Por: André | 17 Novembro 2014
No Sínodo que terminou há menos de um mês, o primeiro de Francisco, pela primeira vez houve liberdade de expressão. Isso propiciou um debate que tirou a máscara daqueles que se opõem abertamente ao pontificado renovador de Jorge Mario Bergoglio que, na quinta-feira, dia 13 de novembro, completou 20 meses.
A reportagem é de Elisabetta Piqué e publicada no jornal argentino La Nación, 14-11-2014. A tradução é de André Langer.
No início dessa assembleia extraordinária sobre os desafios que as famílias de hoje enfrentam, no dia 06 de outubro passado, em uma breve mas incisiva mensagem, o Papa pediu aos 191 padres sinodais de todos os continentes para que falassem sem medo. E assim aconteceu: houve debate sobre muitos temas, mas sobretudo em torno de duas questões antes consideradas tabus: como responder ao desafio dos divorciados recasados que querem ser readmitidos à comunhão e ao desafio dos casais homossexuais?
Sabia-se de antemão que sobre estas duas questões há uma divisão entre conservadores e reformistas. Dois “partidos” opostos, liderados por dois cardeais alemães de peso: o prefeito da Congregação para a Doutrina de Fé, Gerhard Ludwig Müller, por um lado, e Walter Kasper, prefeito emérito da Congregação para a Unidade dos Cristãos e teólogo progressista, próximo a Francisco, de outro. Foram publicados inclusive alguns livros, assinados por diversos cardeais, rechaçando a solução penitencial proposta por Kasper, em certos casos, para os divorciados recasados.
Mas o sínodo, que foi uma primeira fase de um processo de discernimento que culminará num segundo sínodo, em outubro de 2015, deixou claro, com nome e sobrenome, quem são os “inimigos” da linha reformista de Francisco. Ou seja, os integrantes dessa resistência interna, pequena mas influente, que, na verdade, começou a existir no próprio dia 13 de março de 2013, dia da eleição de Jorge Bergoglio. Uma oposição que até há pouco tempo era bem mais silenciosa e subterrânea.
Em meio a uma reforma de estilo e fundo tanto na cúria romana como nas finanças do Vaticano, com um papa cada vez mais popular no mundo, aumentam aqueles que, inclusive na cúria, se animam a criticar abertamente o novo curso. Vários deles não gostaram nem um pouco que Francisco, com o sínodo, obrigasse a Igreja católica a ter que se deparar com a crua realidade de uma família em crise que necessita de respostas. O temor de setores conservadores é que a “revolução” de Francisco possa significar mudanças vistas como um desmoronamento da doutrina católica tradicional.
“Há uma forte sensação de que a Igreja está como um navio sem leme”, disse recentemente em uma entrevista à revista Vida Nueva o cardeal norte-americano Raymond Leo Burke, ponta de lança dos setores conservadores, resistentes a qualquer discussão e eventual mudança. No sábado passado, Burke, com uma visão da Igreja nas antípodas da de Francisco, foi removido do seu cargo de prefeito da Assinatura Apostólica e transferido ao posto de chefe da Ordem de Malta, um cargo honorífico que está fora da cúria.
Mas, em sintonia com Burke, expressaram-se outros prelados da Igreja norte-americana que não participaram da assembleia. O arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, manifestou-se incomodado e confuso com o Sínodo dos Bispos que, para ele, criou “confusão” em torno dos ensinamentos da Igreja sobre homossexuais e divorciados recasados. “Penso que a confusão é do diabo, e penso que a imagem pública que o Sínodo deixou foi de confusão”, disse.
O bispo Thomas Tobin, de Providence, Rhode Island, foi mais longe e escreveu no sítio da sua diocese que “o Papa Francisco gosta de brigar”, e que, com o recente Sínodo, se poderia dizer “missão cumprida”.
No recente Sínodo, também integrantes da cúria romana, como o cardeal australiano George Pell, novo “czar” das finanças do Vaticano, e o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, expressaram publicamente suas divergências com a linha de abertura do Papa.
Elementos de dissenso e mal-humorados para com Francisco tornaram-se palpáveis em âmbitos eclesiais, como reconheceu o cardeal italiano Camillo Ruini, que, em uma entrevista ao Corriere della Sera, pontualizou que “não é a primeira vez” que algo assim acontece. “Também ocorreu durante o Concílio Vaticano II”, destacou Ruini, que foi presidente da Conferência Episcopal Italiana entre 1991 e 2007.
No entanto, Francisco não está preocupado com esse novo clima. “Como bom jesuíta, sente que com o Sínodo abriu um processo para convocar os bispos para lerem os sinais dos tempos e auscultar o que diz o Espírito Santo”, explicou um analista. “Como o próprio Francisco disse em seu discurso final – acrescentou –, teria sido preocupante se não tivesse havido discussão. E a verdade é que, para qualquer estrategista, o fato de amigos e inimigos terem se delineado representa uma grande vantagem”.
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Os inimigos de Francisco: poucos, mas muito poderosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU