Por: Cesar Sanson | 25 Novembro 2013
A brasileira Ana Paula Maciel, ativista do Greenpeace que ficou presa na Rússia por dois meses após protestar contra a exploração de petróleo no Ártico, disse ter vivido o período mais difícil da sua vida enquanto esteve presa e afirmou ter ficado surpresa ao saber que seria libertada da prisão, após pagamento de fiança. Foto: Dmitri Sharomov/Greenpeace/AFP
Ela e outros 29 integrantes da organização ambiental foram detidos por autoridades russas em setembro após realizarem uma manifestação na plataforma de petróleo da companhia Gazprom, no Mar do Norte, região do Círculo Polar Ártico. Eles tiveram a prisão preventiva decretada após serem denunciados pelos crimes de vandalismo e pirataria, acusações feitas pela Rússia -- o governo divulgou que a acusação de pirataria seria retirada, mas o Greenpeace diz que a denúncia ainda permanece.
A gaúcha conversou com o G1, 23-11-2013, por telefone direto de São Petersburgo, onde permanece desde que saiu da prisão, na última quarta-feira (20), após a Justiça conceder sua liberdade provisória.
Com o passaporte em mãos, mas sem previsão de retornar ao Brasil, Ana Paula contou que ficava 23 horas por dia dentro da cela em Murmansk, primeira cidade em que esteve detida, onde assistia a televisão, rezava e lia. Dividiu o ambiente com presidiárias russas e apesar de tudo, afirmou estar tranquila, ansiosa para ver a família e agradecida pelo apoio do governo brasileiro.
Ela aguarda a chegada da mãe, a motorista de transporte escolar, Rosângela Maciel, e da sobrinha a São Petersburgo. A previsão é que elas desembarquem na cidade russa na tarde deste domingo (24), hora local.
Segundo Ana Paula, o tempo de reclusão valeu a pena porque “fez chegar às pessoas do mundo inteiro a mensagem de que é necessário fazer algo para salvar o Ártico.” A brasileira disse ainda que sabe da possibilidade de voltar à cadeia, caso seja condenada. “Se a Justiça russa for mesmo justa, eu não tenho que ter medo de ser condenada por algo que não fiz. Embora trabalhe com essa possibilidade, não acredito que isso aconteça”.
Até este sábado, 29 ativistas tinham sido beneficiados com a liberdade sob fiança. Desse grupo, 23 já saíram da cadeia, incluindo Ana Paula. Apenas o australiano Colin Russell teve sua prisão preventiva prorrogada por mais três meses, até 24 de fevereiro.
Eis a entrevista.
Como foi saber que você e o grupo iam ficar presos, além do navio do Greenpeace?
Quando eles tiveram a decisão de que nós íamos ficar dois meses presos eu fiquei chocada, do tipo, não acredito que isto está acontecendo, sabe. Nós não fizemos nada de errado, foi um protesto pacífico, porque o Greenpeace trabalha assim há 40 anos e todo mundo sabe que somos uma ONG pacífica. Então a superreação do governo russo, com essas acusações injustas e exageradas, foi realmente um choque.
Uma imagem que foi divulgada mostrava os policiais apontando armas para vocês na plataforma de petróleo...
Na verdade esse momento foi tão surreal e impressionante que eu não senti medo, porque parecia que estava dentro de um filme de guerra. Era tão surreal, o vento das hélices daquele helicóptero gigantesco... A gente mal conseguia caminhar pelo barco por conta do vento das hélices. Então quando eles começaram a descer, a gente percebeu que ‘a casa tinha caído’. Não senti medo, porque eu sabia que eles também sabiam que éramos um grupo de pessoas desarmadas, não faríamos nenhuma resistência ou usaríamos violência.
E como foram os seus dias na prisão? Foi um período difícil?
Foram os dois meses mais difíceis da minha vida até agora. Mas para mudarmos o mundo, temos que correr riscos e o preço pode ser um pouco alto. Os dois meses não foram em vão, pela repercussão, pela mensagem que fizemos chegar às pessoas do mundo inteiro. A mensagem de salvar o Ártico, que cada um possa fazer um pouquinho pra salvar o Ártico.
Você dividiu a cela com os outros integrantes do grupo?
Na verdade não tive nenhum contato com nenhuma pessoa do Greenpeace durante esses dois meses. Nenhum dos outros 30 ativistas. Minha cela em Murmansk era pequena, tinha 5 x 2 metros, dois beliches, uma televisão e um banheiro pequenininho, um lugar não muito prazeroso de ficar. Mas tinha uma janela na minha cela o que me deixou bem feliz. Os guardas da prisão sempre me trataram com muita gentileza, quanto a isso não tive nenhum problema.
Eram 23 horas diárias na cela, apenas uma hora de caminhada. Li muito, rezei muito, vi televisão. Há 15 anos eu não assistia televisão, então era um pouco difícil pra mim. Embora tivesse só canais russos, tinha um canal de música que passava clipes legais e me ajudava a distrair, a pensar. Em Murmansk eu fiquei sozinha durante um mês e uma semana, tive uma companheira de cela durante uma semana, antes de vir para São Peterburgo. Já em São Petersburgo tinha mais duas companheiras de cela, presas por outros crimes.
Elas tinham pena de você, te apoiavam?
Elas acompanharam pela TV, já sabiam quem eu era quando cheguei. Embora só falassem russo, com muita paciência, muitos sorrisos e muita vontade, a gente se comunicava com desenhos, com teatro, com sons, com qualquer coisa que fosse possível. De certa maneira, sabiam que eu ia ser libertada logo, porque diziam que eu não era uma criminosa.
Você teme não voltar para o Brasil por um bom tempo ainda?
Toda essa situação legal sobre a liberdade sob fiança não foi ainda explicada. Então não sei te dizer. Mas, teoricamente, vou ter que ficar aqui em São Petersburgo por mais um tempo, porque as investigações estão acontecendo. Há muitos procedimentos que eu ainda tenho na Corte, com os investigadores, é provável que fique por mais um tempo. Mas eu tenho meu passaporte, sou uma pessoa livre.
Existe a chance de você ser condenada?
Essa é uma possibilidade real, o caso ainda não acabou, mas eu acredito que se a Justiça russa é mesmo justa, eu não tenho que ter medo de ser condenada por algo que não fiz. Embora trabalhe com essa possibilidade, não acredito que isso aconteça.
Enquanto ficou presa, o governo brasileiro te deu apoio?
O governo brasileiro foi um dos mais fantásticos de todos os países envolvidos. O governo do Brasil e da Argentina. Não sei como agradecer. Depois que a minha mãe pediu publicamente à [presidente] Dilma [Rousseff] para fazer alguma coisa por mim, ela fez uma declaração pedindo ao ministro das Relações Exteriores [Luiz Alberto Figueiredo] encontrar uma solução para mim na Rússia.
A embaixada e o consulado foram presentes o tempo todo, me levando livros na prisão, levando notícias à minha família, falando com a minha mãe. Na quarta, quando fui liberada, o [ministro] Luiz Figueiredo me telefonou, a gente conversou, e ele disse que estava feliz porque eu estava livre.
Acredita que a luta para preservar o Ártico vai aumentar após o protesto?
Eu acredito que para a campanha [do Greenpeace] não poderia ter sido melhor esses dois meses na prisão, porque o tema da exploração de petróleo no Ártico é grave. Não tem como limpar um derramamento de petróleo. O mar fica congelado durante dois terços do ano. Um derrame de petróleo embaixo da água nunca poderia ser parado porque não tem como entrar no mar por conta da camada de gelo.
São muitos fatores que fazem com que explorar o Ártico seja tão difícil. Autoridades russas já disseram que explorar petróleo lá vai ser tão difícil quanto fazer explorações espaciais. Imagina as dificuldades envolvidas e mesmo assim eles insistem, pela fome que o planeta tem de combustíveis fosseis.
Depois de tudo isso, você se arrepende de ter feito o protesto?
Não me arrependo, porque não fiz nada de errado. Não tem porque me arrepender de nada, porque não fiz nada daquilo que eles me acusaram de ter feito. E sei que esses dois meses de prisão não foram em vão. Vou continuar trabalhando pra salvar o Ártico.
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'Não foi em vão', diz ativista brasileira que ficou presa na Rússia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU