Por: Cesar Sanson | 26 Novembro 2014
A provável ministra da Agricultura agrada aos grandes produtores e promete profissionalizar a pasta, mas desagrada a entidades como o MST, que prevê um cenário de luta.
A reportagem é de Marcelo Pellegrini e publicada por CartaCapital, 25-11-2014.
A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), tida como nome certo para assumir o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no segundo mandato de Dilma Rousseff, divide opiniões de forma radical. Caso seja confirmada, a nomeação agrada ao agronegócio na mesma proporção em que indigna os movimentos sociais. Para vários grupos, a presença de Kátia Abreu no ministério é uma “traição” aos apoiadores de esquerda que trabalharam pela eleição de Dilma.
Mesmo não oficializada, a indicação da senadora incentivou represálias. No sábado 22, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ocupou uma fazenda de 2 mil hectares no interior do Rio Grande do Sul em protesto.
Com um vasto currículo empresarial , Kátia Abreu é “o” nome esperado pelo agronegócio, setor responsável por 20% do PIB e por 44% das exportações do País. Há seis anos à frente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e há 14 no Senado, Kátia Abreu se consolidou como a maior voz deste grupo econômico no Brasil.
“Hoje, ela é a maior representante da agropecuária, e pode ser uma interlocutora valiosa entre o governo e os ruralistas”, afirma Rui Daher, o consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola. “Como uma das líderes da bancada ruralista, a senadora se preparou para o cargo e chega com força para tirar o ministério do abandono e trazer recursos e projetos que aumentem a competitividade do setor”, completa Daher, que também é colunista de CartaCapital.
Dominado pelo PMDB, o Ministério da Agricultura teve seis ministros filiados ao partido nos últimos oito anos, sendo que apenas um tinha alguma formação em agronomia. Sem um nome recente de peso, a pasta ficou enfraquecida nos últimos anos e enfrentou sucessivas greves de funcionários em 2012 e 2013. O último ministro, Neri Geller, ex-deputado-federal pelo PMDB, é um exemplo deste quadro. Chegou ao cargo em março deste ano e, a se confirmar a nomeação de Kátia, não completará oito meses na pasta.
Sabendo da lógica que domina o ministério, Kátia Abreu se preparou para ser indicada e chega com a promessa de fazer com que o agronegócio brasileiro siga crescendo. Iniciada na política em 2007, no extinto PFL, teve passagens por mais dois partidos até se filiar ao PMDB, em 2013, e assim adequar ainda mais seu status para concorrer ao cargo.
Com o MAPA sob seu comando, Kátia Abreu poderia dar uma injeção de profissionalismo na área, livrando a pasta da inércia e da burocracia. Para tanto, um de seus planos, por exemplo, seria considerar assentados como microempreendedores. A guinada à direita na economia, com possíveis cortes de gastos, pode ser um limitador para a ação do ministério.“A nova equipe econômica que está sendo formada possui um perfil mais austero, o que pode afetar as novas linhas de crédito, programas e recursos à disposição dos ministérios”, pondera o consultor Daher. “Isso limitaria o grau de atuação da nova ministra”, completa.
Para Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, tratar assentados como microempreendedores é um erro. “A reforma agrária não é uma política de micro empreendimentos, mas uma política de soberania alimentar a partir da organização de cooperação das famílias de agricultores”, afirma. Segundo ele, não se faz reforma agrária com a criação de microempresas. “Nosso projeto prevê democratização da terra para acabar com o latifúndio e uma produção de alimentos sem agrotóxicos com a organização de cooperativas”, completa.
Além disso, fornecer melhor estrutura e linhas de crédito para assentados não é atribuição do Ministério da Agricultura, mas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Atualmente, o baixo grau de infraestrutura e apoio técnico aos assentamentos rurais são uma das maiores críticas contra o MDA no governo Dilma. Em comparação com os governos Lula e Fernando Henrique, a gestão Dilma foi a que menos assentou famílias, com uma média de apenas 25 mil famílias assentadas por ano. Em média, o governo FHC assentou 67 mil famílias/ano e o governo Lula 76 mil.
Os números para 2014 também não empolgam. O MST estima que neste ano as desapropriações para a reforma agrária não cheguem a 40 áreas. “Infelizmente, a presidenta Dilma já está na história como um dos piores governos para a reforma agrária, perdendo até para o Sarney e para os governos da ditadura militar”, lamenta Conceição, do MST.
A rejeição da senadora de Tocantins junto aos movimentos sociais, contudo, são se limite à questão da reforma agrária. Seu nome é repudiado por conta de uma coleção de propostas polêmicas ainda em tramitação no Senado. Entre elas a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2013 e o Projeto de Decreto Legislativo 13/2008. A primeira defende a proibição de demarcação de terras indígenas em áreas de conflito agrário ou fundiário, o que praticamente impediria a demarcação de novas terras. A segunda visa garantir crédito federal para qualquer produtor rural, mesmo para quem não respeite o Plano de Manejo Florestal Sustentável e os limites de desmatamento por área rural na Amazônia.
Além disso, Kátia Abreu também é suspeita de possuir laços com o trabalho escravo. Em 2012, a Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins (SRTE/TO) libertou 56 pessoas de condições análogas à escravidão da Fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO). De acordo com apurações da fiscalização trabalhista, ainda que registrada em nome de um "laranja", a empresa pertence a Paulo Alexandre Bernardes da Silva Júnior e André Luiz de Castro Abreu, irmão da senadora.
Sem diálogo
Se Kátia Abreu pode facilitar a interlocução do Planalto com a bancada ruralista, o mesmo não se aplica aos movimentos sociais. “Não vemos condições para o diálogo com a senadora, o diálogo será por meio da luta”, sintetiza Conceição, do MST. Sua opinião não é isolada. “O cenário que se apresenta agora é de mobilização permanente e de maior atuação dos movimentos sociais no campo das lutas e ocupações”, afirma Flávio Lazzarin, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Lazzarin lembra que, desde o governo Lula, o Ministério da Agricultura tem forte ligação com o agronegócio. Ainda assim, diz ele, a indicação de Kátia Abreu foi recebida como uma “bofetada”. “Foi uma infeliz surpresa receber um nome que representa o atraso do latifúndio, a grilagem, o trabalho escravo e o desrespeito ao meio ambiente e às comunidades tradicionais”, afirma.
Além do aumento das ocupações, os movimentos sociais também esperam que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tenham nomes fortes e com representatividade social para equilibrar o jogo no governo.
“Os ministros precisam ter representatividade na sociedade e proximidade da presidenta, para levar para o núcleo do governo as nossas demandas com a reforma agrária, com a agricultura familiar, com a preservação do meio ambiente. Não teremos avanços com a nomeação de burocratas sem apelo social”, diz Alexandre Conceição do MST.
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Kátia Abreu aprofunda o fosso entre o agronegócio e os movimentos sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU