Por: Caroline | 19 Agosto 2014
Tomás Orduna, Chefe de Medicina Tropical do Hospital Muñiz, Argentina, disse à Página/12 que a comunidade internacional não fez nada para atender os quatro países africanos contra o Ebola até que sentisse que suas fronteiras estavam sendo ameaçadas.
A reportagem é de Pedro Lipcovich, publicada por Página/12, 18-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/zOcCuc |
“A comunidade internacional não fez nada para impedir que o Ebola se estendesse aos quatro países”, afirmou o Chefe de Doenças Tropicais do Hospital Muñiz. Pela primeira vez, o mundo assiste a uma epidemia desta doença, que vai muito além dos diferentes surtos que ocorreram ao longo dos últimos quarenta anos.O fenômeno ocorre em países cujo sistema de saúde, já precário, foi devastado nos últimos anos pelas guerras civis. No início, apenas as organizações civis como os Médicos sem Fronteiras (MSF) tomaram alguma iniciativa. Após o alerta mundial emitido pela OMS e “pelo susto frente à possibilidade de que o Ebola cruzasse os mares”, a ajuda começou a chegar. As taxas de mortalidade são, de toda forma, muito inferiores as dos surtos anteriores, nas quais nove em cada dez doentes morriam. Atualmente, a maior preocupação é a chegada da doença a Nigéria, onde a capital, Lagos, com 21 milhões de pessoas e alto grau de aglomeração, poderia ser o cenário de uma catástrofe sanitária. Na Argentina, de acordo com chefe de Doenças Emergentes da Sociedade de Infectologia “o risco de propagação do Ebola é incomparavelmente menor” do que nos países epidêmicos.
“O Ebola é uma doença conhecida há 40 anos, mas sempre a vimos de longe, como algo que ocorria em aldeias do interior profundo da África – lembrou Tomás Orduna, chefe do serviço de Medicina Tropical e Medicina do Viajante do Hospital Muñiz -. Sabíamos de sua alta letalidade, que em alguns surtos chegou a até 80 e 90% dos infectados. Era algo que ocorria com os africanos no Congo, onde foi descoberto, em Uganda ou em Angola. Contudo, há alguns anos com a Medicina do Viajante, propomos que deveria ter-se cuidado e que, mesmo que de maneira excepcional, podíamos chegar a receber um paciente que estava voltando de uma zona afetada por esta doença, que apresente alta transmissão inter-humana. Bom, agora o vemos como algo concreto: está havendo uma epidemia, a mais importante que já se conheceu, com mais de dois mil casos em quatro países, com 55% de letalidade”.
“Há surtos que chegaram aos 90%, mas este, com o passar do tempo, provavelmente se manterá nesses níveis, e poderia melhorar em função da resposta que tiver na comunidade internacional. É importante o diagnóstico precoce. Não há muitos recursos de tratamento: manter uma boa hidratação e, quando se pode, alimentação; detectar se há uma patologia concomitante como a malária ou outra infecção bacteriana que possa requerer de antibióticos”.
Como avalia a resposta à epidemia?
Não houve uma boa resposta nos primeiros meses. A epidemia começou na Guiné, em uma região onde não havia antecedentes, nem preparação, nem alerta. A resposta foi lenta e começou a haver surtos em várias cidades. Os Médicos sem Fronteiras e outras ONGs começaram a trabalhar, assim como a OMS e algumas equipes locais, mas havia deslocamentos de pessoas que levaram a epidemia para a capital, Conakry. Logo foram ultrapassadas as fronteiras com a Serra Leoa e a Libéria. Entre esses países há um tipo de tríplice fronteira, com alto movimento de pessoas. O alerta foi disparado quando começaram a haver mortos entre a equipe de saúde, o que indicava uma alta taxa de transmissibilidade inter-humana. Libéria e Serra Leoa foram devastadas pelas guerras civis, praticamente não têm infraestrutura sanitária. Quando a guerra civil na Libéria terminou, ficaram apenas 10 ou 12 médicos. Estes países necessitarão de décadas para recuperar seu sistema sanitário. Não podem responder a semelhante epidemia.
De acordo com o especialista, durante muitas semanas, os países que podiam ter colaborado não o fizeram. “Enquanto se via a epidemia como uma entre os surtos africanos, não houve maior colaboração da comunidade internacional; diferentemente de quando começou o susto frente à possibilidade que a doença cruzasse os mares para chegar a Europa, Estados Unidos ou Japão. Então começou a haver uma resposta mais adequada, mas já se havia passado seis meses. Agora, a doença chegou a um quarto país, a Nigéria, onde ainda não sabemos qual será seu comportamento e se irá se estender ou não. No momento foram registrados 13 casos. Preocupa-nos a potencial explosão do Ebola em Lagos, capital nigeriana, cidade de 21 milhões de habitantes com áreas de aglomeração brutais. A preocupação é que se transforme em um risco maior, como já ocorre em Monróvia, capital da Libéria”.
“A resposta da comunidade internacional foi tímida, e continuou sendo até 15 dias atrás. A reposta internacional deveria se concretizar não apenas quando os países centrais se sentem ameaçados. Deve ocorrer antes: ainda que por estratégia de autodefesa, teria que ter sido feita. E claro que há razões de responsabilidade internacional. Mas os países ricos até agora pouco não fizeram nada”, concluiu Orduna.
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“Nada foi feito contra o Ebola” diz o médico Tomás Orduna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU