Por: André | 28 Agosto 2014
“Depurado dos elementos tóxicos, ou seja, críticos, obediente à linha do novo socialismo, isto é, reformar como a direita, apertar o cinto ou morrer, o segundo governo do premiê Manuel Valls foi apresentado nesta terça-feira com poucas mudanças”, escreve Eduardo Febbro, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 27-08-2014. A tradução é de André Langer.
E arremata: “A socialdemocracia responsável, reformista e dada a fazer ajustes zela pelo bem-estar do sistema financeiro”.
Fonte: http://bit.ly/1q7P0yo |
Eis o artigo.
Depurado dos elementos tóxicos, ou seja, críticos, obediente à linha do novo socialismo, isto é, reformar como a direita, apertar o cinto ou morrer, o segundo governo do premiê Manuel Valls foi apresentado nesta terça-feira com poucas mudanças e uma consigna dada pelo próprio chefe do Executivo: “Os membros do governo não podem dar espetáculo”. Uma mudança de carteira ministerial e a substituição direta dos três ex-ministros que reclamaram uma mudança de política (Arnaud Montebourg, da Economia; Benoît Hamon, da Educação; e Aurélie Filippetti, da Cultura) constituem o essencial do retoque ministerial. Um único dado comoveu os comentaristas: a chegada à frente do Ministério da Economia de Emmanuel Macron (foto), o homem que a imprensa apelidou de “o cérebro direito” de François Hollande, o ex-banqueiro do Banco Rothschild, suposto teórico da “segunda esquerda”. A primeira abdicou há muito tempo. François Hollande fez-se, no entanto, eleger com a melodia romântica dessa primeira esquerda, para depois atravessar a fronteira da segunda. No meio ficou uma série de promessas não cumpridas.
O recém nomeado Executivo restaura a autoridade do primeiro-ministro, uma autoridade pisoteada pelos três rebeldes que renunciaram. De passagem, afastam-se do poder aqueles que optavam por outra política, aqueles que, ainda, costumavam dizer em voz alta que eram de esquerda. Agora há um governo coerente com a partitura escrita pela chanceler alemã Angela Merkel, dirigida pela Comissão de Bruxelas e executada pelas orquestras governamentais de quase todos os países da União Europeia.
A socialdemocracia responsável, reformista e dada a fazer ajustes zela pelo bem-estar do sistema financeiro. “A esquerda pode morrer caso não se reinventar, caso renunciar ao progresso”, disse o premiê francês Manuel Valls numa entrevista concedida ao jornal espanhol El País. O ministro da Economia parece ser o encarregado dessa reinvenção. Sua trajetória é digna de um relato fantástico. Com apenas 36 anos, Emmanuel Macron foi sucessivamente: filósofo, inspetor de finanças, banqueiro, conselheiro presidencial e agora ministro. Antes de trabalhar no Banco Rothschild, Macron foi assistente do filósofo Paul Ricoeur, com quem colaborou na escrita de um dos livros mais fascinantes deste filósofo, considerado um dos mais importantes do século XX: A memória, a história, o esquecimento.
Também sobre os tropeços do poder sabe muito. Em 2011, o ministro da Economia publicou um texto na revista Esprit sobre o abismo que há entre o discurso e a ação política. O ensaio intitulado Os labirintos da política pode ser aplicado perfeitamente a ele mesmo e ao próprio presidente, já que a nomeação de Macron descumpre também uma promessa de Hollande: todos os ministros têm que ter passado antes pela sanção das urnas. Depois de ter sido, a partir de 2012, secretário-geral da Presidência e, por conseguinte, o principal conselheiro de Hollande, chega agora ao poder visível saltando a condição do voto. Sua influência sobre o chefe do Estado era tal que os visitantes o apelidavam de “vice-presidente”. A ele se adjudica o giro centro-liberal da presidência de Hollande, assim como a ideia do criticado “pacto de responsabilidade”. Este dispositivo implica uma considerável redução de gastos para as empresas e funciona com o seguinte critério: “Menos impostos sobre o trabalho, menos obrigações sobre as atividades e, ao mesmo tempo, uma contrapartida: mais criação de postos de trabalho e mais diálogo social”.
A história reterá que o primeiro-ministro recebeu respostas negativas de muitas personalidades da esquerda ou ecologistas que foram chamadas para integrar o Executivo e declinaram do convite. Acabaram-se os resistentes dentro do círculo governamental. As reformas, as economias, a austeridade e as ofertas aos patronais – sempre pedem mais sem dar o que foi combinado – continuarão como meta política. Hollande e seu primeiro-ministro trabalharão de agora em diante para convencer os deputados obstinados para que votem as reformas em andamento. Os socialistas contam com maioria absoluta – 290 dos 577 da Assembleia –, mas apenas um voto de vantagem. Aprovar as próximas leis será um trabalho árduo nos bastidores.
O caminho percorrido por este socialismo de enxerto é novelesco. Para medi-lo, é preciso imaginar – só dessa maneira se consegue – um trader de Wall Street, com camisas de 500 dólares e sapatos de 600, ao volante de meia dúzia de carros de luxo, com um andar inteiro assomado ao Central Park, tornando-se repentinamente militante sindical da CGT, defensor dos oprimidos, líder de um partido contra os excessos das finanças e da globalização e principal animador de um fórum sobre os estragos da indústria petroleira.
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França. Para fazer os ajustes, nada melhor que um ex-banqueiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU