03 Julho 2014
"O mundo constrói-se a partir do nosso imaginário, do que consideramos bom ou mau, possível ou impossível, inútil ou eficaz. Os limites do possível, dependem com frequência da nossa percepção, tendo em conta, evidentemente, as restrições e oportunidades do período. Eis aqui a chave da vitória ou da derrota", escreve Esther Vivas, escritora, ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, em artigo publicado pelo portal EcoDebate, 02-07-2014.
Eis o artigo.
Ainda recordo num já longínquo ano 2000, quando vários ativistas sociais organizámos, no próprio dia das eleições gerais, a Consulta Social pela Abolição da Dívida Externa dos Países do Sul. Centenas de mesas de votação foram instaladas, mais de um milhão de votos recolhidos contra o pagamento de uma dívida ilegítima e ilegal, milhares de pessoas mobilizadas. Tratou-se de uma experiência iniciática para muitos, que como toda prática de introdução num rito, o de não claudicar, marcou. Uma frase foi das mais repetidas nos múltiplos balanços: “Conseguiram-no porque não sabiam que era impossível”, uma citação do poeta francês Jean Cocteau.
Hoje, catorze anos mais tarde, estas palavras regressam ao presente. O seu significado guarda a essência do tempo político atual, onde passámos da resistência à férrea vontade de mudar as coisas e ganhar. E a vantagem é que essa convicção já não é patrimônio apenas de um punhado de ativistas bem intencionados, mas este convencimento começa a ganhar uma maioria social.
O movimento dos indignados conseguiu mudar o nosso imaginário coletivo em relação à crise. Passamos de nos considerarmos culpados e cúmplices da mesma, como nos tinham feito crer a partir do tão papagueado “Vocês viveram acima das possibilidades”, para nos descobrirmos como vítimas de um roubo e de uma fraude em grande escala. Em consequência atuámos: indignados, ocupando bancos-hospitais-casas vazias-universidades, desobedecendo, sem medo.
O legado do 15M, três anos depois, explora ainda mais essa percepção do comum, desmontando os mitos de um sistema que entra em falência em todas as frentes.
Avançando das ruas para as instituições. O “sim pode-se” o seu leitmotiv. Com uma perspectiva clara: Ganhar. Muitos diziam: milhares na rua, mas nas eleições vencem os mesmos de sempre. Outros respondíamos: a tradução eleitoral do mal-estar social requer tempo, mas, tarde ou cedo, chega. A Grécia é o nosso melhor espelho, com tudo o que tem de bom e de mau.
Os resultados das eleições europeias não deixam lugar a dúvidas: 1,2 milhões de votos para o Podemos. Várias sondagens, alguns dias depois das eleições, davam-lhe um forte crescimento em caso de eleições gerais. Na Catalunha, o Procés Constituent, impulsionado pela freira beneditina Teresa Forcades e pelo economista Arcadi Oliveres, apenas num ano, constituiu mais de cem assembleias locais e setoriais, com o objetivo de converter a maioria social vítima da crise em maioria política, e com a perspectiva de uma candidatura unitária, plural, nas próximas eleições ao Parlamento da Catalunha. Agora, em Barcelona vários ativistas sociais, com Ada Colau entre eles, impulsionam a iniciativa Guanyem Barcelona (Ganhemos Barcelona) face à contenda municipal.
Ganhar é possível. No entanto, se o tabuleiro se move é graças à desobediência e à construção das utopias a partir de abaixo. Sem isso, o medo nunca teria começado a mudar de lado. Se hoje, os fundamentos do establishment tremem, também no plano eleitoral, é devido ao bafo quente dos que não são ninguém na nuca dos de cima. Não esqueçamos, e continuemos a avançar.
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Ganhar é possível, artigo de Esther Vivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU