08 Janeiro 2015
"As praças ocupadas criam um contra-poder constituinte, que divide o espaço social entre “nós” e “eles”. Sua democracia direta tanto parodia instituições representativas, fornecendo de forma eficiente os serviços atualmente privatizadas, como também prefigura uma nova arquitetura constitucional e institucional", escreve Costas Douzinas, professor de direito e Diretor do Instituto Birkbeck de Ciências Humanas, em artigo. A tradução é de Pedro Lucas Dulci.
Eis o artigo.
A esquerda pode aprender com os recentes levantes populares – a Primavera Árabe, Grécia ou Turquia – que não tem líderes, partidos ou ideologias comuns, e em seguida, construir sobre a energia e a imaginação do que estes movimentos têm criado.
Em 17 de Junho de 2011, eu fui convidado a me dirigir a ocupação da Praça Syntagma, em Atenas. Após as conversações, seguindo o procedimento habitual, os membros da ocupação que tiveram seus números sorteados vieram até a frente para falar com as 10.000 pessoas presentes. Um homem em particular estava agitado e tremendo, com sintomas evidentes de medo do palco antes de seu discurso. Ele então começou a dar uma bela palestra em frases e parágrafos perfeitamente formados, apresentando um plano completo e convincente para o futuro do movimento.
“Como você fez isso?” Perguntei-lhe mais tarde. “Eu pensei que você ia entrar em colapso”. “Quando eu comecei a falar”, ele respondeu calmamente: “eu estava balbuciando as palavras, mas alguém estava falando. Um estranho dentro de mim estava ditando o que dizer”. Muitos participantes nas insurreições e revoltas recentes fazer declarações semelhantes. Meu trabalho recente aborda esse estranho em mim (a descrição usual do inconsciente), esta transubstanciação milagrosa compartilhada por pessoas em diferentes partes do mundo.
A nova ordem mundial anunciada em 1989 foi a menor da história, chegando a um fim abrupto em 2008. Protestos, tumultos e insurreições eclodiram em todo o mundo. Nem o mainstream ou os radicais tinham previsto esta onda, e isso levou a uma busca frenética por precedentes históricos. Um ex-diretor do Serviço Secreto de Inteligência britânico pensou que, “uma onda revolucionária, como 1848”. Paul Mason concorda: “Há paralelos fortes - acima de tudo, com 1848, e com a onda de descontentamento que precedeu 1914”. Alain Badiou suspeita que um possível “renascimento da história”, em uma nova era de “tumultos e insurreições” após um longo “intervalo” revolucionário. Eventualmente, no entanto, a história é abortada ou natimorta, e Badiou discorda fortemente com a minha declaração que entramos em uma era de resistência.
Em uma conferência em Paris, em janeiro de 2013, eu estava no mesmo painel como Badiou. Depois da minha apresentação, Alain começou: “Eu certamente admiro a eloquência do meu amigo e camarada Costas Douzinas, que tem reforçado o seu otimismo, declarado com referências precisas, para o que ele considera serem as novidades políticas da resistência do povo na Grécia, onde ele mesmo tem discernido a emergência de um novo sujeito político”. Quando ouvi o próximo ponto eu pensei que eu o tinha entendido mal: por um lado, enquanto a coragem e a inventividade da resistência é um motivo de entusiasmo, por outro, ela não é nem nova nem eficaz. As mesmas coisas aconteceram em maio de 68, na praça Tahrir, e até mesmo “nos tempos de Spartacus ou Thomas Munzer”.
Reconheço que sou culpado da indiciamento de otimismo declarado. Entramos em uma era de resistência. Novas formas, estratégias e temas de resistência e revolta aparecem regularmente sem o conhecimento ou orientação de Alain Badiou, Slavoj Žižek ou Antonio Negri. Seu tempo é imprevisível, mas a sua ocorrência certa. Como resistências espalhadas pelo mundo, desde os países atingidos pela austeridade até à Turquia e o Brasil, dos ex-garotos-propaganda do neoliberalismo, à Bósnia-Herzegovina e a Ucrânia, a filosofia tem a responsabilidade de explorar o retorno contemporâneo de resistência e desenvolver uma análise de resistência.
Em um sentido mais estratégico, é importante seguir o conselho de Kant, em seus tardios ensaios políticos, sobre uma espécie de voto de confiança para as filosóficas relações públicas avant la lettre. Na filosofia da história de Kant, a natureza garante a eventual união civil da humanidade em um futuro cosmopolita. Mas, dada a possibilidade de uma audiência pública, o filósofo deve continuar pregando a inevitabilidade do cosmopolitismo, oferecendo uma mão amiga à providência. De forma semelhante e, após as repetidas declarações sobre o “fim da história”, o “fim da ideologia” e a nova ordem mundial, é importante para a esquerda a proclamação de que a mudança radical tornou-se possível novamente.
No século 20, a esquerda colecionou uma longa lista de profetas e pequenos grupos que prometeram a re-fundação da primeira e única ou a correta organização comunista. Em intervenções anteriores, Badiou explicou que a “resistência” (entre aspas irônicas) do movimento anti-globalização foi a criação do poder. O movimento é um “operador selvagem” da globalização e “procura traçar, para o futuro iminente, as formas de conforto para ser apreciado pela ociosa pequena-burguesia do nosso planeta”.
Aquecido pelo tema, Badiou começou a atacar Negri (“um romântico atrasado”) que é fascinado pela “flexibilidade e violência” do capital. Ele chamou a multidão de uma “alucinação sonhadora” que reivindica o direito do nosso “inoperante planeta... desfrutar sem fazer nada, enquanto estiver tomando um cuidado especial para evitar qualquer forma de disciplina, enquanto que nós sabemos que a disciplina, em todos os campos, é a chave para as verdades”.
Finalmente, ele descartou a categoria do “movimento” porque é “acoplado à lógica do Estado”; a política deve construir “novas formas de disciplina para substituir a disciplina dos partidos políticos”.
De acordo com esta versão, a resistência comunista deveria ficar longe do Estado, adotar a idéia do comunismo e da criação de uma organização altamente disciplinada que age em relação às pessoas em uma diretiva e de uma maneira autoritária. É “quer comemorar sua própria autoridade ditatorial, ditatorial porque é democrática ad infinitum”.
Este é o tipo de organização que resistências recentes têm rejeitado e por uma boa causa: tanto por causa da história da esquerda e, mais importante, porque as mudanças sócio-econômicas do capitalismo tardio fizeram o conceito de uma organização leninista não apenas redundante, mas indesejável e contraproducente.
A partir de uma perspectiva totalmente diferente, se não oposta, e com maior interesse no princípio de prazer do que na pulsão de morte (e em partes do que no partido), o recente livro de Howard Caygill parece compartilhar o pessimismo. As suas últimas linhas referem-se às resistências contemporâneas e concluem: “a resistência está envolvida na deslegitimação desafiadora de dominações existentes e potenciais, mas sem qualquer perspectiva de um resultado final na forma de um resultado ou solução revolucionária ou reformista... A política da resistência é desiludida e sem fim”.
Mas, apesar das reservas dos pessimistas, resistência e revolução estão no ar. Entretanto, parece que é como se a “coruja de Minerva” de Hegel não tivesse deixado seu ninho. Isto é porque não estamos no “anoitecer” ainda? Em outras palavras, os filósofos não podem responder à agitação política e social, porque a época da resistência não está perto de acabar, como pensava Hegel? Ou, é o resultado de certa esclerose teórica e política por parte dos teóricos radicais?
Fracasso, derrota, perseguição e a paranóia adjunta são marcas da esquerda. A esquerda tem aprendido a estar sob ataque, a falhar, a perder e chafurdar na derrota. Um masoquismo duradouro se esconde nos melhores livros da esquerda: muitas são as histórias de fracasso e racionalizações variáveis. É verdade que a esquerda perdeu muito: uma análise e um movimento unido, a classe operária como sujeito político, o avanço inexorável da história, economia planificada como uma alternativa ao capitalismo.
Também é verdade que a queda da alvenaria do muro de Berlim atingiu socialistas ocidentais mais do que os velhos stalinistas. Usando termos de Freud, o luto necessário e libertador para o objeto de amor de uma revolução se transformou em melancolia permanente. Em luto, a libido finalmente se retira do objeto perdido e foi deslocada para outro. Na melancolia, ela “se retira para o ego”. Esta retirada serve para “estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado”.
Walter Benjamin chamou isto de “esquerda melancólica”: a atitude do militante que está ligado mais a uma análise política específica ou ideal – e ao fracasso deste ideal – do que a um aproveitamento das possibilidades de mudança radical no presente. Por sua vez, Benjamin conclama a esquerda a agarrar o “tempo do agora", enquanto que para o melancólico, a história é um “tempo vazio” da repetição. Parte da esquerda está narcisicamente fixada ao seu objeto perdido sem nenhum desejo evidente para abandoná-la. A melancolia de esquerda conduz inexoravelmente ao fetichismo das pequenas diferenças: politicamente, ele aparece nos conflitos intermináveis, divisões e insultos entre os companheiros de outrora. Ataques ao mais próximo, o duplamente ameaçador, são mais cruéis do que os do inimigo. Teoricamente, de acordo com Benjamin, a melancolia da esquerda trai o mundo por causa do conhecimento. Em nosso cenário contemporâneo, temos um retorno a um tipo particular de grande teoria, que combina uma obsessão com a explicação da vida, o universo e tudo mais, com a ansiedade de influência. As sombras e os fantasmas da geração anterior de grandes nomes pesam sobre os últimos missionários da enciclopédia.
A razão mais importante por que a teoria radical tem sido incapaz de compreender plenamente as resistências recentes é, talvez, a “ansiedade da grande narrativa”. A geração anterior de intelectuais radicais - como Jean-Paul Sartre, Bertrand Russell, Edward Thompson e Louis Althusser - tinham estreitas ligações com os movimentos de seu tempo. Filósofos radicais contemporâneos são encontrados com mais freqüência em salas de aula do que esquinas.
A ampla “academização” da teoria radical e sua proximidade com os departamentos de estudos “interdisciplinares” e culturais mudou seu caráter. Estes campos acadêmicos foram desenvolvidos como resultado de prioridades de financiamento da universidade. Eles alegremente acolheram o apelo dos filósofos radicais que contribuem para o seu valor de celebridade. Mas esse enfraquecimento da relação entre teoria e prática tem um efeito adverso sobre a construção da teoria. O desejo de uma “teoria radical de tudo” causada pela “angústia da influência”, criado pela geração anterior de grandes nomes filosóficos não ajuda a superar as limitações de abstração desencarnada.
Não é nenhuma surpresa que muitos esquerdistas europeus estão felizes em comemorar o final de Hugo Chávez, Evo Morales ou Rafael Correa e levar a cabo a política radical por procuração, enquanto estão prontos para descartar o que acontece em nossa parte do mundo como irrelevante ou equivocada. Eles podem se sentir melhor por perder gloriosamente do que por ganhar, mesmo com algumas concessões.
Repetidas derrotas não ajudam os milhões cujas vidas foram devastadas pelo capitalismo neoliberal e pelo governo pós-democrático. O que a esquerda precisa não é um modelo novo de partido ou uma teoria brilhante e abrangente. Eles precisam aprender com as resistências populares que eclodiram sem líderes, partidos ou ideologia comum, bem como a construir na energia, imaginação e nas novas instituições criadas. A esquerda precisa de alguns sucessos depois de um longo intervalo de fracassos.
A Grécia é, talvez, a melhor oportunidade para a esquerda européia. As resistências persistentes e militantes afundaram dois governos de austeridade e, atualmente, Syriza, a coalizão de esquerda radical, provavelmente será o primeiro governo eleito radical na Europa. A chance histórica foi criada não por partido ou teoria, mas por pessoas comuns que estão bem à frente de ambos e adotaram esse pequeno partido de protesto como o veículo que complementaria no parlamento as lutas nas ruas. A responsabilidade política e intelectual de intelectuais radicais em todos os lugares é estar em solidariedade com a esquerda grega.
Para uma geração mais velha de militantes, a teoria é uma arma política. A partir desta perspectiva, defendi no meu livro recente que formas, temas e estratégias de resistência surgem dentro e contra os circuitos de poder, reagindo e reorganizando suas operações. Para explicar a sua multiplicação e intensificação, devemos começar com uma exploração do estado de coisas que eles enfrentam, a saber, a combinação desastrosa do capitalismo neoliberal e a decadência quase terminal da democracia parlamentar. Todas as resistências recentes de Tahrir a Syntagma, Taksim e Sarajevo, parecem responder a um ou outro e, geralmente a ambos. É, portanto, importante para iniciar a análise da era da resistência com um exame de certas tendências comuns. Deixe-me resumi-las.
Primeiro, o cenário econômico e social do imaterial capitalismo neoliberal. Sua lógica é a da privatização, do anti-Estado e da de-territorialização. Mas, ao mesmo tempo, como o lucro torna-se renda e juros, o capitalismo exige uma maior regulamentação e policiamento.
Em segundo lugar, devemos explorar a organização bio-política mundial com seus dois lados: em um período de falso crescimento, o libertarianismo pessoal, o hedonismo e o consumismo, a injunção ao prazer obrigatório. Cada “eu desejo X...” tornou-se “eu tenho direito de X...”. Quando inevitavelmente chega austeridade, a ênfase reverte-se para o lado inverso, o controle das populações. Felicidade individual e escolha, toda a raiva do período anterior, desaparece. O indivíduo é abandonado, a obrigação pelo prazer torna-se proibição de prazer, a fim de salvar o DNA da nação.
Estes desenvolvimentos têm sérios efeitos para a política de lei. Legalidade é utilizada pelas elites, a fim de prevenir e criminalizar desobediência e resistência. A ênfase anterior sobre a liberdade controlada se transforma em um estado de exceção limitado, em repressão policial e exclusão generalizada.
Uma análise global deve ser sempre ajustada ao contexto local. Resistências são sempre localmente situadas. Cada caso, portanto, deve ser examinado no contexto de suas histórias locais, condições, localizando espaço e temporalmente o balanço de poder. A explosão, a multiplicação e a condensação de diferentes lutas e campanhas depende essencialmente do kairos, do momento oportuno e, muitas vezes de um catalisador aleatório, como a morte de Alexis Grigoropoulos em Atenas em 2008, Mohamed Bouazizi na Tunísia em 2010, ou Mark Duggan em Londres 2011.
A insurreição espontânea é o ponto onde a complementaridade, ou acoplamento, da prometida liberdade de escolha do consumidor, com controle comportamental e repressão policial, se desvela. O primeiro local de conflito é, portanto, a des- e re-subjetivação, a desarticulação das pessoas de sua posição de maquinas de desejo e consumo, e sua emergência como subjetividades que resistem (o “estranho em mim”). A participação na maioria das lutas é a repolitização da política através da introdução de um elemento ativo da democracia direta em nossas enfermas e idosas disposições constitucionais.
Três novas formas de política emergiram, respondendo às tendências e subjetividades do capitalismo tardio. Primeiro, os seres humanos dispensáveis e redundantes, o homines sacri do nosso mundo. Tais são os imigrantes sem documentos ou sans papiers, aqueles para quem o Mediterrâneo tornou-se um cemitério flutuante. Aqui, a subjetividade resistente muitas vezes toma a forma de martírio – testemunho e sacrifício – e de êxodo.
Em segundo lugar, os bio-politicamente excluídos: os desempregados e incapazes, jovens e velhos, que existem socialmente, mas são invisíveis para o sistema político. Nestes casos, a resistência assume a forma de insurreição, e ocasionalmente de tumultos. A subjetividade toma a forma de uma ação externa violenta. O que eles exigem não é “este” ou “aquele” direito, mas antes, o “direito a ter direitos”, de serem considerados parte do contrato social.
Finalmente, os privados de direitos democráticos [democratic disenfranchisement]. Aqui, a forma dominante é a ocupação de praças e outros espaços públicos por multidões de homens e mulheres de todas as ideologias, idades, ocupações e os muitos desempregados. A produção imaterial promove redes de trabalho, mas não a política de cooperação, a comunicação, mas não as identidades ideológicas, a colaboração com base na atomização e auto-interesse. As praças ocupadas são o lugar onde os dissidentes colocam em prática as habilidades de política de rede e colaboração que aprendemos para o trabalho. Os jovens foram orientados por 30 anos que eles iriam ter uma boa vida, se estudassem, obtivessem graduações, continuar a aprendessem novas habilidades. Mais de 60% dos jovens europeus têm o ensino pós-secundário e exatamente as mesmas habilidades que seus governantes. Eles são agora o precariado. Mil desempregados advogados, engenheiros e médicos são mais revolucionários do que mil trabalhadores desempregados. Estes são os indignados de Tahrir Squre, Puerta del Sol, Syntagma e Taksim.
Elaborados grupos de trabalho fornecem serviços essenciais nas praças ocupadas. Em Atenas, por exemplo, alimentação, saúde, atividades culturais, educacionais e presença da mídia foram fornecidas por profissionais, muitos deles com graduações elevadas, mas permanentemente desempregados. As assembléias diárias e temáticas, bem como os grupos de trabalho, organizar-se sob um estrito axioma da igualdade. Quem estiver na praça, todo e qualquer um, tem direito a uma parte igual de tempo para colocar seus pontos de vista. Os pontos de vista dos desempregados e do professor universitário tem mesmo tempo, são discutidos com igual vigor e submetidos a votação para a adoção. Aqui, o direito de resistência se junta à igualdade, o segundo grande direito revolucionário, e o muda de uma norma condicionada em um axioma incondicional: as pessoas são livres e iguais; cada um conta como um em todos os grupos relevantes.
As praças ocupadas criam um contra-poder constituinte, que divide o espaço social entre “nós” e “eles”. Sua democracia direta tanto parodia instituições representativas, fornecendo de forma eficiente os serviços atualmente privatizadas, como também prefigura uma nova arquitetura constitucional e institucional.
Permitam-me concluir, oferecendo sete teses para uma analítica da resistência:
1. Resistência é uma lei do ser. Ela é interna ao seu objeto. A partir do momento que o ser toma forma, ou que uma assimetria de poder é estabelecida, ele encontrará resistências que, irreversivelmente, o torcem e o fissuram.
2. Resistência é sempre situada. Resistências são locais e múltiplas: eles surgem concretamente em condições específicas e em resposta a uma situação, a um estado de coisas ou a um evento.
3. Resistência é uma mistura de reação e ação, negação e afirmação. Resistência reativa conserva e restaura o estado das coisas. Ativamente toma emprestado, imita e subverte os braços do adversário, a fim de inventar novas regras, instituições, situações.
4. Resistência é um processo ou uma experiência de subjetivação. Tornamo-nos novos sujeitos, o “estranho em mim” emerge quando experimentamos uma divisão na identidade. Porque a minha existência em particular falhou, porque a identidade é dividida e não pode ser concluída, eu passo da identidade de rotina para a universalidade da resistência. Ela envolve risco e perseverança: a resistência é a coragem da liberdade.
5. Resistência é primeiramente um fato, não uma obrigação. Não é a idéia, ou a teoria da justiça ou o comunismo que leva à resistência, mas o sentimento de injustiça, a reação do corpo ferido, a fome, o desespero. A idéia de justiça e de igualdade são mantidas ou perdidas como resultado da existência e da extensão da resistência, e não o contrário.
6. Resistência torna-se política e pode ter sucesso em mudar radicalmente o equilíbrio de forças, se ela se tornar coletiva e concentrar, temporariamente ou permanentemente, uma série de causas, uma multiplicidade de lutas e reivindicações locais e regionais, trazendo-as todas juntas para um tempo e lugar central e comum. Persistência, acampamento, permanência em um lugar público, transformando-o em Ágora ou em fórum, pode ajudar a criar as demos em sua oposição às elites. Naquele (imprevisível) ponto, a resistência pode se tornar a força hegemônica. Isso já aconteceu em alguns lugares nos últimos anos. A possível traição da revolução mais tarde não muda o fato de que as pessoas nas ruas aprenderam que eles podem derrubar os governantes poderosos.
7. Embora a resistência seja um fato e não uma obrigação, o tema da resistência emerge através do exercício do direito de resistir, o mais velho, e de fato, o único direito natural. O direito tem duas fontes metafísicas. Como vontade reconhecida, o direito aceita a ordem das coisas e veste o dominante particular com o manto da universal. Mas, como uma vontade que quer o que não existe, o direito encontra a sua força em si mesmo e seu efeito em um cosmos aberto que não pode ser totalmente determinado pelo poder (financeiro, político ou militar). A vontade resistir forma uma universalidade agonística, criada por uma divisão diagonal do mundo social, que separa governantes dos governados e dos excluídos.
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Da Grécia à Ucrânia: bem-vindo a nova era da resistência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU