Por: Cesar Sanson | 30 Outubro 2014
"A direita brasileira não vê o preso como ser humano. Não lhe interessa dar a ele uma segunda chance. Não lhe interessa recuperá-lo para o convívio em sociedade. Para a direita, “bandido bom é bandido morto”. Nós, da esquerda, vemos de maneira oposta. Acreditamos que todo ser humano tem condições de se recuperar e merece uma segunda chance, e o Estado deve ter papel fundamental nisso". O comentário é de Cynara Menezes em artigo publicado por CartaCapital, 29-10-2014.
Eis o artigo.
Para manter ao lado os formadores de opinião de esquerda que ajudaram a tornar possível sua reeleição, a primeira coisa que a presidenta Dilma Rousseff deve fazer, em minha opinião, é soltar com urgência um pacote de bondades na área dos Direitos Humanos. Ela já falou em criminalização da homofobia e acenou para os índios, dois setores em que falhou no primeiro mandato. Acho que é preciso olhar ainda para uma parcela de brasileiros que também conta e aposta no PT para melhorar de vida: os presos.
Como em todas as eleições, os presidiários votaram em massa no PT. Isto acontece por duas razões: a primeira é que os detentos são, em sua imensa maioria, pobres, estrato da sociedade que mais se identifica com o partido; a segunda razão para os presos votarem no PT é porque acreditam que nenhum outro partido será capaz de tirá-los da situação de extrema penúria em que se encontram. Infelizmente, desde que chegou ao poder, em 2003, o PT não olhou para eles com o cuidado devido.
Dilma fala agora em federalizar a segurança. Por que não planejar algo em termos federais para os presídios, também? As cadeias do Brasil são feitas para tudo, menos para recuperar gente. Uma vez que um jovem entra ali, dificilmente terá condições de deixar o caminho do crime. Pelo contrário: vai sair da cadeia pior do que entrou. Foi exposto à realidade daqueles depósitos de pobres e negros, onde seres humanos são tratados como animais que não merecem conviver em sociedade. Quem sairia melhor de um ambiente desses?
A direita brasileira não vê o preso como ser humano. Não lhe interessa dar a ele uma segunda chance. Não lhe interessa recuperá-lo para o convívio em sociedade. Para a direita, “bandido bom é bandido morto”. Nós, da esquerda, vemos de maneira oposta. Acreditamos que todo ser humano tem condições de se recuperar e merece uma segunda chance, e o Estado deve ter papel fundamental nisso.
No ano passado, fiz uma reportagem enfocando um tema que parece simples de resolver e no entanto é fonte de inúmeros problemas no sistema prisional: a alimentação dos presos. Hoje, nos presídios do País, são oferecidas marmitas preparadas por empresas terceirizadas que faturam milhões oferecendo comida de péssima qualidade aos presidiários. “Ah, mas criminoso tem mesmo é que sofrer”, podem dizer alguns. Tolice. Somos nós que pagamos por essa comida, boa ou ruim, com preços duas vezes superiores aos cobrados aqui fora.
Mais: prisões com comida ruim têm mais motins, o que afeta toda a sociedade. A alimentação precária é uma das principais razões para as rebeliões. Está provado ainda que a comida na cadeia é melhor e mais barata quando é confeccionada pelos próprios detentos, que, ao mesmo tempo, podem abater os dias trabalhados na cozinha em suas penas. As prisões brasileiras faziam o próprio rancho até o final da década de 1980, quando o sistema foi terceirizado graças à ideia de algum “gênio” privatista. É claro que as empresas que fornecem as quentinhas se tornaram grandes doadores de campanhas eleitorais, para todos os partidos…
Obviamente é um esquema que favorece e muito a corrupção. Em Minas Gerais, por exemplo, a Polícia Federal desbaratou um esquema responsável pelo desvio de pelo menos um terço dos 166 milhões de reais pagos pelo governo do Estado aos fornecedores de marmitas aos presos entre 2009 e 2011 (governos Aécio Neves e Antonio Anastasia). Sete empresas estavam envolvidas, lideradas pela Stillus Alimentação, de propriedade de Alvimar de Oliveira Costa, irmão do senador Zezé Perrella (PDT-MG), aquele do helicóptero com cocaína.
Será que é tão difícil acabar com as marmitas e voltar ao sistema anterior, se era mais eficiente? As cenas dantescas exibidas ao País no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, em outubro de 2013, aparentemente foram esquecidas. Passado o impacto e a indignação do momento, nunca mais se falou delas nem da situação carcerária. O cenário de terror, porém, permanece idêntico não só lá como na maior parte dos presídios brasileiros, superlotados, degradados, alvos de denúncias de tortura e maus tratos.
Se pretende intervir na segurança, como diz, o governo federal precisa estar atento aos presídios, investir em sua humanização. É o mínimo que se pode esperar de um governo que se diz de esquerda: tentar recuperar seres humanos que falharam. Existem modelos em outros países que podem ser seguidos, mas também no próprio Brasil. Um modelo elogiado internacionalmente é o das APACs (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados), criadas em São Paulo em 1972 e hoje com 40 unidades em todo o País. O índice de reincidência nas APACs é muito menor. Por que o modelo não é replicado? A meu ver, falta vontade política. Melhorar a vida de presos não ganha votos.
A propósito: segundo matéria no site da Folha de S.Paulo, só um detento votou no presídio de Pedrinhas no segundo turno. Em Dilma.