28 Outubro 2014
Em 2008, o prêmio Nobel da Paz foi atribuído ao senador democrata americano Al Gore e ao grupo de cientistas e delegados governamentais do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas. À frente dessa comunidade, destacava-se um rosto: o de Rajendra Kumar Pachauri, climatologista indiano e um dos maiores especialistas do mundo sobre transformações do clima.
A reportagem é de Andrei Netto, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 26-10-2014.
Nessa semana, Pachauri comandará a elaboração do relatório-síntese do 5º Relatório de Análise do IPCC sobre o tema. Trata-se de um compêndio de dados sobre as evidências científicas das alterações físicas sofridas pela Terra, sobre os impactos e medidas de adaptação que precisam ser adotadas e como evitar o aquecimento do planeta acima do inevitável - no mínimo 1,5ºC acima da média global até 2100.
Trata-se muito provavelmente do último grande momento indiano, doutor em engenharia industrial e em economia, no comando do IPCC, a organização que assumiu em 2002 e que ajudou a tornar conhecida em todo o mundo.
Em entrevista ao Estado, concedida por email, Pachauri fala sobre as constatações da comunidade científica em 2013 e 2014, sobre como o lobby climacético ainda impacta nas discussões internacionais e comenta a influência de seu grupo na luta por um acordo climático na 21ª Conferência do Clima de Paris (COP 21), em 2015.
Eis a entrevista.
Quais são, na sua avaliação, as principais conclusões do IPCC em 2013 e 2014?
As principais conclusões do Grupo de Trabalho I, lançado em setembro de 2013, são: o aquecimento do sistema climático é inequívoco; a influência humana na mudança climática é clara; cada uma das últimas três décadas tem sido sucessivamente mais quentes na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850. A nossa avaliação científica descobriu que a atmosfera e o oceano têm aquecido, a quantidade de neve e gelo tem diminuído, o nível do mar tem aumentado e as concentrações de gases de efeito estufa aumentaram. O Grupo de Trabalho II, lançado em março de 2014, apontou que a mudança climática já está causando danos e que, quanto mais quente o clima, mais riscos vamos enfrentar, incluindo a possibilidade de danos irreversíveis. O GT II também concluiu que podemos criar um futuro mais vibrante, seguro e mais rico abordando as causas das alterações climáticas e nos adaptando a elas. Já o grupo de Trabalho III, lançado em abril de 2014, concluiu que as emissões estão subindo com o aumento das taxas de crescimento econômico e populacional; que é necessário tomar medidas urgentes para reduzir as emissões e evitar mudanças climáticas perigosas; que quanto mais esperarmos mais caras e arriscadas as soluções serão; e que isso vai exigir uma ampla gama de medidas tecnológicas e mudanças no comportamento para limitar o aumento da temperatura média global a dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Por fim, o GT III conclui que as tecnologias existentes e acessíveis podem reduzir substancialmente as emissões de gases de efeito estufa.
Em 2007 e 2008 o IPCC apontou que a influência do homem era determinante para o aquecimento global, com 90% de certeza. Neste ano, o intervalo de certeza subiu para 95%. Outras constatações deste ano também só aprofundam o que sabíamos. Os cientistas estão no limite do conhecimento sobre as mudanças climáticas?
Há poucas ou nenhum disciplina científica que sabe tudo o que pode ser conhecido. É isso que é tão emocionante sobre a ciência: estamos sempre aprendendo mais sobre o nosso mundo físico, e o mesmo é verdade para a ciência do clima. No entanto, nós sabemos o suficiente para ter certeza de que poderemos enfrentar uma calamidade mundial se continuarmos no ‘business as usual’ e se deixarmos de agir para nos adaptar e mitigar as mudanças climáticas. Também temos conhecimento das opções existentes para agir com eficácia e a tempo.
Quando do lançamento dos atuais relatórios, houve um certo temor de que o IPCC esteja perdendo seu poder de influenciar os responsáveis políticos, já que suas principais conclusões já são conhecidas. Como o senhor encara estas críticas?
As mudanças climáticas estão claramente de volta à agenda global. Isso fica claro no forte aumento de cobertura da mídia e do crescente número de iniciativas privadas e governamentais. Estou particularmente satisfeito pelo grau de envolvimento do mundo dos negócios. No mês passado, centenas de milhares de pessoas marcharam de forma espontânea nas ruas de Nova York para lembrar os políticos à frente da Cúpula do Clima da ONU que não podemos mais adiar a ação sobre as mudanças climáticas. E, durante a cúpula, o Banco Mundial anunciou que 73 países, 22 Estados e províncias e mais de mil empresas e investidores haviam prometido o seu apoio ao mercado do carbono. Esses são apenas alguns dos recentes exemplos de ‘call to actions’, em especial de parte da comunidade empresarial. É seguro dizer que o 5.º Relatório de Avaliação do IPCC tem desempenhado um papel importante na revitalização deste interesse pelas mudanças climáticas. A sensibilização é maior hoje sobre os vários aspectos das mudanças climáticas e sobre o que é necessário para lidar com isso.
