08 Outubro 2014
O primeiro dos casais que participam do Sínodo, os australianos Ron e Mavis Pirola, tomou a palavra nessa segunda-feira perante os bispos.
O discurso do casal foi publicado no sítio da Santa Sé, 07-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há 57 anos, eu olhei do outro lado de uma sala e vi uma jovem muito bonita. Passamos a nos conhecer ao longo do tempo e, no fim, demos o enorme passo de nos comprometer mutuamente em matrimônio. Logo descobrimos que viver a nossa nova vida juntos era extraordinariamente complexo. Como em todos os matrimônios, tivemos momentos maravilhosos juntos e também momentos de raiva, de frustração e de lágrimas, e o medo persistente de um matrimônio fracassado. Mesmo tempo, aqui estamos, casados há 57 anos e ainda apaixonados. Certamente, é um mistério.
Aquela atração que sentimos pela primeira vez e a força que continuou nos mantendo unidos era basicamente sexual. As pequenas coisas que fizemos um pelo outro, os telefonemas e os bilhetes românticos, o modo como planejamos os nossos dias ao redor do outro e as coisas que compartilhamos eram expressões exteriores do nosso desejo de sermos íntimos um com o outro.
Quando cada um dos nossos quatro filhos chegou, foi uma grande alegria pela qual ainda damos graças ao Senhor diariamente. Certamente, as complexidades da paternidade e da maternidade tinham grandes recompensas e desafios. Houve noites em que ficamos acordados perguntando onde havíamos errado.
A nossa fé em Jesus foi importante para nós. Íamos à missa juntos e olhávamos para a Igreja em busca de orientação. De vez em quando, olhávamos os documentos da Igreja, mas eles pareciam vir de outro planeta, com uma linguagem difícil e não muito relevante para a nossa própria experiência.
Na nossa jornada diária juntos, fomos principalmente influenciados pelo envolvimento com outros casais e alguns padres, principalmente nos movimentos leigos de espiritualidade, particularmente as Équipes de Notre Dame e o Worldwide Marriage Encounter. O processo era de escuta orante às histórias de cada um e de ser aceito e de se afirmar no contexto do ensino da Igreja. Não havia muita discussão sobre a lei natural, mas, para nós, eles eram exemplos daquilo que o Papa João Paulo II mais tarde se referiria como um dos maiores recursos da Igreja para a evangelização.
Aos poucos, percebemos que a única característica que distingue a nossa relação sacramental de qualquer outra boa relação centrada em Cristo é a intimidade sexual e que o matrimônio é um sacramento sexual com a sua expressão mais plena na relação sexual. Acreditamos que, enquanto os casais não reverenciarem a união sexual como uma parte essencial da sua espiritualidade, será extremamente difícil apreciar a beleza dos ensinamentos da Humanae vitae. Precisamos de novos caminhos e de linguagens credíveis para tocar os corações das pessoas.
Como sugere o Instrumentum laboris, a Igreja doméstica tem muito a oferecer à Igreja em geral no seu papel evangelizador. Por exemplo, a Igreja enfrenta continuamente a tensão entre a afirmação da verdade e a expressão da compaixão e da misericórdia. As famílias enfrentam essa tensão a todo o momento.
Tomemos a homossexualidade como um exemplo. Alguns dos nossos amigos estavam planejando o seu encontro de Natal em família quando o seu filho gay disse que queria trazer também o seu parceiro. Eles acreditavam plenamente na doutrina da Igreja e sabiam que os seus netos os veriam acolher o seu filho e o seu parceiro à família. A sua resposta poderia ser resumida em poucas palavras: "Ele é nosso filho".
Que modelo de evangelização para as paróquias que estão enfrentando situações semelhantes no seu próprio bairro! É um exemplo prático daquilo que o Instrumentum laboris diz a respeito do papel do ensino da Igreja e da sua missão principal para que o mundo conheça o amor de Deus.
Na nossa experiência, as famílias, Igrejas domésticas, são muitas vezes modelos naturais das portas abertas para as Igrejas de que fala a Evangelii gaudium.
Uma nossa amiga divorciada diz que às vezes não se sente totalmente aceita na sua paróquia. No entanto, ela vai à missa regularmente e sem reclamar, junto com seus filhos. Para o resto da sua paróquia, ela deveria ser um modelo de coragem e de compromisso diante das adversidades. Com pessoas como ela, aprendemos a reconhecer que todos nós carregamos um elemento de fragilidade em nossas vidas. Apreciar as nossas próprias fragilidades nos ajuda a reduzir enormemente a nossa tendência de julgarmos os outros, o que é um obstáculo para a evangelização.
Nós conhecemos uma viúva idosa que vive com seu único filho. Ele está agora na casa dos 40 anos e tem síndrome de Down e esquizofrenia. Ela cuida dele de uma forma inspiradora, e o seu único medo é quem vai cuidar dele quando ela já não for capaz.
As nossas vidas são tocadas por muitas dessas famílias. Essas famílias têm uma compreensão básica daquilo que a Igreja ensina. Elas certamente se beneficiariam de um melhor ensino ou de melhores programas [pastorais]. No entanto, mais do que qualquer outra coisa, elas precisam ser acompanhadas na sua jornada, acolhidas, ouvidas nas suas histórias e, acima de tudo, afirmadas.
O Instrumentum laboris observa que a beleza do amor humano reflete o amor divino, como lembrado na tradição bíblica nos profetas. Mas as suas vidas familiares eram caóticas e cheias de dramas complicados. Sim, a vida familiar é "complicada". Mas assim também é a paróquia, a "família de famílias".
O Instrumentum laboris questiona como "os sacerdotes (podem ser) mais preparados (…) ao apresentar os documentos da Igreja relativos ao matrimônio e à família" (n. 12). Mais uma vez, uma forma pode ser aprendendo com a Igreja doméstica. Como disse o Papa Bento XVI: "Isso demanda uma mudança de mentalidade, particularmente em relação aos leigos. Eles não deve mais ser vistos como 'colaboradores' do clero, mas verdadeiramente reconhecidos como 'corresponsáveis' pelo ser e ação da Igreja". Isso também requer uma grande mudança de atitude dos leigos.
Temos oito netos maravilhosos e únicos. Rezamos por eles nominalmente todos os dias, porque diariamente eles são expostos às mensagens distorcidas da sociedade moderna; até mesmo quando caminham pela rua indo para a escola, tais mensagens estão em outdoors ou aparecem nos seus smartphones.
Um elevado respeito pela autoridade parental, religiosa ou secular já não existe mais há tempos. Então, os seus pais aprendem a entrar nas vidas dos seus filhos, a compartilhar os seus valores e esperanças por eles e também a aprender com eles, por sua vez. Esse processo de entrar nas vidas das outras pessoas e de aprender com elas, assim como compartilhar com elas, é o coração da evangelização. Como o Papa Paulo VI escreveu na Evangelii nuntiandi, "os pais não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido". Certamente, essa tem sido a nossa experiência.
De fato, nós repercutimos a sugestão de uma das nossas filhas sobre o desenvolvimento daquilo que ela chama de paradigma nupcial para a espiritualidade cristã, um paradigma que se aplica a todas as pessoas, sejam solteiras, célibes ou casadas, mas que faria do matrimônio o ponto de partida para compreender a missão. Ele teria um fundamento bíblico e uma base antropológica sólidos e enfatizaria o instinto vocacional à generatividade e à intimidade experimentado por cada pessoa. Ele nos lembraria que cada um de nós é criado para a relação, e que o batismo em Cristo significa pertencer ao Seu Corpo, levando-nos a uma eternidade com Deus, que é comunhão trinitária de amor.