25 Agosto 2014
O comandante do Exército, general Enzo Peri, proibiu os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante o regime militar. Em ofício datado de 25 de fevereiro, o general determinou que qualquer solicitação sobre o assunto seja respondida exclusivamente por seu gabinete, impondo silêncio às unidades. Por entender que a medida é ilegal, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) vai pedir à Procuradoria Geral da República que ingresse com representação contra o comandante.
A reportagem é de Chico Otavio, publicada pelo jornal O Globo, 22-08-2014.
O ofício foi usado pelo subdiretor do Hospital Central do Exército (HCE), coronel Rogério Pedroti, para negar ao MPF-RJ o prontuário médico do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, que morreu na unidade em 12 de agosto de 1971. O documento médico poderia comprovar a suspeita de que Raul, que foi preso pelo DOPS na noite de 31 de julho, na Rua Ipiranga (Flamengo), não teria resistido às sessões de tortura. No ofício, Enzo Peri informa que a decisão abrange os pedidos feitos pelo “Poder Executivo (federal, estadual e municipal), Ministério Público, Defensoria Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964 e 1985”.
— O Ministério Público está adotando as medidas necessárias para remover esses obstáculos às investigações e responsabilizar os servidores que sonegam informações. De qualquer forma, é lamentável que o comando atual do Exército de um Estado Democrático de Direito esteja tão empenhado em ocultar provas e proteger autores de sequestros, torturas, homicídios e ocultações de cadáver — lamentou o procurador da República Sérgio Suiama.
LEI EXCLUI COMANDANTE
Suiama, responsável pelo procedimento que investiga a morte de Raul Amaro, advertiu ao subcomandante do HCE que a Lei Complementar 75/93, que regulamenta o Ministério Público da União, autoriza que os pedidos de informações sejam encaminhados diretamente às unidades.
O procurador disse que as exceções — casos em que os pedidos só podem ser feitos pelo procurador-geral da República e não pelos procuradores de primeiro grau — não incluem o comandante do Exército. “A lei concede tal prerrogativa apenas para presidente e vice-presidente da República, membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e chefes de missões diplomáticas”, escreveu Suiama ao coronel Rogério Pedroti.
O prontuário da vítima nunca foi divulgado. O engenheiro foi detido por uma radiopatrulha quando voltava de uma festa. Os policiais resolveram prendê-lo depois de encontrar em seu carro dois desenhos que foram considerados mapas. O primeiro ensinava a sair do apartamento do cunhado de Raul, que morava em São Paulo, e o segundo era o caminho para a própria casa do engenheiro.
O preso foi levado no dia seguinte à prisão para o Destacamento de Operações do Exército do 1º Exército (DOI I), na Rua Barão de Mesquita. Torturado, foi transferido às pressas para o Hospital Central do Exército, onde morreria dez dias depois. O corpo foi devolvido à família. Um tio de Raul, médico legista, constatou que a vítima sofrera agressões e apresentava a equimoses nas pernas.
— Desde o primeiro momento, o Exército tem negado sistematicamente informações sobre a morte. O ofício do comandante é mais uma demonstração que eles querem impedir o esclarecimento. Esse silêncio é emblemático. Quando se omitem, estão assumindo uma posição — criticou Felipe Nin, sobrinho de Raul Amaro.
Raul era funcionário do Ministério da Indústria e Comércio e conseguiu uma bolsa de estudos na Holanda, mas nem chegou a usufruí-la. Documentos produzidos na época pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) descrevem o engenheiro como militante do MR-8 e que sua casa funcionava como aparelho do grupo. Em 1994, a família obteve na Justiça sentença definitiva que considerou o Estado culpado por sua morte. O depoimento de um soldado que viu Raul ser torturado nas dependências do DOI I foi fundamental para ganhar a causa.
— Causa perplexidade o Hospital Central do Exército não ter autonomia para entregar ao Ministério Público Federal registros dos prontuários de presos políticos. Trata-se de mais um fato vergonhoso na história de nosso país, pois não bastasse as Forças Armadas não abrirem seus arquivos, ainda tentam impedir o MPF e a Comissão da Verdade de cumprirem com suas funções e negam prontuários médicos — comentou a presidente da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges.
LAUDO COMPROVA TORTURA
Desde setembro de 2013, a CEV também aguarda os registros solicitados ao Exército de todos os prontuários de presos políticos atendidos no HCE durante o regime militar. Laudo do médico-legista Nelson Massini, apresentado na semana passada pela comissão, sustentou que o engenheiro foi torturado em pelos menos três ocasiões durante a semana em que permaneceu no HCE, as últimas delas na véspera da morte.
O comandante do Exército, procurado pelo GLOBO para comentar a decisão, não retornou o pedido do jornal encaminhado por mensagem eletrônica ao Centro de Comunicação Social (Cecomsex) da Força em Brasília até as 21 horas de ontem.
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Anos de chumbo: comandante impõe silêncio ao Exército - Instituto Humanitas Unisinos - IHU