Em 2007, uma campanha de descrédito foi lançada contra o IPCC quando se descobriu que estimativas de derretimento de geleiras do Himalaia em 2035 haviam sido superestimadas.
Em 2013, o IPCC apontou que o aquecimento global não será de no mínimo 2ºC até 2100, como o estimado em 2007, mas de no mínimo 1,5ºC, o que renovou críticas. O lobby climacético ainda atrapalha o debate?
Creio que podemos enfim ter chegado a um ponto de inflexão em relação não apenas a percepções sobre as mudanças climáticas, mas também sobre o desejo de agir. Apelos à ação estão vindo não só da sociedade civil, por um número crescente de corporações e governos, mas também de líderes militares, que percebem que business as usual não é mais sustentável. Sempre haverá aqueles que negam que as mudanças climáticas existem ou que não são uma preocupação importante, mas eu acho que eles estão cada vez mais sendo afogados por indivíduos e organizações que observam a grande quantidade de evidências científicas objetivas e concluíram que é preciso agir rápida e decisivamente.
Pesquisas indicam que nos EUA, por exemplo, 97% dos cientistas estão convencidos das mudanças climáticas, mas apenas 54% dos americanos têm a mesma certeza. O que está errado na sua opinião?
Há vários estudos que têm demonstrado um alto consenso entre os cientistas do clima de que a atividade humana está causando as mudanças climáticas, embora eu não possa falar por eles. Eu entendo que a medida mais importante é a própria ciência, não a opinião sobre a ciência. Isso não quer dizer que não devamos debater a ciência; nós deveríamos fazê-lo. Mas o debate deve ser baseado em ciência verificável. A ciência nos diz que a influência humana sobre o sistema climático é clara, e que quanto mais nós perturbarmos o clima, mais corremos o risco de consequências cada vez mais graves. A ciência climática é complexa e, portanto, facilmente mal interpretada e manipulada por razões políticas. Não é de admirar, então, que a opinião pública seja muito variável ao longo do tempo e em diferentes locais.
Mas eu acho que aqueles que negam ou minimizam a ciência do clima estão perdendo sua credibilidade em face das crescentes e esmagadoras evidências para a tomada de ação.
As constatações do IPCC em 2008 impulsionaram as discussões para um acordo climático em 2009, em Copenhague, que acabou em fracasso. Cinco anos depois, com o IPCC tendo um impacto menor, o senhor acredita que se pode criar a expectativa em torno de um acordo na Conferência do Clima, em 2015?
O trabalho do IPCC é fornecer a políticos a melhor avaliação possível das mudanças climáticas. Cabe aos políticos decidir como agir a partir de nossa avaliação. Ficou claro há vários anos que é necessário agir. Felizmente agora, e mais do que nunca, temos os meios para agir e criar um mundo melhor ao longo desse processo. Não vai ser fácil, mas pode ser feito. Há um grande foco nos perigos que enfrentamos com as mudanças climáticas. Mas o 5.º Relatório de Avaliação também tem uma riqueza de informações sobre as medidas que podemos tomar pará-la. Se os políticos também focarem sobre os perigos e as oportunidades, creio que as chances de chegar a um acordo em Paris serão muito maiores.
A COP 15, em Copenhague, foi freada pela divergência de interesses entre países desenvolvidos, que não aceitavam assumir o maior custo pelas transformações econômicas, e os países emergentes, como o Brasil, que não aceitavam ter de arcar com esses custos. Quem tem razão?
Essa é uma questão para os responsáveis políticos.
O senhor pediu que a 20.ª Conferência do Clima (COP 20), de Lima, no Peru, traga uma “mensagem forte” à opinião pública. Que mensagem seria essa?
A influência humana sobre o clima é clara, e se não tomarmos medidas, será impossível ou extremamente difícil de nos adaptarmos às mudanças climáticas, o que poderia causar impactos graves, generalizados e irreversíveis.
O Brasil se recusou a assinar em setembro um acordo internacional nas Nações Unidas sobre o desmatamento zero, que envolveria a Amazônia. Qual é a sua avaliação sobre essa decisão?
Mais uma vez, esta é uma decisão política.
Durante a sua gestão, o IPCC recebeu o Prêmio Nobel da Paz, ao lado de Al Gore. O que mudou de lá para cá na instituição?
Embora sejamos muito gratos e humildes pelo Prêmio Nobel, ele não resultou em quaisquer alterações profundas no IPCC.
Quem o senhor apoia na sucessão do IPCC?
Eu estou satisfeito que existam vários profissionais altamente qualificados que podem ser candidatos para a presidência, e sei que o IPCC estará em boas mãos com qualquer um deles.
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As mudanças climáticas estão de volta à agenda global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU