27 Setembro 2013
Os manifestantes de junho são jovens escolarizados que trabalham o dia inteiro, estudam à noite, enfrentam a precarização dos serviços urbanos e têm dúvidas sobre sua possibilidade de ascensão social. O perfil foi apresentado ontem pelo professor Marcelo Ridenti, da Universidade de Campinas (Unicamp), na mesa que analisou os protestos varreram o país em meados do ano.
"Esses manifestantes misturam desejo de reconhecimento e realização. Um desejo desses novos personagens de se colocar na sociedade brasileira. Pela integração com o consumo." Remetendo ao francês Guy Debord, ele observou que os manifestantes "se expressam como espetáculo, usam a internet para massificar a cultura da celebridade" e lembrou que as pessoas tiravam foto de si mesmas. "É como se todo mundo estivesse na ilha de Caras. Mas isso serviu como um espetáculo mobilizador", disse o professor da Unicamp.
A reportagem é de Adauri Antunes e publicada pelo jornal Valor, 27-09-2013.
"A manifestação parece uma revolta contra a polícia e os mecanismos de repressão, incompatíveis com a democracia, contra a inoperância, a incompetência, a corrupção na política, uma crise de representação e uma falta de novos agentes sociais, e um desejo difuso de humanização da vida das metrópoles, uma busca de bem-estar social, que o Brasil não conheceu", analisou Marcelo Ridenti.
Também professor da Unicamp e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Marcos Nobre disse que a revolta de junho revelou um "descompasso flagrante" entre a cultura política do sistema político e a base da sociedade. "Esse descompasso significa que há uma democracia que não pode se reduzir ao sistema político, muito menos à eleição." Na "disputa pela avaliação das manifestações", como definiu, afirmou que o "movimento ocorreu em resposta a uma blindagem do sistema político a partir do impeachment de Collor, em 1992, e se completou no governo Lula".
Expondo sua tese, disse que depois do impeachment "ao invés de se defender uma reforma radical do sistema político, o resultado foi que um presidente não consegue se manter no poder no país se não tiver uma super maioria parlamentar". Nasceu, assim, segundo ele, "o mito da governabilidade", que se consolidou nos últimos 20 anos. "É o modo de operar que chamo de peemedebismo. Porque todo partido quer ser um PMDB."
Lembrou que no começo o governo Lula tinha minoria parlamentar e foi ameaçado de impeachment com o "mensalão", em 2005. "A análise era de que era necessário fazer um pacto com o sistema político tal como ele funciona. Lula tinha duas opções: a reforma do sistema e o combate à desigualdade. E o que o governo Lula disse à sociedade política organizada foi: não dá para fazer as duas coisas. E que se quisesse combater as desigualdades, teria de fazer um pacto. Assim, passa a operar nos mesmos moldes do governo Fernando Henrique, e a oposição desaparece"
O dado novo dos últimos anos, concluiu, é que a internet promoveu "uma expansão gigantesca dos mecanismos de informação e uma queda do monopólio de informação por parte da mídia tradicional" e abriu o debate. "Isso vai direto para as ruas, onde vão dizer: eu tenho emprego, mas ele é uma porcaria. O sistema político achava que estava num sistema máximo de blindagem. Mas os protestos de junho são uma resposta a essa blindagem. Deixaram clara a exigência de uma mudança radical do sistema político e mostraram que há um descompasso entre a maneira como o sistema político funciona e a maneira como a sociedade se compreende."
"Os protestos de junho são o final de um longo processo de transição democrática, que tem como base a figura do peemedebismo e a blindagem ao sistema político a partir de 1992. Isso significa que o sistema político vai se reformar radicalmente? Espero que sim. Já? Não. Por isso é importante dizer o que aconteceu depois de junho", disse o pesquisador do Cebrap.
O professor Marco Aurélio Nogueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), disse durante o debate que a minirreforma eleitoral que surgiu como consequência das manifestações "não serve para nada". De acordo com o pesquisador da Unesp, a resposta do governo às manifestações foi um blefe. "A reforma política foi um blefe. Dos cinco pactos só o da saúde avançou, e é uma medida polêmica que não mexe na essência do sistema de saúde." Marco Aurélio Nogueira acha que ainda haverá mais revolta popular, mas "é muito difícil prever o que vai acontecer".
No aspecto da opinião pública, o professor da Unesp criticou o ódio impregnado nos debates. "Nas redes sociais, não há debate democrático. No país, ele é movido a ódio, mais do que pelo bom senso ou a paixão cívica. Quando um fala, o outro tem sempre que contestar. Há pouco espaço para a reflexão. Nos movemos pela indignação e possibilitamos a manipulação da nossa indignação para outros fins."
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Pesquisadores analisam manifestações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU