01 Novembro 2013
Nem leões saltando pelo interior de um aro, nem galhardos domadores introduzindo a cabeça na mandíbula de um crocodilo, nem mesmo um adorável pônei transportando crianças entusiasmadas ao redor da pista. Todas essas imagens estarão proibidas na Catalunha. E estarão porque na terça-feira (29) cinco dos sete grupos que formam o Parlamento desta comunidade apresentaram um projeto de lei para vetar o uso de animais em espetáculos circenses, para evitar "abusos e maus-tratos".
A reportagem é de David García e Jessica Mouzo publicada no jornal El País e reproduzida pelo portal Uol, 31-10-2013.
A Generalitat não será a primeira administração pública que veta a participação de animais no circo, mas sim o primeiro governo autônomo. Durante a última década, ao todo 138 prefeituras espanholas proibiram essas práticas. Em fevereiro deste ano, quando Vigo as proibiu, seu prefeito argumentou que a principal razão da decisão municipal era o respeito aos direitos dos animais, além de questões higiênicas e de que sua utilização é "desprezível" e "repugnante".
A proposta reavivou a polêmica sobre o tratamento que os animais recebem em cativeiro. Não só os que protagonizam espetáculos nas tendas, mas também em outros espaços, como os zoológicos. "Proíbe-se o uso nos circos, mas não a atividade nos zoológicos, é um contrassenso", opina Carina Mejías, deputada do partido Ciutadans, que, junto com o Partido Popular da Catalunha, se mostrou contrário à aprovação do projeto de lei.
Fleur Dawes, porta-voz da Animal Defenders International, associação que nos últimos anos luta para abolir esses espetáculos circenses, revela que em suas últimas pesquisas realizadas em vários países do mundo pôde comprovar que os animais têm "muitas privações e sofrimento". Além disso, acrescenta, "encontramos uma cultura de violência para que obedeçam às ordens. Vimos desde pontapés até chicotadas".
Nacho Pedrera, porta-voz da associação Sim ao Circo com Animais, nega as críticas ao tratamento que os bichos recebem nas tendas e afirma que "passam por inspeções constantes, inclusive várias vezes por semana, algumas delas de surpresa". "Não é verdade que os adestramentos sejam a portas fechadas, há muitas sessões abertas para que o público possa vê-las. O chicote é coisa do passado", afirma.
Em 2009 o governo da Bolívia, encabeçado por Evo Morales, foi o primeiro Executivo que proibiu em um país a participação de qualquer tipo de animais nos espetáculos circenses. Só a Grécia imitou essa medida, pouco depois. Outros países, como Peru, Colômbia, Paraguai, Costa Rica, Dinamarca, Holanda e Áustria, vetaram a utilização de algumas espécies, especialmente as exóticas.
E o Tratado Europeu de Amsterdã de 1997 reconheceu os animais como "seres capazes de sentir e sofrer". Pouco depois, em 2004, a Organização de Saúde Animal adotou as "cinco liberdades", que estabelecem cinco direitos inerentes: um ambiente adequado, uma dieta adequada, oportunidades para expressar comportamentos naturais, proteção do medo e dos estados angustiantes e proteção da dor, danos ou doenças.
Apelando aos tratados internacionais, as associações que lutam pela defesa dos animais FAADA, Born Free e ANDA lançaram há cinco anos a Infocircos, uma campanha para conseguir a abolição dos adestramentos circenses. O último relatório publicado pelo coletivo incluía alguns casos de animais que viviam em más condições, como o de um babuíno apreendido em 2010 na localidade barcelonesa de Vilassar de Dalt. O símio tinha vivido oito anos fechado em uma jaula de dois metros quadrados, quase sem luz. "Estava doente, sofria de agorafobia e mostrava graves problemas de comportamento, quase não se movia e pesava 40% menos do que deveria."
Apesar de reconhecer que em algumas companhias se maltrata ou se abusa de algumas espécies, a Associação de Profissionais do Circo da Catalunha pede que não se demonize a participação de animais em seus espetáculos, já que "o uso não implica o abuso". "Há más práticas, mas também gente que os trata corretamente", explica seu presidente, Albert Fort.
Alfonso de la Pola, vice-presidente da Associação de Circos da Andaluzia, confessa que a legislação nessa questão "é frouxa". No entanto, apesar de admitir que deveria haver um maior controle, argumenta que os espetáculos de animais "sempre existiram e não têm por que estar vinculados à exploração".
Além do estado em que vivem os animais nas tendas, a ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF na sigla em inglês) adverte sobre o perigo que representa a exploração de espécies exóticas. "Muitas vezes se fazem espetáculos com animais em risco de extinção, o que provoca unicamente que a sociedade os veja como possíveis mascotes, e com isso aumenta seu tráfico no mercado negro", afirma o representante da organização na Espanha, Enrique Segovia.
Ao debate sobre se os animais devem ou não participar de funções circenses se acrescenta a pergunta de que tipo de espetáculo entra nessa categoria. Para Aida Gascón, diretora da Ánima Naturalis na Espanha, "nos circos os animais são tratados muito pior que nos zoológicos. Sofrem mais porque levam uma vida itinerante, por treinamentos ocultos ou agressivos. Nos circos tudo é muito pouco controlado, são como uma máfia. Traficam animais, nunca se sabe como os novos filhotes chegaram ali". Gascón apela para a necessidade de que os zoológicos desenvolvam um papel mais "lógico" como centros para favorecer o resgate de animais.
Enrique Segovia confessa que os espetáculos com animais nos zoológicos não lhe agradam, mas adverte que nessas instalações há uma legislação "muito clara" que garante seu "bom estado", e confirma a ideia de Gascón. "Têm que cumprir três missões: educação ambiental, garantir o bem-estar animal e cuidar de espécies em risco de extinção".
Os partidários do veto nos circos advertem que ainda resta um longo caminho a percorrer para se igualar à legislação de outros países europeus. "Temos uma lei de proteção animal, mas não há um regulamento. E a norma que regula os zoológicos é pouco dura. Na Alemanha, por exemplo, não há sociedades protetoras porque não há abandono. No entanto, na Espanha essa é a realidade dos povoados e das cidades", afirma Gascón.
Silvia Barquero, porta-voz do Partido Animalista, afirma que os espetáculos com animais em circos não têm sentido. "É só um negócio de alguns poucos, nem contribuem para nada nem têm valor educativo", declara. Barquero afirma que não corresponde ao comportamento animal viver em cativeiro, "é antinatural".
As ONGs de defesa animal e os membros do mundo do circo reclamam que a mesma legislação que o governo catalão quer aplicar ao circo também seja imposta a outros espetáculos. "Na Espanha há uma tendência a politizar todos os assuntos", afirma Segovia. Segundo o representante da WWF, o problema da Espanha é que o debate para proibir as touradas "foi levado ao extremo nacionalista, 'Espanha sim, Espanha não', e se esqueceu o sofrimento animal".
E as associações que promoveram a campanha Infocircos advertem também sobre os riscos para a saúde pública que podem implicar esses espetáculos. Segundo o coletivo, "os circos apresentam oportunidades para que os animais escapem ou entrem em contato direto com membros do público", como aconteceu em agosto de 2009, quando um elefante escapou de uma tenda em L'Escala, Girona, e durante dez minutos perambulou pelas ruas do povoado.
Mesmo assim, o coletivo denuncia o perigo de que os animais selvagens que protagonizam essas funções transmitam doenças infecciosas aos espectadores, especialmente quando há possibilidade de contato. Adverte, por exemplo, que os elefantes de circo podem estar afetados por tuberculose e é frequente a bactéria Mycobacterium bovis em camelos.
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Catalunha quer proibir uso de animais em espetáculos circenses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU