28 Março 2014
Líder estudantil em 1968, o jornalista Cid Benjamin, 65, participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, a mais ousada ação da luta armada.
Ele diz que a guerrilha foi uma forma legítima de resistência à ditadura militar. "Eu me orgulho de ter participado deste movimento."
Preso e exilado por nove anos, Benjamin hoje atua na Comissão da Verdade do Rio e defende que os torturadores sejam julgados por seus crimes. Lançou suas memórias, "Gracias a la Vida" (José Olympio), em 2013.
A entrevista é de Bernardo Mello Franco, publicada no jornal Folha de São Paulo, 27-03-2014.
Eis a entrevista.
O sr. pertenceu a uma geração que optou pela luta armada após o AI-5. Por quê?
A sociedade, em 1968, já era amplamente contrária à ditadura. Pensávamos que o Brasil estava caminhando para uma guerra revolucionária. O Vietnã e a Revolução Cubana eram coisas muito fortes nas nossas cabeças.
Dado o grau de insatisfação com o regime, a desigualdade e a miséria, pensávamos que um processo de luta armada no campo e na cidade fosse aglutinar mais e mais gente. A longo prazo, constituiríamos um exército popular que poderia fazer a revolução. A história mostrou que nossa perspectiva estava incorreta.
Como foram as primeiras ações armadas e o sequestro do embaixador americano?
Apesar da nossa inexperiência, foram um sucesso. A repressão estava despreparada. Os bancos não tinham portas giratórias. A gente assaltava e levava as armas dos guardinhas. O sequestro surgiu da preocupação com os presos políticos, muitos sob tortura. Um dia, estava com o Franklin Martins [ex-ministro no governo Lula] em uma rua de Botafogo e passou o carro do embaixador americano, com bandeirinhas no capô e sem segurança nenhuma.
A ideia foi usá-lo como moeda de troca por nossos presos, especialmente o Vladimir [Palmeira, líder estudantil de 1968]. A execução foi muito simples, e a devolução, digna de filme de ação americano. Quando nos livramos da perseguição, tomamos uma cerveja para comemorar o êxito da ação.
O que fez depois?
Fiquei dois meses entocado, mas tinha virado a bola da vez. O MR-8 era a organização mais ativa no Rio, e sabiam que eu era o responsável pelo setor armado. Quando fui preso, ouvi no DOI-Codi que era o militante com mais ações armadas no Rio. Desde que entrei, comecei a ser torturado.
Como foram as torturas?
Ao chegar, sangrava muito na cabeça. Chamaram um médico, Amílcar Lobo, que costurou a frio. Depois, foram dias de tortura. Pau de arara, choque elétrico e afogamento eram o cardápio principal.
Em seu livro, o sr. diz que os torturadores não eram monstros. Por quê?
Não havia um só um tipo de torturador. Havia os sádicos, perversos, monstros. Mas também havia jovens oficiais do Exército, imbuídos da luta contra o comunismo da Guerra Fria. Não me surpreenderia se hoje alguns estiverem arrependidos do que fizeram.
Ainda havia os policiais antigos, que eram os melhores torturadores, torturaram bandidos a vida inteira. Eram capazes de sair dali e fazer um churrasco com os amigos, serem bons pais, bons avôs.
Ao dizer isso, não estou passando a mão na cabeça dos torturadores. Estou mostrando como nossa sociedade é atrasada e permite que eles tenham vida social relativamente normal.
O pior da tortura não são os maus-tratos, é que ela tenta desumanizar o ser humano. Através da dor física, procura fazer com que o preso renegue seu sistema de valores, se despersonalize. O objetivo é quebrar o torturado como pessoa.
Os torturadores ainda devem ser julgados por seus crimes?
Um país que não conhece sua história está condenado a repetir seus erros. O Brasil está começando tarde. A ditadura acabou em 1985, e a Comissão da Verdade só foi criada em 2012.
Os torturadores devem ser julgados e, se culpados, condenados. Não digo isso porque tenha ódio deles, mas porque acredito que o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Se eles forem condenados, as pessoas vão pensar duas vezes antes de torturar.
Sem luta armada, a ditadura teria acabado mais cedo?
Fujo dessa armadilha. É como culpar um torturado pela tortura, ou culpar a resistência por barbaridades nazistas em territórios ocupados. A luta armada, embora equivocada politicamente, foi uma parte legítima da resistência. Eu me orgulho de ter feito parte deste movimento.
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Luta armada foi resistência legítima à ditadura militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU