08 Janeiro 2015
"Esta mensagem de Francisco à Cúria faz um bem enorme a todos quantos. Seria preciso afixá-la por toda parte, nos nossos escritórios, nos nossos salões ou salas de visitas, nos nossos laboratórios. Nas nossas vidas. Nas nossas cabeças", escreve Bruno Frappat, ex-diretor de La Croix de 1995 a 2005, em artigo publicado pelo jornal La Croix, 03-01-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
Uma visita à Cúria é sempre memorável. É cheia de ensinamentos sobre a natureza humana, suas virtudes e seus defeitos. Tivemos diversas ocasiões de nos dirigirmos a ela, não faz muito tempo, no exercício das nossas funções (1), para apresentar-lhe as nossas atividades, desenvolver os nossos projetos diante de autoridades eclesiásticas de alto nível. Talvez para redourar a divisa que almas piedosas, hostis, vindas da França, tinham conscientemente degradado com calúnias adoçadas ou mesquinhas campanhas denegridoras. Dizer que tais visitas foram sempre um prazer, seria excessivo. E, em qualquer ocasião, foram humilhantes.
Hoje existe a prescrição, e é antes com humorismo, e tendo rapidamente perdoado, que recordamos certas vexações sofridas nos “escritórios romanos” onde éramos admitidos depois de ter longamente esperado de pé em sinistras antecâmaras. Um episódio particular permaneceu-nos na memória. Tínhamos ido apresentar uma pessoa que devia suceder-nos na chefia do jornal e que nossos leitores não teriam dificuldade em identificar. Tanto um como a outra, naquele dia, recebemos uma lição que nos recordava muito as convocações do superior do liceu quando tínhamos cometido qualquer violação do regulamento.
Como crianças descobertas numa infração, vimo-nos ser repreendidos por um detalhe, um artiguinho sem gravidade que havia escapado à nossa vigilância. Sobre aquilo se baseou toda a conversação. O resto, isto é, o intenso e constante trabalho cotidiano, os progressos na difusão, o papel de passarela do jornal entre a Igreja e a sociedade, nada suscitou o interesse do nosso augusto e descortês interlocutor. Ao termo do colóquio tentamos suscitar nele um mínimo de curiosidade pela pessoa que éramos tão altivos em apresentar-lhe. Disse somente estas palavras: “É sempre mais complicado com as mulheres”.
Saímos embasbacados deste encontro de máximo nível. Afortunadamente houve outros que nos permitiram, se não esquecê-lo, ao menos diminuir sua importância. Evidentemente repensamos no encontro com aquele personagem, hoje transferido a um cargo menos central, quando ouvimos o que o Papa havia dito aos seus “irmãos” da cúria, aos 22 de dezembro, apresentando-lhes os seus augúrios pelo Natal e o novo ano. A recordação daquele encontro fornecia, retrospectivamente, uma demonstração concreta de algumas das quinze “doenças” diagnosticadas por ele naquele “pequeno modelo de Igreja” que é a cúria, para retomar sua formulação. Sofremos a arrogância altiva e o desprezo (também de tipo machista) de um dignitário que se tomava quase por Deus Pai diante de nós, pobres bestinhas indignas de receber a esmola de um sorriso ou a graça de um encorajamento. O Papa, com seu formidável discurso, se não nos vingou (sentimento pouco cristão...), pelo menos permitiu rever uma obscura recordação sob uma luz muito límpida e jubilosa.
Simplesmente repropomos a lista, o “catálogo”, dos quinze males que, segundo Francisco, ameaçam a cúria romana e a circundam como vírus malignos.
1. Sentir-se “imortal”, “imune”, ou até mesmo “indispensável”.
2. O “martalismo” (que vem de Marta), a excessiva operosidade daqueles que imergem no trabalho.
3. O “empedramento” mental e espiritual daqueles que se escondem por trás das cartas e das práticas.
4. “A excessiva planificação e o funcionalismo”, como se se pudesse “domesticar o Espírito Santo”!
5. “A má coordenação”.
6. “A doença de um Alzheimer espiritual” que torna alguns “totalmente dependentes do seu presente.
7. “A rivalidade e a vanglória”.
8. “A esquizofrenia existencial”, fruto da “hipocrisia” daqueles que “põem de lado tudo o que ensinam severamente aos outros” até conduzir “uma vida oculta e com frequência dissoluta”.
9. “As tagarelices, as murmurações e os mexericos”.
10. “A doença de divinizar os chefes” por motivo de “carreirismo e oportunismo”.
11. “A indiferença com os outros”.
12. “A doença da face funérea das pessoas cabrestantes e arrogantes, as quais consideram que ser sérias (...) signifique tratar os outros com rigidez, dureza e arrogância (...) enquanto nos faz bem uma boa dose de sadio humorismo!”
13. “A doença do acumular” enquanto, como cada um sabe, “o sudário não tem bolsos”.
14. “A doença dos círculos fechados” que pode levar ao “fogo amigo dos colegas de armas”.
15. “O perfil mundano e os exibicionismos”, que transformam “o serviço em poder”.
Nossa! Após tal descarga de golpes recebidos do sucessor de Pedro, imaginamos que naquele dia os membros da Cúria tenham tido estampado no rosto um sorriso de limão. Mas, que se consolem, porque, no fim das contas, além deles, e também se alguns podem legitimamente considerar-se não ameaçados por tais males, é claro que o conjunto dos cristãos deva sentir-se envolvido. Cada um de nós, aqui em baixo, examinando-nos, pode pegar a parte que merece. As doenças diagnosticadas pelo bom doutor Francisco, de profissão Papa, e elencadas com aquele humorismo que sempre manifesta e que faz bem, não se referem só àquele pequeno grupo humano que tem sede junto a São Pedro em Roma.
De fato, no universo humano, a cúria, estatisticamente, não é grande coisa. Mal a gente se afasta, se dá conta que a humanidade está muito distante das rivalidades e das mesquinharias que ali se podem encontrar. E também que, no final das contas, existem poucas razões para pensar que tal grupo de homens (sobretudo homens, de fato), reunidos em torno ao sucessor de Pedro, por mais santa que possa ser sua função, por princípio possa ser exonerada dos pecados comuns.
Portanto, neste catálogo, existe algo para todos. Para os dirigentes de todo tipo. Para os políticos e os chefes de empresa, para a gente comum e os personagens que se julgam importantes, para os jornalistas, naturalmente, que errariam limitando-se a mastigar estas evocações. Porque, claramente, aquele catálogo é para todos, todos envolvidos nesta necessária purificação dos nossos comportamentos, dos nossos defeitos e das nossas ilusões vangloriosas. Esta mensagem de Francisco à Cúria faz um bem enorme a todos quantos. Seria preciso afixá-la por toda parte, nos nossos escritórios, nos nossos salões ou salas de visitas, nos nossos laboratórios. Nas nossas vidas. Nas nossas cabeças. Obrigado, realmente, a este Papa, justo, direto e rico de humor.
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Os quinze mandamentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU