18 Novembro 2014
"Antes de tudo devemos afirmar com força que existe esperança. A crescente consciência está levando a um maior empenho, que emerge em diversos ângulos do globo. Em particular, as jovens gerações têm maior sensibilidade. Entre os jovens se podem encontrar escolhas radicais de vida sóbria e não consumista. Da parte deles, as religiões têm um papel crucial a desenvolver", escreve Patzi Álvarez, diretor do Secretariado para a Justiça Social e a Ecologia, em artigo publicado por L’Osservatore Romano, 14-11-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
A Companhia de Jesus e a ecologia é o tema central de “Jesuítas 2015”. O anuário dos filhos de Santo Inácio de Loyola se interroga sobre os desafios que a questão da tutela da criação se coloca hoje em estreita correlação com outras emergências relativas à defesa dos mais pobres e à justiça social. Publicamos amplos estratos do artigo introdutório.
Hoje sabemos bem que a Terra está em perigo por causa da ação humana e que o nosso destino está ligado à vida sobre o nosso planeta. Estamos ante um desafio de civilização. O paradigma do consumo crescente baseado num modelo produtivo insustentável constitui uma ameaça para todos os seres do planeta. Mas ainda não encontramos outro paradigma, sustentável, que gere postos de trabalho para as pessoas e os bens necessários para todos, em particular para os mais pobres. Encontramo-nos, portanto, numa encruzilhada. Na Companhia de Jesus a preocupação pela ecologia é recente, embora tenha havido precedentes.
Já em 1983, a Congregação Geral (Cg) 33 citava a maneira pela qual os seres humanos estavam destruindo a natureza criada, algo ligado ao desprezo do amor criador.
Em 1999, o Secretário para o apostolado social publicava o documento Vivemos num mundo despedaçado. Reflexões sobre a ecologia.
Mais recentemente, em 2008, a Cg 35 falou da reconciliação entre Deus e os seres humanos. Sublinhava como a maciça destruição do ambiente ameaçava o futuro da Terra. Em 2011 apareceu outro documento, Recompor um mundo despedaçado, acompanhado de uma carta do padre geral, na qual se solicitava uma mudança dos corações, agradecidos a Deus pelo dom da criação e dispostos a empreender um caminho de conversão.
Devemos empreender uma renovação do coração, uma conversação, como a solicita o padre Nicolás Pachón. A experiência indica que o anúncio de futuras catástrofes mobiliza pouco. Somente uma conduta de amor, apreciação e gratidão pela criação levar-nos-á a amá-la e a dela cuidar. Uma mudança de conduta que também nos fará crescer como seres humanos. A primeira destas é o cuidado da natureza. Trata-se de conhecê-la, amá-la e protegê-la. Isso implica um interesse pela vida em todas as suas formas e uma consideração pela natureza que nos circunda.
Na tradição cristã, todas as realidades nos conduzem a Deus, em medida tanto maior quanto mais são complexa. Elas têm um valor em si mesmo; não estão lá simplesmente para que delas se possa abusar, nem degradá-las ou eliminá-las. Consequentemente, deriva disso uma conduta de louvor e gratidão pela criação e pela natureza, uma conduta que é profundamente inaciana. Nas últimas décadas, na teologia cristã está se desenvolvendo sempre mais o conceito de “cuidadores” da criação; chamados a ser os seus assistentes. Como em cada família, quem é capaz assume a responsabilidade do cuidado do mais débil. Este é o papel dos seres humanos na grande família da criação.
O segundo aspecto é, como dissemos, a defesa dos mais débeis, das comunidades mais pobres e das gerações futuras. No campo da ecologia se lança uma questão de justiça. As populações que menos contribuíram à deterioração do ambiente são aquelas mais expostas e que pagarão o preço mais alto. Isto é um grande paradoxo porque, ao contrário, os Países que há mais tempo se beneficiam do desenvolvimento industrial e que mais danificaram a natureza e emitiram maior quantidade de gás serra, são os mais bem preparados a defender-se das consequências derivantes da crise.
O terceiro aspecto, que concerne ao nosso empenho pelo ambiente se refere a um novo estilo de vida. O estilo de vida consumista dos países que definimos desenvolvidos, bem como aqueles das classes bem-de-vida dos outros Países, não se pode aplicar a todos, porque o planeta não dispõe de recursos suficientes para isso. Isto é insustentável e injusto. Necessitamos de uma nova forma de cultura. Padre Ignacio Ellacuría, assassinado em El Salvador em 1989, costumava falar da necessidade de uma “cultura da pobreza”, em contraposição à “cultura da riqueza” que depreda a natureza e submete os seres humanos. Conservando a validez de suas palavras, mas adaptando-as ao nosso tempo, podemos falar da necessidade de uma “cultura da sobriedade compartilhada”, isto é, respeitosa da criação e solidária com os seres humanos mais vulneráveis.
Falamos, portanto, do cuidado pela criação, de defender os mais vulneráveis e descobrir um novo modo de sermos humanos. Como se pode ver, a palavra ecologia não encerra esta riqueza de conteúdos. De fato, a última Congregação geral da Companhia falava de “reconciliação com a criação”, uma expressão mais completa. Mas, o uso da palavra ecologia nos permite construir uma ponte de diálogo com tantas pessoas que, de outras tradições humanas ou religiosas, defendem como nós a criação.
Antes de tudo devemos afirmar com força que existe esperança. A crescente consciência está levando a um maior empenho, que emerge em diversos ângulos do globo. Em particular, as jovens gerações têm maior sensibilidade. Entre os jovens se podem encontrar escolhas radicais de vida sóbria e não consumista. Da parte deles, as religiões têm um papel crucial a desenvolver. Sobretudo porque as motivações para empenhar-se neste campo são, em definitivo, espirituais. Pois oferecem estilos de vida boa. Grande parte da defesa do ambiente tem a ver, como dizíamos, com um novo estilo de vida que as religiões são chamadas a promover. Optar pela vida compreende hoje a defesa da criação no cotidiano.
A Companhia de Jesus está procurando responder a este desafio de modos muito diversos. Há comunidades que reduzem os seus rejeitos, reciclam, têm introduzido uma jornada vegetariana semanal, têm eliminado o uso das auto-privadas, têm traços de sua “conduta ecológica”, economizam água, utilizando energia solar. Muitas instituições, como escolas, universidades, casas de exercícios espirituais, centros sociais, têm adotado programas de eficiência energética, gerem os recursos em vista da reciclagem, defendem a consciência ambiental, constroem edifícios eco-compatíveis, mantêm campos verdes. Há instituições que se dedicam à proteção das comunidades pobres que experimentam ciclicamente os efeitos das catástrofes naturais. Outras acompanham as populações expulsas de suas terras pelos grandes projetos realizados em nome do desenvolvimento. Ainda outros estão empenhados a décadas na busca de métodos de desenvolvimento sustentável alternativos, que mantenham a vida humana e respeitem a natureza. Todavia, temos ainda muito a fazer. O desafio, como temos dito, é um desafio de civilização porque devemos dar vida a um novo modo de sermos humanos, como indivíduos e como sociedade. E isto, considerado o que entendemos por viver bem nas atuais condições, é um desafio revolucionário.
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Jesuítas 2015. Como a Companhia de Jesus encara o tema da ecologia. Um desafio revolucionário. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU