleia plenária e será apresentado em um teatro romano.
Em um ambiente burocrático, muitas vezes criticado pela duplicação de esforços, é difícil imaginar qualquer outro órgão do Vaticano tomando uma diversidade tão desenfreada de iniciativas, especialmente em temas potencialmente explosivos.
No momento, o conselho "G9" do papa de cardeais assessores de todo o mundo está avaliando uma reforma radical do Vaticano e fala-se que ele pode eliminar ou consolidar alguns dos pontifícios conselhos.
Muitos observadores em Roma estarão torcendo para que Ravasi e seu Conselho para a Cultura não sejam parte do corte ... se não por outra razão que, francamente, tornar o lugar muito mais maçante.