Por: Jonas | 24 Setembro 2014
No último domingo, completaram-se 38 anos do assassinato, em Washington, do ex-chanceler chileno Orlando Letelier del Solar. A bomba terrorista que o estadunidense Michael Townley detonou no automóvel de Letelier também provocou a morte de sua secretária, Ronnie Muffit.
A reportagem é de Ernesto Carmona, publicada por Rebelión, 23-09-2014. A tradução é do Cepat.
Nesta fria manhã, em que oficialmente começa a primavera, a reconhecida advogada lutadora pelos direitos humanos Fabiola Letelier del Solar compareceu ao Cemitério Geral de Santiago para render tributo à memória de seu irmão, que foi ministro de Relações Exteriores e Embaixador em Washington de Salvador Allende. Era ministro da Defesa quando ocorreu o golpe civil-militar do dia 11 de setembro de 1973. Allende lhe ordenou que não fosse ao La Moneda, mas, sim, ao ministério de Defesa, a poucos metros do palácio presidencial, onde foi preso por seus subalternos, inclusive pelo seu segurança oficial.
Na modesta cerimônia de recordação no Cemitério, junto com Fabiola Letelier estiveram presentes sua filha Manuela Leiva Letelier, sua neta Camila Leiva Letelier, sua nora estadunidense-chilena Karen Anderson (diretora da ONG EPES, Educação Popular em Saúde), e um punhado de amigas e amigos, inclusive este redator. Seu filho, o senador socialista João Paulo Letelier, não pôde comparecer ao cemitério porque se encontra na Zâmbia, em uma missão parlamentar.
O assassinato do advogado, economista e diplomata que entregou sua vida à luta por um mundo melhor, desta vez foi esquecido por seu partido, o Socialista, e também pelo governo atual. A lápide que evoca sua memória, que fica sobre o seu túmulo, nem sequer havia sido limpa pelo Cemitério público. Porém, aqueles que queiram recordá-lo, há uma segunda oportunidade no ato Liturgia e Testemunhos, organizado pela sua irmã e um grupo de amigos cristãos e leigos, que acontece na terça-feira, 23 de setembro, às 19h, no auditório do Colégio Santo Inácio (Alonso Ovalle, 1452 – Estação La Moneda). Pode-se participar sem convite.
Entre outras personalidades que convidam para esta cerimônia, promovida por Fabiola Letelier, estão a escritora Mônica Echeverría, viúva do ex-reitor da Universidade Católica Fernando Castillo Velasco; Matilde Choncol, cônjuge de Jacques Chonchol, impulsionador da reforma agrária de Allende, que se encontra hospitalizado; a Ir. Karoline Mayer, religiosa e ativista de Direitos Humanos; Jaime Escobar, jornalista, diretor de “Reflexiones”; Miguel Lawner, arquiteto e preso político em Dawson e Chacabuco; e o sacerdote José Aldunate, de reconhecida trajetória na luta chilena pelos direitos humanos.
O assassinato de Letelier
Orlando Letelier foi assassinado em Washington, no dia 21 de setembro de 1976, pelo longo braço criminoso da DINA, a Direção Nacional de Inteligência criada pela ditadura militar-civil, com a finalidade de exterminar opositores. Letelier escolheu viver em Washington, após ter sido embaixador de Salvador Allende no país do norte, e após passar por numerosas prisões, depois do golpe chileno, pelo “crime” de ter sido socialista e estreito colaborador do Dr. Allende. Os principais autores intelectuais do homicídio foram Augusto Pinochet, o ditador, e seu seguidor na chefatura da DINA, o ex-general Manuel Contreras, condenado a quase 500 anos de prisão por numerosos assassinatos como o de Orlando Letelier.
Nos Estados Unidos, governava o republicano Gerald Rudolph Ford Jr., que terminou o período presidencial de Richard Nixon, o único presidente estadunidense que renunciou ao cargo. Fez isso no dia 9 de agosto de 1974, simplesmente porque não pôde seguir na presidência depois que ficou comprovado o quanto estava envolvido no caso Watergate, um episódio de espionagem ao partido Democrata, conduzido da Casa Branca, com pleno conhecimento e estímulo do chefe de Estado.
O autor material do assassinato foi Michael Tonwley, agente da DINA e da CIA, especialista fabricante de bombas com controle remoto (também assassinou, dois anos antes, Carlos Prats, em Buenos Aires, também no mês de setembro, em 30-09-1974, e igualmente com uma bomba instalada em seu automóvel).
Townley foi imitado pelos terroristas de origem cubana Guillermo e Ignacio Novo Sampoll e José Dionisio Suárez Esquivel e outros terroristas made in Chile financiados pelo Estado construído pela ditadura civil-militar, como o oficial de exército Armando Fernández Larios. Hoje, todos estes capangas vivem em absoluta liberdade nos Estados Unidos. O promotor Propper negociou com Townley e o transformou de acusado em testemunha. Vive tranquilamente com identidade desconhecida, como “testemunha protegida”, e o próprio Propper me contou que ainda trocavam felicitações de aniversário, quando visitou Caracas, em fevereiro de 1983, para apresentar seu livro “Laberinth, a história do Caso Latelier”, escrito pelo ex-promotor com Taylor Branch.
O assassinato terrorista no coração da capital estadunidense, Av. Sheridan Circle, Embassy Row, foi uma afronta à propalada segurança que Washington pode oferecer ao corpo diplomático e personalidades estrangeiras. Também foi uma profunda ferida emocional para sua família. Seus pais, Orlando Letelier Ruiz e Inés del Solar R., precisaram viajar a Washington para velar o filho a quem a ditadura retirou a cidadania chilena, semanas antes do assassinato, e que, portanto, não poderia retornar ao Chile, nem mesmo como cadáver. Foi sepultado provisoriamente no Cemitério do Leste, em Caracas, após um velório solene no Conselho Municipal da capital da Venezuela.
A trajetória de Letelier
Orlando Letelier foi dirigente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECH) até 1952. Em 1955, ingressou no recém-criado Departamento do Cobre, antecessor da atual Codelco (Corporação do Cobre), de onde foi demitido em 1959, sob o governo de direita de Jorge Alessandri Rodríguez. O então senador Salvador Allende denunciou sua demissão como perseguição política.
Letelier se mudou para Venezuela, onde trabalhou como consultor do Ministério da Fazenda. Mais tarde, ingressou no recém-criado Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), onde se tornou economista sênior e diretor da divisão de empréstimos.
Foi também consultor das Nações Unidas, responsável pela criação do Banco Asiático de Desenvolvimento.
O presidente Allende, que assumiu em novembro de 1970, em virtude de seus contatos no país do norte, fez dele embaixador nos Estados Unidos, em janeiro de 1971. Ali, teve que lidar com as indisposições corporativas e governamentais, em razão da nacionalização da grande mineração do cobre que, aprovada por unanimidade, em julho de 1971, por todos os setores políticos representados no Congresso Nacional, despertou a ira das grandes transnacionais mineiras estadunidenses, como The Anaconda e Braden Copper, que contribuíram com fundos para desestabilizar Allende por meio de El Mercurio e a sedição manipulada pela CIA a partir da Embaixada dos Estados Unidos.
Em 1973, de retorno ao seu país, serviu sucessivamente como ministro de Relações Exteriores, Interior e Defesa. Na manhã do dia do golpe, 11 de setembro de 1973, Allende lhe pediu que não fosse ao palácio presidencial, mas, sim, para o seu escritório no Ministério da Defesa para se informar sobre a situação militar. Foi preso enquanto entrava no edifício, situado em frente ao palácio presidencial, e levado para o regimento Tacna, onde foram assassinados muitos colaboradores de Allende que trabalhavam no La Moneda. Depois, Letelier foi conduzido à Escola Militar, onde estavam presos 50 funcionários próximos ao Presidente. Dali foi levado para a Ilha Dawson, perto da Antártida, habilitada como prisão militar.
Mais tarde, foi conduzido à Academia de Guerra da Força Aérea (AGA), convertida em prisão do Serviço de Inteligência desse ramo militar, o SIFA.
Finalmente, foi levado ao campo de concentração de Ritoque, atualmente um local de urbanização de luxo, a poucos quilômetros de Valparaíso e Viña del Mar, cujos moradores atuais ignoram que foi um lugar de sofrimento.
Libertado em outubro de 1974, por uma gestão do governo da Venezuela, a cargo do então governador de Caracas, Diego Arria, seu amigo desde os tempos do BID, após trabalhar em Caracas como assessor jurídico do ministério da Fazenda, Letelier foi morar nos Estados Unidos. Em Washington, desempenhou-se como pesquisador do Institute for Policy Studies (IPS), dedicado ao estudo de políticas internacionais.
Também foi diretor do Transnational Institute, um think tank de políticas progressistas com sede em Amsterdã, e trabalhou como docente na Escola de Serviços Internacionais da American University, em Washington.
Porém, seu trabalho real e principal consistiu em utilizar sua influência para lutar contra a ditadura. Dedicou-se completamente em escrever, fazer conferências e pressão ao Congresso dos Estados Unidos e aos governos europeus contra a ditadura militar, até se tornar rapidamente a voz mais destacada da oposição chilena. Inclusive, conseguiu evitar a concessão de empréstimos solicitados pela ditadura, que lhe retirou a nacionalidade chilena por decreto, promulgado no dia 10 de setembro de 1976, quando já estava em marcha o plano para assassiná-lo. Letelier respondeu: “Fui privado de minha dignidade de chileno, mas eu quero que vocês saibam que eu sou chileno, nasci chileno e morrerei chileno. Eles, os fascistas, nasceram traidores, vivem como traidores e serão recordados sempre como fascistas traidores”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Memórias de Orlando Letelier, 38 anos após o seu assassinato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU