08 Outubro 2013
Publicamos aqui a parte final de "Um papa do fim do mundo", o último capítulo do livro La sorpresa di papa Francesco. Crisi e futuro della Chiesa, que Andrea Riccardi acaba de enviar para as livrarias (Ed. Mondadori, 210 páginas).
O novo livro do historiador, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, parte do momento de crise que a Igreja Católica também está passando e cujo clímax foi alcançado com outra "surpresa": a renúncia inesperada e explosiva de Joseph Ratzinger. Ato de coragem extrema do qual brotou, defende Riccardi, outra novidade absoluta: a eleição do primeiro papa não europeu, a escolha de se chamar, em primeiro lugar, com o nome do Pobrezinho de Assis.
O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 03-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No distante Natal de 1943, em plena Guerra Mundial, De Lubac escrevia que o homem já havia mostrado que o mundo podia se organizar sem Deus. Desde então, mais de meio século de história confirmou abundantemente essa interpretação. Assim, o mundo e a vida se organizam sem Deus. De Lubac observava: "É verdade, porém, que, sem Deus, não é possível, no fim das contas, senão organizá-lo [o mundo] contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano".
O cardeal Bergoglio compartilha essa análise. Por isso, é preciso falar de Deus aos homens, para que, da sua vivência e do seu pensamento, renasça ou se reforce um humanismo "humano", não exclusivista, não fechado à experiência religiosa. Na introdução de um significativo livro, intitulado La Révolte de l’Esprit, Clément escrevia (estamos em 1979): "Em um momento em que as técnicas, sociológicas e psicológicas, gostariam de explicar tudo através deste mundo e curar tudo dentro deste mundo (exceto a morte), o Espírito nos lembra violentamente que ninguém é deste mundo, mas que, na comunhão das pessoas – da qual a Trindade é o exemplo, a fonte e o lugar –, o mundo pode finalmente respirar".
Esse é o desafio de um humanismo cristão que renasça a partir da vivência. O mundo muda quando homens e as mulheres renascem no Espírito, mesmo no silêncio e no escondimento. O conjunto de tantas existências vividas assim representa, para Clément, a "revolta do Espírito", que, "penetrando na história, a abre a uma insólita bênção". Esta não é uma estratégia ou um plano de ação, mas sim um humilde caminho de homens de fé que podem, contudo, mover continentes, mesmo que lhes pareça que estão apenas escavando alguns buracos no chão ou abrindo apenas alguns espaços nas consciências.
Um grande poeta muçulmano da Índia do século XX, muito amado no Paquistão, Muhammad Iqbal, escreve em uma poesia de 1936 intitulada O Destino: "Não, bem diferente é o sentimento de resignação ao Eterno! Portanto, tenha a audácia de crescer, ousa! O espaço não é tão estreito! / Ó Homem de Deus! O Reino dos céus não é estreito!".
Em um mundo difícil não é estreito o espaço para os crentes, contanto que eles tenham a humildade de habitá-lo pacientemente e não estejam em busca de atalhos inúteis e efêmeros. O Papa Francisco olha com simpatia para este mundo e para os seus habitantes, mas lembra incessantemente que nem tudo se resolve e se encerra naquilo que se vê e se toca; que nem tudo gira em torno do ego, que se tornou tão forte e tão inchado, embora doloroso.
Em um tempo iluminado pelos holofotes da informação, não se percebe a dimensão espiritual para além da realidade, mas que é parte integrante da própria realidade. Há correntes profundas na história, as do espírito e do amor que, no fim, sacodem a realidade.
O Papa Francisco disse: "A nossa fé é tão revolucionária que isso a torna perpetuamente suscetível de ser posta à prova pelo inimigo". No Brasil, o papa falou de modo exigente aos jovens: "Eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade". Chama a atenção o uso não retórico de "revolução" ou de "revolucionários", agora quase desaparecido do vocabulário político. O convite do papa é viver o cristianismo como uma revolução e ser protagonistas da mudança.
Assim ele se expressou falando aos jovens de todas as nações, reunidos no Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude: "Acompanho as notícias do mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram pelas estradas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. (…) Por favor, não deixem para outros o ser protagonistas da mudança! Vocês são aqueles que tem o futuro! (…) Através de vocês, entra o futuro no mundo. (…) Continuem a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Peço-lhes para serem construtores do mundo, trabalharem por um mundo melhor".
Clément sublinha o caráter revolucionário da fé cristã. Mas observa que, "se o cristão não é revolucionário no sentido da revolução mítica, ele sabe que o cristianismo encerra um poder revolucionário, o de Cristo vencedor da morte, o poder que pode transformar a estrutura da pessoa".
Isso muda em profundidade. Porque, "se essa transformação opera simultaneamente em muitos, em comunhão, o mundo também começa a mudar e é fundada uma civilização". A fé e a vida de muitos criam uma nova realidade. Jorge Bergoglio quer ser um cristão acima de tudo e convida os outros a sê-lo com ele. Ao homem e à mulher de hoje, ele pede que se reconheçam pecadores. A eles, com o amado Gregório Magno, ele diz: "Reconhece o teu Médico!". Ele diz isso à sociedade. Deus é o verdadeiro médico da condição humana.
Bergoglio indica uma via alternativa ao egocentrismo. Ele mostra o caminho da felicidade do dar aos outros, daqueles que abrem o coração a Deus. Essa é a verdadeira grandeza de muitos, mesmo pequenos, homens e mulheres, da humanidade. Com João Crisóstomo, Bergoglio afirma: "Se tu não fazes o bem dos outros, não farás nada grande". A grandeza é fazer o bem aos outros. A conversão a Deus gera uma revolta do Espírito, um percurso de humanismo que, embora escondido, tem um significativo valor para a humanidade justamente pelo amor que semeia.
É um percurso que requer muita paciência e muita esperança. Vai ao encontro de tempos escuros e de dias luminosos. Mas é realmente criador de uma humanidade nova, por ser consciente de que nem tudo se reduz à tragédia de um ou à comédia do outro. As pessoas recomeçam a caminhar com Deus. Encontram uma grande visão que não se esgota nem na própria vida ou na própria geração. É a antiga história do Êxodo de Israel, que se tornou a transumância de pessoas crentes, que irradiam amor, transformam, humanizam, libertam.
A terra nunca se tornará um paraíso. Mas se abrem as portas das "prisões" das existências e das mentes. O mundo pode se tornar mais humano. A proposta do Papa Bergoglio, vivida na comunhão de muitos crentes, pode se tornar uma verdadeira revolução, uma revolta no Espírito. É um grande e humilde, paciente trabalho. Para captar o seu porte, é preciso aprender a ler as correntes profundas da história e não se limitar às pesquisas e à superfície.
O monge Silvano do Monte Athos afirmava nos anos 1930: "A unidade ontológica de toda a humanidade é tal que cada pessoa que supera em si mesma o mal, inflige uma grande derrota também ao mal cósmico, razão pela qual as consequências dessa vitória repercutem de modo benéfico sobre os destinos do mundo inteiro. Até mesmo um só santo é, para a humanidade inteira, um evento extremamente precioso".
Essa é a aposta do cristão, a aposta do Papa Francisco: o valor universal de um homem que se converte e vence o mal. O cristianismo antigo convertia os soberanos para poder batizar os povos. Foi uma grande história, mas também uma grande ilusão. Hoje, a santidade de um homem, a conversão de uma mulher, a fé de tantos em uma comunhão sem fronteiras constituem uma realidade que percorre profundamente a história e sacode a sua superfície. E, além disso, a história é cheia de surpresas.
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A aposta do Papa Francisco. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU