Por: Cesar Sanson | 06 Janeiro 2014
Um discurso do político Chaudhary Devi Lal (1914-2001), seguidor de Mahatma Gandhi, inspirou o cineasta indiano Shekhar Kapur a escrever o roteiro de Paani, no final da década de 1990. “Tive a ideia para o filme assim que ouvi Lal dizer que os ricos gastam numa única descarga no banheiro a quantidade de água que uma família pobre recebe para consumir num dia inteiro na Índia ou na África”, contou Kapur, de 68 anos, mais conhecido por Elizabeth (1998), épico sobre a monarca inglesa indicado a sete Oscars.
Com dificuldade para viabilizar o projeto, orçado em US$ 40 milhões, Kapur deixou Paani engavetado por 15 anos. Nesse período o diretor rodou Honra & Coragem – As Quatro Plumas (2002) e Elizabeth: A Era de Ouro (2007), com Cate Blanchett reprisando o papel da rainha, além de um segmento no filme coletivo Nova York, Eu Te Amo (2008).
“Fui forçado a me distrair com outros trabalhos, mas o tempo não amenizou a minha ira. Nunca aceitarei o fato de alguns se acharem donos da água, um recurso tão básico quanto o ar, passando a engarrafá-la e vendê-la”, disse Kapur ao Caderno 2, durante a 10.ª edição do recém-encerrado Festival de Cinema Internacional de Dubai, o DIFF. O cineasta foi membro do júri no evento, onde ele anunciou que começa a filmar Paani (água, na língua hindi) em maio, em Mumbai, com produção da Yash Raj Films.
O cineasta concedeu entrevista à Elaine Guerini do jornal O Estado de S. Paulo, 29-12-2013.
Eis a entrevista.
Por que não buscou financiamento para ‘Paani’ em Hollywood, sobretudo após o reconhecimento conquistado com ‘Elizabeth’?
Hollywood ofereceria muitas vantagens, já que eles entendem como ninguém o design de uma produção desse porte. Mas os americanos não deixam você fazer o filme que quer. Há muita interferência. Eu me senti amordaçado durante a filmagem de Honra & Coragem (filme sobre soldado britânico que abandona posto durante guerra). Preferi então esperar até conseguir o dinheiro no meu país. Esse será o maior filme com proposta independente feito na Índia, fora de Bollywood.
Qual aspecto de ‘Paani’ sofreria mais interferência nos EUA?
É um filme provocativo, uma espécie de chamado para a revolução. Boa parte da população mundial sofre diariamente com a falta de água. Isso só não é notícia porque a informação que recebemos é controlada pelos países ricos, onde a água ainda chega. Mas a água é um recurso que já está acabando.
Como o problema já é real em vários países, por que escolheu o gênero de ficção científica para contar a história?
O inconveniente do sci-fi é a chance que ele dá ao espectador de fugir da situação. Mas isso não acontecerá com Paani pelo filme trazer muitos elementos da vida atual, ainda que ele seja ambientado em 2040. Mostrarei uma cidade dividida em duas. A parte alta controla a água, filtrando uma pequena quantidade para os guetos, que vivem na parte baixa. Enquanto a cidade alta representa a globalização, a água é uma metáfora para o controle social e político.
É verdade que o sr. se recusa a tomar água engarrafada?
É. Isso é um absurdo, principalmente nos países ricos, onde as pessoas compram garrafas, apesar de terem acesso à água tratada. Comprar água virou moda. As pessoas não percebem que estão colaborando para a privatização da água, para a superexploração de aquíferos (reservatórios de água subterrâneo) e para a poluição gerada pelas embalagens plásticas.
Houve rumores que Kristen Stewart viveria uma garota da cidade alta. Para garantir maior visibilidade ao filme, o elenco contará com atores hollywoodianos?
Teremos três atores internacionais entre os indianos, que serão a maioria. Decidi filmar em inglês por ser o único jeito de alcançarmos a plateia mundial, como provou Danny Boyle ao rodar na Índia o seu Quem Quer Ser Um Milionário?. Ainda não escolhi os atores principais, mas não me preocupo. Para Elizabeth, testei centenas de atrizes pessoalmente. Mas só encontrei a minha rainha quando vi duas cenas de Cate Blanchett, uma desconhecida na época, num filme que quase ninguém viu (risos).
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A arte contra a privatização da água no planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU