13 Março 2014
"Eu estava sentado ao lado dele, ele estava à minha direita, e trocávamos algumas pequenas meditações, em voz baixa, ao pé do ouvido...". Assim começa, como uma filmagem ao vivo, o relato de outro protagonista do conclave que elegeu o primeiro papa latino-americano da história, um cardeal também desta parte do mundo, Cláudio Hummes, arcebispo emérito da maior diocese do Brasil e talvez do mundo, São Paulo. Um ao lado do outro, como já ocorria há muito tempo, no conclave de 2005, nos sínodos da última década, nas liturgias solenes, unidos por aquele critério inexorável que é a idade.
A reportagem é de Alver Metalli, publicada no sítio Vatican Insider, 09-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Os votos convergiam sobre ele. Ele estava muito introspectivo naquele momento, silencioso. Eu lhe fiz alguns comentários sobre a possibilidade de que ele poderia alcançar o número necessário para se tornar papa. Quando as coisas começaram a ficar um pouco mais perigosas para ele, eu o confortei. Depois, houve o voto definitivo, e começou um grande aplauso. A contagem continuou até o fim, mas eu logo o abracei e beijei. E lhe disse aquela frase, 'não se esqueça dos pobres'. Eu não tinha preparado nada, mas naquele momento me veio do coração, com força, dizer-lhe isso, sem me dar conta de ser a boca através da qual o Espírito Santo lhe falava. Ele também disse que essas palavras entraram com força, que foi ali que ele pensou nos pobres, e lhe veio à mente o nome de São Francisco".
Tudo em poucos minutos, uma sucessão de instantes que Dom Cláudio Hummes decompõe um a um. "Ele foi interpelado, foi-lhe perguntado se ele aceitava e com que nome queria ser chamado. O nome que ele pronunciou, Francisco, foi uma surpresa muito grande para todos. Quem imaginaria que um papa pudesse se chamar Francisco! Porque é uma figura comprometedora, exigente, e ele o escolheu com coração alegre e leve. Ele se identificou logo, viu que esse nome também significava um programa de Igreja. Até porque, em São Damião, São Francisco ouviu a palavra do crucificado: 'Vai e repara a minha Igreja, que está em ruínas'. São coisas fortes, e ele teve essa coragem. Estava sereno, muito sereno. Todos estávamos admirados com a sua serenidade e espontaneidade, e estava muito concentrado".
Dom Cláudio Hummes não precisa ser estimulado pelas perguntas. As sequências passam diante dos seus olhos, e as palavras despontam dos seus lábios com naturalidade e em bom italiano.
"Ele foi se vestir como papa na antiga sacristia da Capela Sistina e lá ele começou a relaxar. Logo fez gestos significativos: não vestiu o manto mais solene, não quis a cruz de ouro. Também não colocou os sapatos vermelhos, ficou com os seus. Disse que queria usar a estola apenas para a bênção. Voltou para a capela assim, despojado, vestido com simplicidade, com os sapatos pretos com os quais tinha chegado de Buenos Aires. Havia um trono onde ele devia se sentar para a saudação, como prevê o cerimonial. Mas ele ficou de pé, abraçou os cardeais um por um com uma espontaneidade maravilhosa. Já era Francisco que agia".
Por um momento, Dom Cláudio desvia o olho da câmera imaginária e se permite uma digressão. "O mais extraordinário é que os cardeais do primeiro mundo confiaram em um latino-americano. Conduzir a Igreja universal! Um latino-americano! O que ele fará com a Igreja? Pensa-se assim, é natural para um europeu pensar assim. Sabemos que nos amamos, nos respeitamos, afinal somos filhos da Igreja da Europa. Mas somos uma Igreja jovem. Então, confia-se ela a um europeu. Estamos todos mais seguros. Sempre foi assim... deu tudo certo... então é melhor continuar assim. Mas essas seguranças sobre as quais nos apoiamos matam o dinamismo de renovação, de reforma, missionário da Igreja. O Espírito Santo trabalhou os corações dos cardeais para se confiarem assim".
Hummes volta o olhar para a lente, as imagens voltar a fluir. "Cantou-se um Te Deum em gregoriano, enquanto se formava a procissão para chegar à sacada sobre a praça. Ele já tinha chamado o cardeal Vallini, seu vigário em Roma. Olhou para o meu lado e me disse: 'Venha, quero que você esteja comigo neste momento'. Eu fui. Ele não estava tenso, estava espontâneo, uma coisa extraordinária! Continuava sendo o homem gentil, simples de todos os dias. Ele nos disse para ir com ele para a capela para fazer uma oração antes de se assomar sobre a praça. Entre a Capela Sistina e a sacada, está a Capela Paulina, onde, algumas vezes durante o conclave, celebramos a missa. Ele quis ir lá e, enquanto se formava a procissão dos cardeais, pôs-se a rezar por alguns minutos. Depois, saímos para a praça. Tinha parado de chover, as pessoas tinham fechado os guarda-chuvas. Mas dali, da Loggia, por causa das luzes da televisão, talvez, não se via bem as pessoas. Por um tempo, ele não disse nada. Muitos se perguntam por que ele ficou em silêncio, com os braços estendidos ao longo do corpo. Simples: por que, na praça, havia uma banda que tocava forte, não era possível falar até que parassem de tocar, e ele esperou que acabasse a música. Depois, saudou com um braço: 'Boa noite'. A praça estourou. Ele estava muito sereno. Apresentou-se como o bispo de Roma, falou como bispo de Roma, sabia que, como bispo de Roma, era o papa, mas nunca usou a palavra 'papa' em nenhum momento. Ele também disse: 'O meu antecessor, o bispo emérito de Roma, Bento XVI'. Todos entenderam que já se abriam grandes portas".
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O conclave visto de perto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU