23 Setembro 2013
É um afresco extraordinário que, ao longo de 29 páginas, descreve o olhar de fé e o olhar sobre a vida da Igreja do Papa Francisco. O que chama a atenção compreensivelmente serão as frases sobre as pessoas homossexuais, aquelas em que ele diz que a Igreja não pode "insistir" apenas sobre as questões ligadas ao aborto, o casamento gay e o uso dos métodos anticoncepcionais, ou ainda aquelas em que ele afirma que os dicastérios da Cúria "correm o risco de se tornarem órgãos de censura". Mas o coração da mensagem contida na entrevista do Papa Bergoglio está todo naquela imagem da Igreja como "hospital de campanha", depois de uma batalha.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal Vatican Insider, 19-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um hospital onde se tratam as feridas. E aos feridos graves – muitos homens e mulheres de hoje que perderam o sentido da vida ou que vivem nas situações mais disparatadas e "irregulares" – é inútil perguntar se eles têm colesterol e açúcares altos. É preciso tapar, cuidar das feridas, para que não morram. Para todo o resto, haverá tempo mais tarde.
Portanto, a Igreja que o Papa Francisco quer não é uma Igreja que muda a sua natureza ou guarda os seus dogmas no sótão. É uma Igreja capaz de mostrar o rosto da misericórdia e se concentra no seu anúncio "sobre o essencial, sobre o que é necessário, que também é o que apaixona e atrai mais, o que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús...".
Bento XVI, em um discurso tão memorável quanto prontamente arquivado durante a viagem a Portugal em maio de 2010, já dizia que os apelos morais, os apelos aos valores, os discursos hoje não tocam o coração das pessoas. Por isso, o seu sucessor, na entrevista com o diretor da La Civiltà Cattolica, responde às críticas de quem lhe imputa o silêncio sobre os "valores inegociáveis", como se a falha repetição semanal da condenação do aborto ou do casamento gay fosse indício do enfraquecimento da missão da Igreja.
"Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível", disse o papa. "Eu não falei muito dessas coisas e me censuraram por isso. Mas quando se fala disso, é necessário falar em um contexto. Além disso, o parecer da Igreja é conhecido, e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente".
A Igreja, que "às vezes se encerrou em pequenas coisas, em pequenos preceitos", deve voltar a anunciar sobretudo que "Jesus Cristo te salvou!". E os ministros da Igreja "deve ser, acima de tudo, ministros de misericórdia", porque "anúncio do amor salvífico de Deus precede a obrigação moral e religiosa. Hoje, às vezes, parece que prevalece a ordem inversa".
São as palavras que invertem a abordagem daqueles que acreditam que a tarefa dos cristãos hoje não é, sobretudo, o anúncio de uma mensagem de salvação, de proximidade, de misericórdia. Mas, ao contrário, a repetição, em rajadas, de preceitos e condenações. Preceitos e proibições têm um sentido no contexto da experiência de fé, mas acabam afastando as pessoas, ao invés de ir ao encontro delas com a mensagem evangélica quando se tornam o principal conteúdo da pregação e da pastoral. As palavras do papa e o seu olhar sobre a fé pedem, portanto, uma "conversão pastoral" para toda a Igreja.
Acompanhar com misericórdia, explica Francisco, não significa ser rigoristas, nem laxistas. O confessionário não é uma sala de tortura, mas também não é uma lavanderia, onde se vai remover manchas de uma roupa como se não fosse nada. O mal nunca poderá se chamar de bem. É a abordagem, o olhar, as prioridades que são diferentes. "Eu tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo que a vida de uma pessoa tenha sido um desastre – disse Bergoglio –, se está destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurá-Lo em toda vida humana".
Na entrevista, Francisco também responde aos que esperavam dele decisões rápidas, reformas imediatas, substituição de colaboradores no rescaldo da eleição: uma crítica a esse respeito tinha vindo do cardeal norte-americano Timothy Dolan. "Eu acredito – disse o papa – que sempre há a necessidade de tempo para lançar as bases de uma mudança verdadeira, eficaz. E este é o tempo do discernimento".
Mas esse mesmo discernimento pode tornar necessárias decisões urgentes e intervenções que se queria deixar para um segundo momento, como aconteceu com o IOR, o "banco vaticano" e os seus escândalos revelados pelas investigações da magistratura.
Sobre decisionismo e autoritarismo, o papa conta a sua experiência de jovem padre provincial e o fato de que as suas decisões tomadas "de maneira brusca e personalista" fizeram com que o considerassem um "ultraconservador", embora "eu nunca tenha sido de direita". