30 Outubro 2014
Essa semana vamos recordar a Reforma. Seguidamente falamos neste assunto e estamos convictos que também o nosso País, católico na sua abordagem a vida pública e privada, a conhece. Mas o problema é como falaremos. A seriedade da mensagem, as perseguições aos nossos antepassados, à sobriedade que contradistingue (pelo menos no imaginário coletivo): tudo verdadeiro e correto, exceto aquilo que provavelmente possa deslizar do sério para o extremamente sério, em uma época como esta em que a sociedade é dificilmente compreensível.
O comentário é de Gregorio Plescan publicado pela revista “Riforma”, periódico semanal italiano das Igrejas Batista, Metodista e Valdense, com data de 31-10-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Talvez tenhamos esquecido que a Reforma floresceu utilizando os meios de comunicação mais modernos para a época (a fotografia havia surgido há pouco tempo)? “Iventando-se” as linguagens (existem casos famosos e outros pouco conhecidos: a moeda eslovena de 1 euro contém a face de Primož Trubar, reformista esloveno que traduziu a Bíblia, e de fato “forjou” o seu idioma)?
Utilizando músicas populares (o músico inglês Isaac Watts levava canções que hoje definiremos “do festival de Sanremo” para compor hinos que forjavam gerações de cristãos)? Discutindo com paixão e competência temas de política interna e externa, como fazia Ulrich Zwingli, quando se questionava se uma igreja que continha mercenários suícos tivesse realmente autoridade moral?
Recordar da Reforma significa relembrar o contexto histórico em que a mesma nasceu, sem esquecer o nosso: em uma época em que a igreja romana monopolizava a religião dita “correta”, o percurso da Reforma foi longo e contraditório (como para o lacerante debate sobre o antissemitismo de Lutero), e os reformistas estavam concentrados antes de mais nada sobre a refexão crítica do papel que a igreja recortado em relação a Deus: a quinta das “noventa e cinco teses” de Lutero resume o assunto... o papa não quer e nem pode recolocar alguma penalidade além das já impostas por vontade própria ou das normas eclesiásticas. Mas o nosso problema não é a memória deste passado – o recordamos com muita reverência – mas a sua atualidade. Como falar deste assunto hoje? Uma abordagem fundamental é encontada no pensamento de Calvino: a igreja reformada está sempre precisando se reformar.
A igreja reformada precisa reformar-se sempre em relação ao mundo: as estruturas da igreja, assim como conhecemos, são frutos de uma sociedade que praticamente desapareceu em 2014. Devemos certamente respeitar a sensibilidade das diferentes gerações, mas nos perguntar se não nos reduzimos aos seus posicionamentos ultrapassados. O tipo de igreja que conhecemos atrai cada vez menos pessoas ou então cada vez menos pessoas demonstram interesse pelas suas formas habituais (participação nos cultos e outras atividades, contribuições financeiras).
A igreja reformada precisa reformar-se sempre em relação a comunicação: por tradição nos concentramos sobre aquilo que comunicamos, esquecendo de viver em um mundo que coloca uma grande atenção à forma que comunica. Como é visto um culto de uma hora ou pouco menos pelas pessoas habituadas a ficar atentas por apenas quinze minutos? Como soam as melodias dos séculos aos ouvidos de quem está habituado com o rock?
A igreja reformada precisa reformar-se sempre com relação a sua capacidade de “deixar falar a teologia”. Estamos numa época de curiosidade: a religião interessa a poucos, porém metade do mundo mata em nome de Deus; o Papa excomungou a Família Montalbano, mas as procissões homenageiam os chefes, enquanto os mafiosos presos “fazem greve” contra a missa. Tudo isso nos lembra que refletir e explicar quem é Deus segundo nosso entendimento não é uma herança empoeirada do passado da qual devemos nos livrar, mas é o ponto de partida.
Os reformistas nos ensinaram que para falar ao mundo real é necessário antes de mais nada entender sobre o que estamos dispostos a nos comprometer mas também sobre o quê estamos disposos a fazer. Um dos slogans – verdadeiros ou bem achados – da Reforma é a frase de Lutero a dieta de Worms (1521), à frente de personagens que podiam decidir sobre sua vida: “Este é o meu posicionamento, não posso faer nada mais que isso, Deus me ajude, amém” (Hier stehe ich, ich kann nicht anders, Gott helfe mir, Amen). Uma igreja que esteja apta a ter autoridade, rejeitando porém a tentação de se transformar em autoritária. Todo o resto vem depois.
Uma igreja reformada precisa reformar-se sempre com relação ao imaginário: é a batalha mais complexa que devemos conforntar. Como vemos o mundo? Resumidamente podemos dizer: confiável e pouco entusiasmante. Muitos milhares de pessoas que não se conhecem confiam o seu 8 por 1000, poucos são curiosos a ponto de ver a cara que temos, pelo contrário, o número dessas pessoas que possuem o sentimento evangélico adverte a necessidade de frequentar a igreja diminui com o tempo.
Ainda se pode mudar, talvez aceitando o confronto com experiências completamente novas. Um estímulo vem da história do Chile (narrada no filme de Pablo Larraín de 2012: Não – Os dias do arco-íris, premiado em Cannes): em 1988 as pressões internacionais haviam restringido o ditador Augusto Pinochet a solicitar um referendum para decidir se o seriam confiados outros 8 anos de poder ou menos – relembrando que em 11 de setembro de 1973 Pinochet havia conquistado o poder com um golpe, mandando matar o presidente Salvador Allende e dezenas de milhares de opositores. Pela primeira vez foi permitido que a oposição aparecesse, acessando as transmissões da televisão estatal para expor suas ideias (15 minutos diários por 28 dias em horário noturno). A camoanha de comunicação foi confiada a um publicitário que desenvolveu o seu trabalho de maneira inesperada – antes de tudo aos seus clientes. Mais que a impostar sobre a memória e sobre a denúncia dos crimes do regime, ele decide falar dos conteúdos positivos, otimistas: o movimento do Não! tinha sua comunicação fundamentada no uso de cores vivas (o arco-íris) e com o slogan “Chile la alegria ya viene (Chile a alegria já vem).
De um lado os 15 minutos do Sim, com a retórica anticomunista, os hinos patrióticos, o general que beija as crianças e corta as fitas; de outro cantos, danças, risadas, brincadeiras irreverentes que lembravam aos chilenos que com o seu voto poderiam presentear-se com a liberdade. O filme – e acima de tudo a história – se concluí de forma inimaginável: 7 milhões de chilenos foram às urnas, e 55,9% votaram NÃO. Pinochet tinha perdido. Um novo modo de expressar valores antigos abria brecha: se pode falar de coisas sérias fazendo divertir as pessoas; a verdade pode ser contada de uma forma que cative a atenção das pessoas.
A Reforma nos faz lembrar que a igreja deve ser necessariamente um “canteiro aberto de forma perene”, não podendo limitar-se a repetir eternamente as formas de se expressar que eram compreensíveis por uma determinada sociedade. Melhor que isso, deve redescobrir sempre aquilo que verdadeiramente é essencial no Evangelho: a consciência dos nossos limites radicais, a feliz descoberta que Jesus Cristo nos salvou.
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Recordar a Reforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU