09 Dezembro 2013
O teólogo e padre alemão Wolfgang Beinert, ex-professor da Universidade de Regensburg, fala sobre o "programa de governo" do papa, sobre as ideias realistas e irrealistas de reforma e sobre o debate renovado sobre os divorciados em segunda união na Alemanha.
A entrevista é de Michael Weiss, publicada no sítio Religion.orf.at, 04-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Há poucos dias, o papa publicou o seu "programa de governo", a Evangelii gaudium. Como o senhor avalia esse documento?
Acima de tudo, com grande entusiasmo, pois nele são ditas coisas pelas quais há apenas 20 anos se seria chamado a responder na Congregação para a Doutrina da Fé. Eu vejo um aspecto negativo, porém, no fato de que é um documento extremamente longo, em que foram enfiadas muitas coisas não relacionadas entre si. Por outro lado, o documento tem uma linguagem cheia de frescor, viva e – ousaria dizer – jovem. O cardeal Reinhard Marx disse que é raro que, ao ler um documento papal, também seja preciso rir, mas aqui era preciso e se podia – e ele tem razão.
Por quais coisas há 20 anos se seria chamado à Congregação para a Doutrina da Fé?
Por exemplo, a relativização do papado que ali é empreendida. Diz-se que o papa não tem a obrigação de dizer alguma coisa sobre tudo e que também pode dizer, às vezes, coisas que podem ser discutidas. Ou a promessa de realizar realmente a colegialidade dos bispos. É algo que já foi decretado há 50 anos pelo Concílio, mas muito pouco derivou daí – e isso também está escrito no documento.
Francisco também se expressou claramente no documento contra o sacerdócio feminino. Foi uma surpresa para o senhor?
Não. Mas o que isso significa precisamente? Recentemente, a esse respeito, ele disse que as portas estão fechadas, e agora, na Evangelii gaudium, escreveu que "não está em discussão". João Paulo II, no entanto, dissera que isso estava definitivamente excluído. São duas categorias diferentes de palavras que foram escolhidas. Se algo não está certo em um sentido definitivo, significa que justamente não está certo, e então devemos parar de falar sobre isso. Mas se eu disser que não está em discussão, eu não estou dizendo como as coisas serão amanhã. E as portas fechadas também podem ser reabertas.
Que reformas concretas o senhor considera que podem ser realisticamente implementadas com Francisco com relação ao papel da mulher? Diaconisas ou mesmo cardinalessas, como um abaixo-assinado suíço solicitou recentemente?
Isso não seria um problema, de fato. Entre os cardeais do século XIX, seguramente havia leigos. O cardinalato é um título pessoal que é atribuído a uma pessoa específica, independentemente do seu status, consagrada ou não.
É algo realista com esse papa?
Não devemos colocar obstáculos a ninguém. Eu não teria nenhum problema com isso. Embora, naturalmente, não basta um título. Mas a liderança de uma Congregação [vaticana], por exemplo, como cardinalessa ou não, eu poderia imaginar. Não só como telefonista do Vaticano.
E diaconisas?
Pessoalmente, não acho grandes coisas. Nesse caso, a mulher voltaria a receber apenas o menor e mais baixo grau de consagração, que hoje ninguém sabe precisamente que significado pode ter. Portanto, se é preciso haver consagração, que sejam todos os graus, senão nada. É preciso ser consequente nisso.
Sobre Francisco, as opiniões divergem um pouco. Enquanto alguns acreditam que haverá grandes mudanças em nível dogmático, outros são da opinião de que ele está em continuidade com os seus antecessores e que só mudou o estilo. O que o senhor acha?
Eu acredito que não é apenas uma questão de estilo, mas que realmente houve um novo começo. Depois da Evangelii gaudium, pode-se dizer isso com certeza. Nesse documento, não se dizem coisas muito diferentes das que foram ditas até agora, mas agora as coisas foram escritas. Com grande prudência, ousaria dizer até dizer que, com Bento XVI, encerrou-se uma era papal, e agora é possível começar uma era completamente nova.
Na sua opinião, quando começou a era que o senhor considera como encerrada?
Não se pode estabelecer isso com uma data exata. Fundamentalmente, começa com a Reforma, quando a Igreja começa a ter medo. E se torna absolutamente claro com o século XVII e depois com o Iluminismo. Naquele período, a Igreja é sempre contra apenas. Ela reage apenas, mas não age mais. E agora o papa toma a iniciativa e diz: devemos mudar certas coisas. Se realmente alguma coisa vai mudar, veremos, mas ao menos ele tem essa intenção e também a estabeleceu incontestavelmente.
Portanto, o senhor considera que o que está acontecendo agora é uma revolução ainda maior do que o Concílio Vaticano II?
O Concílio Vaticano II, certamente, deu o início, mas foi mais uma andorinha, e uma andorinha só não faz verão. Além disso, também foi retraído muitas vezes, muito fortemente, por exemplo com Bento XVI... E agora claramente há uma nova abertura, que vai além do que o Concílio fez. Por exemplo, se o papa escreve que as as declarações papais podem ser criticadas e que não são necessariamente decisões de última instância, isso, na realidade, é uma revogação do Concílio Vaticano I, se o entendermos em sentido estrito. O que Francisco faz é a continuação da implementação do Concílio Vaticano II. O Concílio lançou os fundamentos com os seus documentos, mas que não foram realmente implementados.
Como o senhor considera o modo pelo qual a mídia se comporta com o Papa Francisco? Como a ruptura com Bento XVI parece tão forte, ele é olhado, talvez, de uma forma totalmente acrítica?
A imagem que transparece certamente já é muito eufórica. A esse respeito, eu sou um pouco mais atento, porque o papa, no fundo, não é apenas uma pessoa individual que tem todos os fios nas suas mãos, mas ele depende do trabalho dos seus colaboradores, assim como todo chefe. E eu tenho as minhas dúvidas de que todos colaboram com entusiasmo.
Na Alemanha, há algumas semanas, discute-se novamente o problema dos divorciados em segunda união na Igreja Católica. Que mudanças o senhor considera realistas?
Eu sou da opinião de que se desencadeou uma confusão que não se consegue mais controlar. Vê-se isso, por exemplo, pelo fato de que um cardeal [Reinhard Marx] disse ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé que não se pode decidir algo desse modo. Há não muito tempo, tal coisa teria sido vista como uma monstruosidade. Portanto, alguma coisa vai acontecer.
O senhor conhece o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, desde os tempos em que ele era bispo de Regensburg. O senhor acha que ele pensa que deve ser o guardião último da tradição?
Suponho que sim. Eu o conheço desde a sua juventude e acredito que ele simplesmente não consegue entender isso. Ele sempre teve uma opinião forte, e o seu orientador de doutorado, o cardeal Lehmann, uma vez, na minha frente, o definiu como "insensível aos conselhos". Provavelmente, é terrivelmente difícil para ele admitir que opiniões diferentes também são católicas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''O papado de Francisco não é apenas questão de estilo, mas um novo começo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU