10 Dezembro 2014
Muito mais que amigo do presidente José Mujica, de quem foi ministro da Defesa até 27 de julho de 2011, o senador Luis Rosadilla, da Frente Ampla, integra as comissões de Defesa e de Inteligência no Legislativo uruguaio. Mais ainda: foi ele quem, em julho de 2013, falou pela primeira vez sobre a possibilidade de o governo acolher homens que vivem na penitenciária americana de Guantánamo, em Cuba.
A entrevista é de Léo Gerchmann, publicada pelo jornal Zero Hora, 09-12-2014.
Nesta entrevista a Zero Hora, Rosadilla, 60 anos, explica o porquê de o governo do qual participa ativamente ter tomado tal atitude, vista por ele como humanitária, apesar dos “riscos” que admite representar. A seguir, uma síntese:
Eis a entrevista.
Há curiosidade mundial a respeito dos presos de Guantánamo acolhidos pelo Uruguai. Como está a situação deles?
Eles chegaram muito recentemente, estão vivendo seus primeiros momento no país. O que posso dizer é que, para o governo uruguaio e para o povo uruguaio, o que vem em primeiro lugar é a vida. A primeira coisa que está sendo feita é cuidar da saúde dessas pessoas. Estão tendo assistência médica pública. Estamos avaliando o principal: a vida deles.
Eles estão agora em Montevidéu?
Sim, estão em Montevidéu.
E depois podem ir para outras cidades?
Eles estarão no Uruguai sob o status de refugiados. Portanto, o Uruguai lhes oferece todo o território para poder se mobilizar e, como bem declarou o presidente José Mujica, se quiserem trocar o Uruguai por outro país, não haverá impedimentos.
O governo uruguaio se cercou de todas as garantias a respeito da periculosidade que eles venham a ter?
Qual periculosidade?
Eles estavam presos.
Não, eles não estavam presos. Estavam sequestrados pelo governo americano. Um preso você acusa, processa e eventualmente condena. Isso é um preso. Um Estado que mantém uma pessoa presa o acusa, processa e condena, ou o libera. Essas pessoas (os recém-chegados) estavam fora do mundo, fora de qualquer norma legal, estavam sequestrados pelo governo americano.
Não havia acusações contra eles, então?
Se houvesse, os Estados Unidos deveriam tê-los processado.
Essa pode ser uma primeira experiência para o Uruguai e para a América do Sul?
Os uruguaios e o governo uruguaio não querem ser exemplo para nada. Atuamos de acordo com nossas convicções e sensibilidades. Para o presidente da república e para o governo uruguaio, trata-se de um gesto humanitário, sem qualquer outra especulação. Quem está te respondendo é uma pessoa que, em 13 de julho de 2013, antes que se iniciasse qualquer negociação, fez no parlamento uma defesa desses presos, não só dos seis, mas de todos os presos de Guantánamo. Disse o mesmo que estou dizendo agora: o governo uruguaio atua por convicção.
A ideia do refúgio foi sua?
Não, não. Simplesmente fiz a denúncia do que estava ocorrendo em Guantánamo. Não fiz mais que repetir o que um senador e uma senadora americanos disseram ao seu próprio Congresso.
O senhor tem participado das discussões do governo?
Sim, com certeza. Sou militante deste governo e senador. Fui ministro, fui deputado. Faço parte da Frente Ampla.
O senhor pode voltar ao ministério?
Não tenho como responder isso. Sou um homem do meu partido e do meu governo. Não há nada que indique que eu volte, mas poderia, claro.
Acredita que os refugiados viverão no Uruguai?
Não sei. Veja: minha mãe era brasileira. Éramos uma família muito pobre quando eu era bebê, e minha mãe havia vindo de Mato Grosso. Éramos dois irmãos, não sobrava comida lá em casa. Mas, quando minha mãe via passar uma pessoa pobre na rua, pedindo comida, a convidava para dividir a comida conosco. Era uma brasileira, uma analfabeta. Evidentemente, nós nos assustávamos um pouco, porque não tinham bom aspecto, estavam barbudos, mal vestidos. Nos dava um pouco de medo. A verdade é que temos de correr riscos. São coisas que se fazem por sentimento humanitário. E sempre há riscos, sempre. Lá em casa, nunca houve nada. Nunca roubaram nada, nunca houve violência. Mas poderia ter se passado. E minha mãe estava sempre orientada por uma verdade: a bondade. Se uma pessoa está passando fome, deve-se dar comida a ela. Se estão sequestrados, torturados em uma prisão há mais de 12 anos sem acusações e se meu país tem condições de retirá-los desse inferno, valorizo muito esse gesto. Talvez seja o gesto mais importante do atual governo. Justamente porque tem riscos. É mais fácil para um presidente cortar a faixa na inauguração de uma ponte, de uma escola, um porto. Tudo é fruto de alegria, mas não há riscos. Mas o que ocorreu agora é por motivos nobres e superiores.
Se houver problema com eles, ainda assim valeu a pena?
Sempre valerá a pena. Viver é se arriscar, e viver de acordo com suas convicções é se arriscar mais ainda. Mas confio que não vai se passar nada. O Uruguai tem uma trajetória de acolher as pessoas. Para cá, vieram anarquistas europeus, comunistas de todos os lados, socialistas perseguidos. No Uruguai, essa gente teve um lugar de refúgio e esperança, com trabalho. Casaram-se, tiveram filhos, netos, aprenderam a ser torcedores da seleção uruguaia, tomar chimarrão, jogar truco. Se fizeram uruguaios, e somos felizes com isso.
Se os seis tomarem mate e forem torcedores da seleção uruguaia, será uma alegria?
Claro, isso seria muito bonito, e eu seria muito feliz se essas pessoas encontrarem, no Uruguai, segurança e paz. Que encontrem suas mulheres, seus filhos, famílias, trabalho digno.
As famílias deles já vieram para o Uruguai?
Não, ainda não. Mas imagine: eles estão há 12 anos sem ver suas famílias. Nunca lhes permitiram ver suas famílias.
Como o governo conduzirá isso?
Como a qualquer refugiado, o governos lhes facilitará a aprendizagem do idioma, a ambientação. Terão um lugar onde dormir e uma mesa onde comer.
Haverá medidas especiais?
Não, este governo não colocará um espião atrás deles, porque, se fosse assim, simplesmente estaríamos trocando o cárcere. No Uruguai, os ex-presos serão homens livres.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“No Uruguai, os ex-presos serão homens livres” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU