07 Dezembro 2014
Jacques Távora Alfonsin, advogado, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, comenta a carta do Grupo Emaús entregue em audiência com a presidente Dilma Rousseff.
Eis o artigo.
Bem diferente do “Brasil que queremos”, proposto pelos maiores empresários do país, comentado pela revista “Exame”, numa edição de outubro passado, uma carta de várias pessoas identificadas como Grupo Emaús, foi entregue pessoalmente à presidenta Dilma, na última semana de novembro passado.
Assinada por teólogos/as de várias Igrejas cristãs, sociólogos/as, educadores/as e militantes de direitos humanos, entre os quais Leonardo Boff, Frei Betto, Maria Helena Arrochelas, Luiz Alberto Gomes de Souza, Antonio Cecchin, Luiz Carlos Susin, Tereza Cavalcanti, Jose Oscar Beozzo, Luiz Eduardo Wanderley, Maria Clara Lucchetti Bingermer, Carlos Mesters e Benedito Ferraro, a carta elencou dezesseis grandes opções que as/os signatárias/os acreditam devam “estar presentes na construção do Brasil que queremos”.
O conteúdo reflete históricas reivindicações do povo pobre brasileiro e latino-americano, vítima de injustiça social secular, muitas delas embrionadas ou então já reclamadas pelas Conferências do Episcopado Latino Americano de Medellin (1968). Puebla (1979), Santo Domingo (1992), e Aparecida (2007), como inadiáveis providências ético-políticas a serem tomadas neste continente, de modo muito especial em defesa dos direitos humanos sociais aqui violados.
Sobre a condução das políticas públicas, por exemplo, a carta aponta questões onde o próprio Estado de direito não consegue ampliar os meios de promover uma reforma do sistema político “que acabe com o financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos por empresas privadas, e estabeleça o financiamento público, possibilitando “ a participação dos cidadãos e cidadãs no processo de tomada de decisões sobre a política econômica, sobre todo e qualquer projeto que tenha forte impacto social e ambiental, sobre a privatização de empresas estatais e de serviços públicos”.
A carta vê como necessária maior democratização, igualmente, a ser estendida ao próprio Poder Judiciário, à mídia, aos meios de abertura para um controle social da gestão pública como um todo, à urgência em se universalizar os direitos humanos, entendendo como meios eficazes para tanto o comportamento ético como “ essencial para a vida do cidadão e, especialmente, para aquele/a que pretende se dedicar ao serviço da sociedade, do bem comum, ao serviço público”.
Em relação à terra, à água e ao meio-ambiente, o risco de se ampliarem os maus efeitos das violações de direito praticadas contra indígenas e quilombolas, o documento assinado pelo Grupo de Emaús relembra a necessidade de se proteger a vida dessas comunidades tradicionais, de se “reavaliar megaprojetos à luz de critérios ecológico-ambientais e sociais”, preocupado com a situação da Amazonia e do Cerrado. Ele não esquece a conveniência de se restringir o uso de transgênicos e agrotóxicos, inclusive como garantia de bem-viver das gerações futuras, conforme advertência de “815 cientistas de todo o mundo”, pondo em risco até “nossa soberania alimentar”.
Coloca em destaque, por essas e outras razões, o imperativo de se valorizar o trabalhador e a trabalhadora, garantindo-se trabalho para todos/as, reduzindo-se a jornada de trabalho “para 40 horas semanais, sem redução dos salários, como repartição dos abusivos ganhos de produtividade do capital.”
Sobre a economia, não só pela conveniência de se reforçar um modelo econômico mais social e popular, o Grupo de Emaús pede à presidenta “repensar criteriosamente a privatização de serviços públicos e de nossas riquezas naturais (entre as quais o petróleo)”, e que o seu governo deixe claro para todas/os que privilegia “os pobres e aqueles que não são capazes se manter por sua própria conta.”, destravando, de vez, uma auditoria da dívida pública prevista desde 1988, pelo art. 26 do Ato das disposições transitórias da Constituição Federal, fazendo prova do quanto, em nosso passado e no de países latino-americanos, se verificou de irregularidades nesse tipo de investigação.
Em favor da reforma tributária, a carta sugere imposto progressivo (quem ganha mais que pague mais, o imposto de renda com mais peso do incidente sobre o consumo), introdução do imposto sobre as grandes fortunas, com aumento do que se aplica atualmente às grandes propriedades rurais, e com o aproveitamento, igualmente, da famosa Taxa Tobin para inibir, certamente, as transações financeiras internacionais com fins especulativos.
Com relação à segurança pública, a carta denuncia o conhecido caráter classista e racista das penas (quase sempre recaindo sobre pobres, jovens e negros), preocupa-se com o número de encarcerados no país (550 mil) e o de “50 mil homicídios dolosos por ano”, concluindo com uma afirmação categórica, muito pouco lembrada pela mídia: “Que a segurança pública seja exercida para proteger a vida e os direitos dos cidadãos, e não apenas a propriedade.”
A carta poderia ser acusada de generalidades conhecidas, mais do que repetidas no passado e de efeito remoto senão inútil. Diante do poder econômico aqui presente, com força para impor outras prioridades e, até, acentuar os obstáculos que ela vê como impeditivos das propostas por ela feitas, elas não levam chance alguma de serem aceitas.
Isso é meia-verdade, capaz de manter o desânimo e a falta de ousadia, apenas para quem já se acomodou com os males sociais que nos afligem, cenário fiel desse documento. Uma derrota antecipada desse tipo não tem fé na capacidade histórica de se construir um outro mundo possível. Bem examinado o texto do Grupo de Emaús, a simples coincidência do seu teor com a maioria das reivindicações autenticamente populares, atualmente em campanha no Brasil, o simples fato de ele ter aberto um canal direto de comunicação com a Presidenta contribui para empoderar as garantias devidas aos direitos aí em causa, pois se a conveniência, a necessidade e urgência de serem efetivadas, ela já sabia, agora conheceu também a disposição cidadã de muitas/os brasileiras/os participarem das políticas públicas, contribuindo com sua crítica, fiscalização, cobrança e avaliação de resultados.
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Nova carta à presidenta. Um outro Brasil que queremos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU