16 Janeiro 2014
O reverendo James Weiss, professor de história da Igreja Católica do Boston College, vê um gesto altamente político na decisão do Papa Francisco de remover 4 dos 5 cardeais nomeados por seu antecessor para supervisionar o banco do Vaticano – instituição manchada por escândalos. Para ele, o grande mistério é a remoção do brasileiro Odilo Scherer, que pode ter caído por conta da reputação de conservador.
A reportagem é de Deborah Berlinck e publicada pelo jornal O Globo, 16-01-2014.
Eis a entrevista.
O Papa Francisco destituiu 4 dos 5 cardeais nomeados há apenas um ano pelo ex-Papa Bento XVI para supervisionar o Banco do Vaticano. O que isso significa ?
Está claro o caso de dois cardeais. Bertone (Tarcisio Bertone) e Calcagno (Domenico Calcagno) foram profundamente responsáveis pela administração do Vaticano até a renúncia de Bento XVI. Eles, portanto, foram responsáveis por muitos escândalos, vazamentos de informação e falta de supervisão. (Papa Francisco) fez claramente um gesto para substituir pessoas que serviram de forma ineficaz. Mas não está claro para mim a razão para as remoções dos cardeais Toppo (Telesphore Toppo, da Índia) e Scherer (Odilo Scherer, do Brasil). Topo trabalha na Índia e não acho que tenha muita experiência em questões financeiras. Talvez foi nomeado (por Bento XVI, para supervisionar o banco do Vaticano) por ser alguém do outro lado do mundo.
E por que remover Scherer?
O real mistério desta mudança é Scherer. Ele é altamente respeitado na Igreja e no Colégio de Cardeais, não está pesadamente associado à administração anterior (do Vaticano) e foi um dos principais candidatos à Papa. Seu nome era mais mencionado (como futuro Papa) do que Bergoglio. E ele tem reputação de ser competente. Não está claro para mim a razão da remoção.
Scherer também é frequentemente descrito como um conservador. O senhor acha que isso possa ter sido uma razão ?
Sim. Não gosto de especular. Mas lembro que ele era descrito não apenas como conservador mas também como muito rigoroso. Foi nomeado arcebispo de São Paulo por Bento XVI, subiu no quadro da Igreja no papado de João Paulo II. Ele tem a reputação de ser um linha dura. Isso pode ser uma razão pela qual ele foi removido.
E porque o Papa preservou um único cardeal : o francês Jean-Louis Tauran?
Tauran tem excelente experiência quando foi sub-secretário de Relações Exteriores do Vaticano. Representa competência e não está pesamente associado à administração anterior. Na realidade, ele foi removido do cargo e não era favorecido por Bertone.
Scherer pode ter sido removido por ser mais associado à administração do ex-secretário de estado Tarcisio Bertone ?
Pode ser. Sem dúvida que todos os que são associados com Bertone podem ser removidos. Foi o que aconteceu com o cardeal Mauro Piacenza (transferido pelo Papa Francisco do influente cargo de prefeito da Congregação para o Clero para o cargo de Penitenciário-Mor do Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica). Ele era um protegido de Bertone, bastante rigoroso e conservador. Pozzo (monsenhor Guido Pozzo), estava esperando uma promoção e foi removido. Papa Francisco está claramente redesenhando a liderança da Igreja.
Estas mudanças têm a ver com uma batalha política e doutrinária dentro do Vaticano ou é algo mais ligado à estilo do Papa Francisco ?
Doutrinária, não. Mas é definitivamente política. E vai muito mais fundo do que estilo. Exemplos de mudança de estilo são a nomeação de novos cardeais africanos ou de um novo cardeal do Haiti. É uma forma de enfatizar o desejo do Papa de trazer pessoas que representam várias partes da Igreja mais pobre. Mas a decisão de hoje é claramente política. O Vaticano estava sendo administrado de forma escandalosa, incompetente, irresponsável e estava envolvido em atividades ilegais, com favorecimentos a pessoas protegidas no lugar de gente competente. Hoje está claro que Bento XVI renunciou por causa disso : a gestão do Vaticano estava desmoronando no seu Papado.
Tirar o controverso Cardeal Bertone do Banco do Vaticano é, então, um claro sinal de que o Papa Francisco está firma na determinação de reformar o Vaticano?
Sim, totalmente. Sabemos que Bertone pediu ao Papa Francisco para continuar neste cargo (no banco do Vaticano). Esta é uma clara recusa do pedido. Isso também quer dizer que pessoas nomeadas por Bertone envolvidas em algo ilegal ou incompetence, o Papa Francisco pode removê-las sem ter mais Bertone tentando protegê-las.
O que pode ser dito da nova equipe no Banco?
Tauran (o francês) tem experiência suberba e foi claramente colocado no escanteio por Bertone. Pietro Parolin é alguém que o Papa Francisco conhecia bem da América do Sul. Foi uma escolha surpreendente para se tornar secretário de estado do Vaticano, um cargo muito próximo do Papa. Sua nomeação (para a supervisão do banco) mostra que o Papa Francisco quer acesso imediato ao comitê de supervisão do banco. Christopher Collins e Christphe Schoenborn têm muita experiência em finanças e vem de duas Igrejas ricas, em Toronto (Canadá) e Viena (Áustria). Estão acima de qualquer suspeita. Quando Schoenborn se tornou cardeal em Viena, teve que limpar o escândalo do seu antecessor, um conservador que moslestou jovens. Ao mesmo tempo, Schoenborn, um dominicado, foi estudante de Ratzinger (Papa Bento XVI, quando este era cardeal). Mas não conheço muito a trajetória de Santos Abril y Castello, porque nunca assumiu grandes cargos no Vaticano. O que sabemos é que é um amigo próximo de Bergoglio.
O Papa não descartou fechar o banco do Vaticano, se não conseguir reforma-lo. Quais as chances de ele fazer isso?
Acho que é cedo para dizer. Em dezembro, um comitê independente de supervisão disse que o Vaticano estava progredindo bem na reforma. Acho que a questão é mais de organização : o Vaticano deve estar altamente envolvido em neste tipo de operações financeiras ou há outro meio para fazê-lo. Há forte oposição no Vaticano a dar o controle de suas financeiras para um banco que não esteja diretamente ligado ao Vaticano.
Com estas mudanças, o Papa Francisco está no caminho de realmente reformar o Vaticano?
Todo mundo na Igreja confia nele, exceto a liderança do Vaticano (risadas). Sabemos que ha gente muito incomodada com a forma como as coisas estão mudando. Ele é honesto, avança depois de refletir, estuda a situação, pede conselho e se move com clareza e força. Ele deixou claro a todos no mundo : ele quer uma Igreja diferente, uma de simplicidade, focada no serviço aos pobres e aberta ao diálogo com todos, inclusive com católicos que discordam da Igreja.
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‘Decisão é claramente política’, diz historiador sobre substituições no Banco do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU