Por: Cesar Sanson | 12 Outubro 2014
"Junho nunca foi um pedido, nem sequer por 'melhores representantes', mas um grito dizendo 'uma hora ou outra, nós faremos nossa própria democracia'. Junho significou o anseio por um questionamento geral da própria representação e do sistema político como um todo, não a espera de uma resposta dele". O comentário é de Rob Batista em artigo publicado no sítio Guerrilha [GRR], 09-10-2014.
Eis o artigo.
Junho não é Outubro "A verdadeira democracia é medida, na verdade, pela possibilidade dada ao poder instituinte popular de manifestar-se e criar novas regras e instituições. Não é só em eleições que tal poder se manifesta." [¹]
Para os governistas que estão debochando de Junho, cobrando de 2013 uma resposta por Outubro, seria ótimo reler algumas coisas em "A esquerda que não teme dizer seu nome", de Vladimir Safatle.
Primeiro, querem culpar alguém por Outubro de 2014? A responsabilidade é, em grande parte, de um tal partido “dos trabalhadores” que, nesses 12 anos, contribuiu ativa e fielmente para o crescimento escandaloso das bancadas mais conservadoras e, inclusive, a redução de sua própria. Afinal, se reclamamos o tempo todo de quem estava “por trás da Marina” ou de Aécio, vocês já viram a quem Dilma e PT são mais fiéis? Não é aos setores progressistas, sequer aos da esquerda mais firme.
Segundo: Junho não é Outubro. Esqueçam. Quando Dilma propôs um Plebiscito e isso não teve qualquer efeito nas ruas, significou que as ruas entenderam sua mensagem: o fato de a presidenta dar maior relevo e importância ao pacto de “responsabilidade fiscal”, deixava claro que esse pacto se sobrepunha a qualquer outro compromisso com os direitos socais ou com aprofundamento da democracia. Pelo conjunto de pautas que trazia à tona, Junho foi um grito à esquerda.
Já o pronunciamento de Dilma foi um claro posicionamento dado aos conservadores que pediam repressão e explicações por tamanha baderna, em um governo que deveria domar os movimentos sociais. Junho nunca esperou grandes respostas institucionais, mas queria aprender a tornar-se minimamente independente delas. O sinal mais claro disso é que, após o pronunciamento, as manifestações não se acalmaram, mas tornaram-se até mais violentas.
E nesse ultimo processo eleitoral, não, a esquerda não perdeu, muito pelo contrário, sinto discordar de muita gente. Se a esquerda da qual se fala aqui é o PT e seus aliados, eu diria que, diante do aparecimento de novos sujeitos políticos e da reorganização do próprio espaço político, não dá mais pra chamar aquele velho Frankenstein de “esquerda”. Não poderia esperar qualquer avanço progressista de uma bancada partidária que vendeu os direitos de todos os setores de luta que os elegeram e os sustentaram. Não consigo os chamar de esquerda sem rodear esse termo de relativizações.
Repito: Junho não é Outubro. A esquerda socialista foi extremamente vitoriosa, sim. Já o velho Frankenstein autoproclamado “progressista” começou a se despedaçar e tomou uma porrada feia nessas eleições (longe de eu comemorar, dado o que isso significa, no campo oposto). Mas o que quero dizer é que Junho está longe dessa discussão. Junho, na minha visão, nunca foi um pedido, nem sequer por “melhores representantes”, mas um grito dizendo "uma hora ou outra, nós faremos nossa própria democracia". Junho significou o anseio por um questionamento geral da própria representação e do sistema político como um todo, não a espera de uma resposta dele.
Quando a esquerda perceber isso, não vai negar Outubro, mas vai valorizar mais qualquer mês do ano do que esse. O trampo aqui é jogar pra fora toda nossa criatividade, toda nossa disposição inventiva, e criar novas ferramentas de luta, que terão nas eleições apenas um dos seus múltiplos resultados. Enquanto nós temos a velha forma-partido, eles tem a forma-igreja, a forma-polícia, a forma-tráfico. Eu pergunto: qual dessas ferramentas se aproxima melhor das pessoas? Certamente não é a forma-partido. Nos falta criar novas ferramentas. Nos falta acreditar em nossa própria criatividade. Junho era uma criança, com toda a ingenuidade necessária, querendo inventar algo novo. Os brinquedos velhos não tem mais a mesma graça.
Portanto, não exijam de Junho algo que ele nunca se propôs a fazer, que nunca prometeu.
Junho não é Outubro. Esperar meramente um “Junho nas urnas” é menosprezar tudo o que aconteceu, toda a necessidade de aprofundamento radical da democracia para além de mera representação e, no fim das contas, querer muito pouco. O Outubro é uma coisa que deve ser melhorada em si. Já Junho, significa algo muito além disso. São dois processos diferentes.
Enfim, não é tempo de sentar e chorar, não dá tempo pra mimimi. É tempo de mão na massa, de criar coisa nova. É tarefa nossa, inadiável.
Pelo visto, os próximos anos serão muito difíceis, sim, serão. Mas pelas enormes vitórias que tivemos, é hora de dar as mãos àquelas lutadoras e lutadores que não negociam nossos sonhos, que não vendem nossos direitos a troco de uma tal “governabilidade” que só governou contra nós. E temos toda a licença para abrir um sorriso confiante, mesmo nas adversidades que virão, é direito nosso. Ao invés de ficarmos pensando no que, talvez, poderemos perder, devemos nos debruçar sobre tudo aquilo que podemos e, portanto, devemos alcançar.
Aliás, sabem em que estação estamos? É primavera, lembram? Cabeça erguida e mão na massa. Temos muito trampo pela frente. Vambora! :)
[1]: SAFATLE, Vladimir. A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome. 1° Edição. Editora Três Estrelas, 2012.
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