17 Outubro 2014
Não acho que alguém acusaria Malala Yousafzai de ser “gradualista”. Nem acho que Kailash Satyarthi abraçaria esta descrição. Yousafzai, paquistanesa que se tornou defensora da educação para meninas após sobreviver a um ataque de militantes talibãs, e Satyarthi, ativista indiano que trabalha contra a mão de trabalho infantil, não foram homenageados pela comissão do Prêmio Nobel da Paz por darem passos pequenos.
O comentário é de Heidi Schlumpf, professora de Comunicação, na Aurora University, Chicago, publicado por National Catholic Reporter, 16-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ouvimos o bastante sobre o “gradualismo” neste Sínodo. Termo que vem da teologia moral católica, o gradualismo se refere ao movimento das pessoas no sentido de atingir a realização de um bem moral. O termo pede para se reconhecer que alguém que esteja combatendo um pecado avançou em direção ao bem e que se louve este movimento.
O termo tornou-se polêmico porque alguns bispos estão aplicando o conceito a questões que estão sendo discutidas no Sínodo sobre a família. O que importa observar é que a noção do que é o bem moral não muda, mas somente a atitude para com a pessoa que luta – ainda que um tanto imperfeita – em direção a este bem moral.
Então, o casamento por toda a vida, o matrimônio sacramental, ainda é um bem moral, mas talvez a forma como a Igreja lida com as pessoas cujos casamentos não duraram para sempre possa mudar. A homossexualidade ainda é “intrinsecamente desordenada” [disfuncional], mas quiçá nós iremos deixar de lado esta palavra e, em vez de nos focarmos nela, falaremos sobre as contribuições dos LGBTs.
É difícil acreditar que os católicos tradicionais estejam chateados com o que é apenas uma abertura pastoral aos “pecadores”. No entanto, a preocupação deles é que estes movimentos pastorais enfraqueçam o ensinamento moral. Pelo menos, tenho que admirar a peixão deles pelo que creem ser o certo.
Estou um pouco menos impressionada é com os católicos progressistas, alguns dos quais parecem estar vendo uma revolução nos pequenos passos de um bebê. Quem sabe eles estejam certos, e nós estejamos vendo o início de uma transformação real na Igreja. Mas, evidentemente, não chegamos ainda neste ponto.
A Igreja Católica ainda necessita avançar em várias questões fundamentais dos direitos humanos, inclusive na participação plena das mulheres e lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros nela própria e na sociedade. Aqueles e aquelas de nós que estão trabalhando e esperando por tais mudanças não devem estar pulando de alegria com as sugestões pastorais moderadas que, bem francamente, deveriam ter sido implementadas anos atrás.
E se aplicássemos o conceito de gradualismo para a realização destas questões? Digamos, por uma questão de argumento, que o os direitos humanos plenos das mulheres seja um bem moral. O conceito de gradualismo diria que os que não podem aceitar os direitos humanos plenos das mulheres deveriam ser louvados pelos pequenos passos que fazem em direção a este bem moral propriamente.
Dessa forma, antes de admoestarmos a Igreja por impedir as mulheres de responderem seu ao chamado ao sacerdócio, poderíamos elogiá-la por não mais nos considerar seres humanos defeituosos. Ou por permitir que nos tornássemos coroinhas – na maioria das dioceses, ao menos.
Ou, no caso dos direitos humanos plenos dos católicos LGBTs – de novo, por uma questão de argumento, um bem moral –, a Igreja seria a “pecadora” por não aceitar isto. Um gradualista louvaria o desejo de alguns líderes em, ao menos, minimizar a linguagem ofensiva sobre as pessoas LGBTs, mesmo se que Igreja continue mantendo em seus livros uma linguagem que diz que estas pessoas, também, são seres humanos defeituosos.
Não importa o quão útil o gradualismo possa ser na prática pastoral, fica claro que ele não é apropriado para o importante trabalho de defesa dos direitos humanos.
A jovem Malala Yousafzai não ganhou o Prêmio Nobel da Paz por elogiar certa diminuição da violência talibã contra meninas que tentam seguir os estudos. Diferentemente, ela exige os direitos humanos de que todas as crianças tenham educação formal.
Kailash Satyarthi não ganhou o Prêmio Nobel da Paz por melhorar as condições das crianças trabalhadoras. Diferentemente, ele exige a completa erradicação do trabalho infantil.
Sei que as transformações sistêmicas vêm aos poucos, e que a Igreja é um barco grande, antigo, que não pode se transformar numa moeda de 10 centavos. Porém não nos apressemos.
Quando os analistas católicos (os quais não são, em geral, membros destes grupos oprimidos) consideram as mudanças gradualistas (mudanças que não resolvem os abusos subjacentes aos direitos humanos) como um “terremoto” e dão a entender que uma mudança mais ampla esteja acontecendo, tal consideração não só é imprecisa/inexata como também dolorosa para aqueles que ainda sofrem com o fato de a Igreja não aceitar os direitos humanos plenos deles. É quase uma prática sádica esperar que as vítimas destes abusos (e chamar alguém de intrinsecamente desordenado/disfuncional é abusivo) fiquem animados porque a Igreja, embora ainda mantendo a sua doutrina, está finalmente se permitindo certo debate sobre o assunto.
Em princípio, o Papa Francisco estava concorrendo ao Prêmio Nobel da Paz deste ano por seu exemplo profético relativo à pobreza e à paz. Nestas questões, ele está claramente exigindo a realização do bem moral – o bem moral completo. Aqueles e aquelas que trabalham pelos direitos humanos plenos das mulheres e das pessoas LGBTs não deveriam exigir nada menos.
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A promoção sinodal do “gradualismo” faz pouco pelas várias questões fundamentais dos direitos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU