Por: Cesar Sanson | 05 Março 2014
Apesar de procura por ingressos ser recorde, insatisfação com investimentos públicos bilionários em estádios corrói aprovação ao Mundial. Em 2008, quase 80% da população era a favor do torneio. Hoje, metade é contra.
A reportagem é de Marina Estarque e publicada pela agência de notícias Deutsche Welle, 04-03-2014.
A menos de cem dias do início da Copa, muitas obras – inclusive estádios – seguem inacabadas; a maioria dos brasileiros tem certeza de que os protestos vão continuar, sob o risco de ficarem ainda mais violentos; o índice de aprovação ao torneio é o mais baixo desde 2008; e metade dos brasileiros não defenderia uma nova candidatura do país a sede do Mundial.
Apesar de tudo isso, a procura por ingressos mostra que muitos brasileiros estão animados com o Mundial. O Brasil tem a maior quantidade de ingressos atribuídos, cerca de 900 mil num total de 10 milhões de pedidos, o que é recorde, segundo a Fifa.
"Gosto muito de futebol, não tem como não se empolgar", afirma o paulista Fabricyo de Sousa, de 25 anos. Gerente de mídias sociais, ele criou uma página de humor no Facebook, chamada "Vai ter Copa Sim", com mais de 7 mil seguidores.
Ainda que muitas das publicações não sejam relacionadas ao Mundial, Fabricyo é firme no apoio ao evento. "Ser contra quando já está na cara do gol não dá. Agora que está feito, vamos curtir." Mas esse apoio não é sem restrições. Ele é um dos muitos que preferiam ver o dinheiro público investido em serviços como transporte, saúde e educação.
Segundo o Ministério do Esporte, até o momento foram gastos R$ 25,6 bilhões com a Copa, dos quais apenas R$ 3,7 bilhões são recursos privados.
Rejeição
Pelos mesmos motivos de Fabricyo, o mineiro Luiz Terenzi, de 47 anos, sempre foi contra o Mundial no Brasil. E ele não está sozinho.
Segundo um estudo da MDA Pesquisa e da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 50,7% dos brasileiros seriam contra a candidatura do Brasil como sede da Copa do Mundo caso a escolha fosse hoje. Dos que veem o torneio com bons olhos, apenas 26,1% seriam totalmente a favor.
Ainda assim, o gosto pelo esporte motiva Luiz a participar do evento. Ele comprou ingressos para ver cinco partidas em Belo Horizonte com a mulher e os dois filhos.
"Estou animado com a oportunidade de ver os jogos", diz, ressaltando que sua animação se limita às partidas e "não ao fato de a Copa ser aqui". Como em todo Mundial, Luiz vai reunir amigos e familiares para acompanhar as partidas também em casa. E a torcida? "Não me motiva a seleção brasileira, ali há mais interesse político e empresarial que futebolístico."
A opinião desfavorável de Luiz sobre a Copa é cada vez mais comum entre brasileiros. Em 2008, um ano após o anúncio de que o país organizaria o Mundial, 79% dos brasileiros eram a favor da competição, segundo pesquisa do Datafolha.
Em junho de 2013, quando o Brasil foi tomado por uma onda de protestos, desencadeados pelo aumento das tarifas do transporte público, a aprovação caiu para 65%. Em fevereiro deste ano, atingiu seu nível mais baixo, 52%.
A rejeição também aumentou. A taxa dos brasileiros que são contrários à Copa do Mundo cresceu e passou de 10%, em 2008, para atuais 38%. Entre eles está Felipe Alencar, de 21 anos, que participou de vários protestos contra a Copa. O estudante de pedagogia da Unifesp diz que a precariedade dos serviços públicos afeta sua vida diariamente.
Morador da periferia de São Paulo, Felipe ressalta que ele não é contra o futebol, apesar de não ser fã do esporte. "Os trabalhadores não vão poder participar, porque os ingressos são muito caros. Essa Copa não beneficia o povo. É uma contradição investir dinheiro público nisso enquanto não temos direitos básicos", argumenta.
Obras e violações
A forma como os governos vêm gastando os recursos públicos com a organização do Mundial é fonte de insatisfação para grande parte dos brasileiros.
Segundo a pesquisa da MDA e do CNT, 75,8% dos brasileiros consideram que os investimentos no torneio foram desnecessários. Em relação aos estádios, 80,2% defendem que o dinheiro deveria ter sido destinado a "áreas mais importantes". A três meses do Mundial, cinco estádios ainda estão em reforma. As obras deveriam ter terminado em dezembro do ano passado.
O término de obras de pavimentação e urbanização de áreas do entorno do estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, por exemplo, ainda está em fase de licitação. Curitiba, Manaus, São Paulo e Cuiabá também correm contra o tempo para cumprir os prazos da Fifa.
Em relação às obras de infraestrutura, muitas estão atrasadas e outras ficaram para depois do torneio. É o caso do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, cujas obras serão, em parte, finalizadas após o evento.
A situação do Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza, é ainda pior. O local terá um terminal provisório, que ficou conhecido como "puxadinho", durante a competição.
Há ainda estruturas que foram inauguradas e já apresentam falhas que terão de ser reformadas, como ocorre em Cuiabá. Segundo o Ministério do Esporte, o andamento das obras está "dentro do previsto".
A Copa como justificativa
Para a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (rede de organizações e movimentos sociais), o não cumprimento do cronograma é a menor das preocupações. Para um dos membros do Comitê do Rio, Orlando dos Santos Júnior, o megaevento serve de justificativa para realizar obras que não beneficiam a população.
"A questão dos prazos é secundária em relação à própria natureza das intervenções. Eu não tenho dúvida de que estádio de Manaus vai estar concluído para a Copa. Mas é do nosso interesse ter um estádio lá? Ou ele corre o risco de virar um elefante branco? A quem interessa essa obra?", questiona Orlando, também coordenador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
Ele ressalta que a Copa serve para legitimar a aceleração desses empreendimentos. "Isso permitiu desregulamentar processos licitatórios e dispensar audiências publicas, por exemplo. Ainda que muitas destas obras de mobilidade, por exemplo, pouco impactem a organização do Mundial."
O membro da articulação nacional Renato Cosantino alerta ainda para as violações dos direitos humanos, feitas em nome dos megaeventos: "Parece que é um vale-tudo. Vale violar o direito a moradia e vale remover mais de cem mil pessoas apenas no Rio de Janeiro" – a cidade também vai sediar as Olimpíadas em 2016.
Segundo Cosantino, muitas destas pessoas ainda não receberam reparação, anos após serem desalojadas. "A competição também impede trabalhadores informais de seguirem com as suas atividades, violando o direito ao trabalho. Há crimes ambientais, falta de transparência e até violação do direito de manifestação", diz.
Pontos positivos
Mesmo com todas as críticas, há quem defenda a Copa incondicionalmente. Aidê de Simone, de 50 anos, será voluntária do evento em São Paulo. Ela já comprou ingressos para assistir a dois jogos com o marido e os filhos.
"O clima nesses eventos é muito alegre, e você se sente parte de algo maior", diz. A professora de educação física também foi voluntária na Copa das Confederações e assegura que vai torcer para o Brasil.
Para Aidê, a Copa é "um grande aprendizado e traz muitas oportunidades de trabalho". Ela considera que está mais preparada profissionalmente após participar como voluntária em megaeventos.
O Ministério do Esporte aponta a qualificação de trabalhadores como um dos legados da Copa. "No Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) Copa, mais de 90 mil pessoas estão sendo capacitadas para atuar no Mundial. Sem contar as iniciativas individuais e de empresas privadas, como os cursos de línguas que hotéis estão oferecendo a seus trabalhadores", afirma, em nota, o Ministério.
O biólogo Rodrigo Labello Barbosa, de 30 anos, também será voluntário. Ele se diz "muito animado" com as confraternizações. "Haverá uma grande circulação de turistas e isso promove uma troca cultural intensa. As pessoas estão mais abertas para o diferente."
Segundo o Ministério do Esporte, a previsão é de que 600 mil estrangeiros visitem o país durante a Copa do Mundo e mais 3 milhões de turistas brasileiros circulem pelo território nacional. A Embratur estima que os estrangeiros gastem R$ 6,85 bilhões e os brasileiros, R$ 18,35 bilhões ao longo do torneio.
Para Rodrigo, a Copa também representa ganhos econômicos e em infraestrutura. De acordo com um estudo da Ernst & Young e da Fundação Getulio Vargas (FGV), a competição injetaria, adicionalmente, R$ 112,79 bilhões na economia brasileira entre 2010 e 2014, sem contar com os investimentos públicos.
No total, o país movimentaria R$ 142,39 bilhões, gerando 3,63 milhões de empregos por ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população.
Ídolos do futebol
As opiniões sobre a Copa também colocaram ídolos do futebol em lados opostos. Um dos maiores críticos ao Mundial, o deputado federal e ex-jogador da seleção Romário (PSB-RJ), chamou o torneio de "o maior roubo da história do Brasil".
Em junho de 2013, em meio aos protestos que varriam o país, Romário publicou um vídeo na internet apoiando as manifestações e fazendo duras críticas à Fifa e aos gastos governamentais com o Mundial: "O verdadeiro presidente do país hoje se chama Fifa. Ela chega aqui e monta um Estado dentro do nosso Estado", declarou.
Pelé: críticas a manifestações
De outro lado, o rei do futebol e embaixador honorário da Copa, Pelé, partiu em defesa do evento. Junto com ele, o ex-jogador da seleção e membro do Comitê Organizador Local (COL), Ronaldo, também fez declarações em apoio ao Mundial, com direito a troca de farpas com Romário.
Em 2011, Ronaldo afirmou que "não se faz Copa com hospital". Em 2013, o vídeo com a declaração polêmica voltou à tona com os protestos, e o artilheiro disse ter se arrependido. Ele garantiu ser a favor das manifestações, desde que pacíficas.
No mesmo ano, Romário chamou Ronaldo de "ignorante" por apoiar o Mundial. Ao que o membro do COL respondeu: "Tem gente se aproveitando da situação." Na época, durante a Copa das Confederações, Pelé fez um apelo aos brasileiros: "Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo no Brasil e vamos pensar que a seleção brasileira é o nosso país, é o nosso sangue."
No início de 2014, o ídolo voltou a pedir que os brasileiros não protestassem. Segundo ele, o povo estava "estragando a festa". "Espero que a gente tenha essa consciência: deixar passar a Copa do Mundo. Aí vamos reivindicar o que os políticos estão roubando ou desviando. Isso é outra coisa. O futebol só traz divisas e só traz benefícios para o Brasil", disse.
Protestos
Aidê, que também é a favor do Mundial, concorda com Pelé. Ela considera injusto culpar a Copa pelos problemas do país. "Se não houvesse o Mundial, esse dinheiro não iria para a educação. Infelizmente seria roubado da mesma forma, porque o Brasil é corrupto", defende.
Fabricyo também não quer protestos durante a competição. Para ele, serão contraproducentes. "Prometeram que o Mundial traria melhorias para população e não trouxe. Nunca vou ser contra manifestação, mas isso deveria ter sido feito bem antes do evento."
Junto com Fabricyo e Aidê, 63% dos brasileiros são contra a realização de protestos durante o torneio, aponta o Datafolha. Segundo a pesquisa da MDA e CNT, apenas 15,2% declaram que participariam dessas manifestações durante a competição.
Já Rodrigo, apesar do discurso positivo em relação à Copa, não é contra as manifestações. Segundo ele, a opinião de quem é contra o Mundial deve ser respeitada. "Vivemos em uma democracia. Os protestos pacíficos, inclusive durante o evento, são legítimos. Essa postura precisa ser exercitada pelos cidadãos de maneira contínua."
Para Luiz, que considera que o país estaria melhor sem o megaevento, esses protestos são importantes. "Contanto que sejam pacíficos, eu concordo. É a hora de tentar forçar os políticos a trabalhar pelo povo."
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A cem dias do início, Copa perde apoio entre brasileiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU