Por: Jonas | 06 Junho 2014
A lei sobre naturalização aprovada recentemente na República Dominicana é um passo a longo tempo esperado na direção correta, mas o caminho para prosseguir na plena restauração da nacionalidade dominicana de todas as pessoas que foram privadas arbitrariamente dela, pode estar longe e cheio de obstáculos, caso o governo não aborde de forma integral este crítico problema de direitos humanos. Foi assim que a Anistia Internacional se manifestou, hoje, em uma carta aberta enviada ao presidente Danilo Medina.
A reportagem é publicada por Rebelión, 05-06-2014. A tradução é do Cepat.
A controvertida política de desnacionalização do país chegou ao seu ponto culminante em setembro de 2013, quando o Tribunal Constitucional determinou que os filhos dominicanos de migrantes em situação irregular, nascidos na República Dominicana entre 1929 e 2010, nunca haviam tido direito à nacionalidade dominicana e deveriam ser privados dela.
“Esta recente lei deve ser acolhida como uma tentativa por parte das autoridades dominicanas em resolver o dramático problema que criaram com suas políticas discriminatórias, que atingiu milhares de pessoas – a imensa maioria, dominicanos de origem haitiana – cujas vidas estiveram em suspenso durante anos. Contudo, trata-se apenas de um primeiro passo, já que deixa muitas pessoas presas em um limbo jurídico e privadas de desfrutar seus direitos humanos”, declarou Erika Guevara Rosas, diretora do Programa para América da Anistia Internacional.
A lei sobre naturalização (Lei número 169-14) estabelece duas categorias: as pessoas que em algum momento foram inscritas no registro civil dominicano, e aquelas cujo nascimento nunca foi declarado.
“É como se as autoridades dominicanas apenas estivessem vendo a ponta do iceberg. A lei é um passo positivo para as pessoas que foram inscritas no registro civil, mas é totalmente inadequada para o restante. Infelizmente, a imensa maioria dos dominicanos de ascendência haitiana pertence à segunda categoria, e entre eles estão as pessoas mais pobres e vulneráveis do país”.
Nenhuma das soluções que a lei apresenta dispõe do restabelecimento automático da nacionalidade dominicana, como solicitava a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, as pessoas atingidas permanecem apátridas e sem proteção estatal alguma até que se encerre o seu processo de naturalização.
Inclusive, as que já foram inscritas no registro civil não poderão voltar a ter nacionalidade dominicana enquanto a Junta Central Eleitoral não realizar um processo de regularização.
No caso das que nunca foram inscritas, enfrentam um longo e difícil procedimento legal para reivindicar sua nacionalidade partindo do zero, e dispõem de 90 dias para iniciar o processo que conduz à sua naturalização. Caso não possam colocar em marcha este procedimento ou se detecte que não cumprem os critérios que a lei aponta, correm grave risco de expulsão.
“A expulsão teria consequências catastróficas para as pessoas nascidas na República Dominicana e que, como acontece na maioria dos casos, têm pouquíssimos vínculos com o país de origem de seus progenitores”.
Por conta de anos de arbitrariedade e discriminação contra os dominicanos de origem haitiana, há famílias que somente puderam inscrever alguns de seus filhos no registro civil.
Por conseguinte, a lei terá o paradoxal efeito de que, numa mesma família, alguns filhos poderão conseguir com maior facilidade a nacionalidade dominicana do que outros, que deverão ser inscritos como estrangeiros.
“É também alarmante que nos dois casos a Junta Central Eleitoral terá um papel tão destacado na aplicação da lei. Este organismo demonstrou carecer da imparcialidade necessária para realizar os processos de regularização e naturalização de forma justa e equânime”, disse Erika Guevara Rosas.
Isto é ainda mais preocupante em razão de que a complexidade e as ambiguidades da lei deixam caminho livre para injustiças, tais como sua aplicação discricional e discriminatória.
“As autoridades dominicanas devem garantir o devido processo e o direito a uma revisão judicial em todos os casos de privação da nacionalidade. Também devem criar uma comissão de vigilância, com representantes de organizações da sociedade civil, para garantir a aplicação plena e justa da lei. Se as autoridades dominicanas buscam seriamente uma solução, devem garantir que a arbitrariedade e a discriminação já não serão a norma quando os dominicanos de ascendência haitiana procurar seus direitos”.
A Anistia Internacional continuará vigiando a maneira como se aplica esta lei e continuará fazendo campanha para garantir que a República Dominicana respeite plenamente suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, especialmente no que se refere à luta contra a discriminação por motivos de raça, origem ou qualquer outra condição ou identidade.
Informação geral
O Tribunal Constitucional da República Dominicana resolveu, em setembro de 2013, que Juliana Deguís, nascida na República Dominicana, em 1984, de pais haitianos, tinha sido inscrita erroneamente como dominicana ao nascer. Segundo a interpretação do Tribunal, como seus pais não puderam demonstrar sua condição de imigrantes regulares na República Dominicana, não deveria ter sido concedida a nacionalidade dominicana para Juliana.
Esta sentença supôs deixá-la, assim como a outros milhares de pessoas - a imensa maioria dominicanos de ascendência haitiana -, em situação apátrida.
A sentença do Tribunal Constitucional é a mais recente de uma série de decisões administrativas, legislativas e judiciais que, desde princípios de 2000, privaram retroativamente de sua nacionalidade dominicana pessoas dominicanas de ascendência haitiana.
Desde 2007, a Junta Central Eleitoral se negou a expedir ou renovar documentos de identidade para dominicanos de ascendência haitiana, cujos pais não puderam demonstrar sua condição de migrantes regulares no país.
A negação de documentos de identidade teve efeitos devastadores para os dominicanos de ascendência haitiana, que não podem exercer seus direitos humanos, incluídos os de acesso à educação, emprego e serviços de saúde, assim como o direito a se casar e constituir uma família. Além disso, as pessoas que não têm documentos de identidade não podem inscrever seus filhos como dominicanos, que na prática nascem apátridas.
O número de pessoas atingidas pela Lei número 169-14 não está claro. Um estudo realizado pela Junta Central Eleitoral, em novembro de 2013, identificou 24.392 pessoas que haviam sido “inscritas de forma irregular”, entre 1929 e 2007, das quais 13.972 eram filhos de haitianos. No entanto, outro estudo realizado em 2012, pelo Escritório Nacional de Estatística, considerou que o número de pessoas que viviam na República Dominicana, cujos progenitores eram estrangeiros, era de 244.151. Delas, 209.912 eram de ascendência haitiana (pai e/ou mãe nascidos no Haiti).
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República Dominicana. Um passo na direção correta, mas ainda muito longe da justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU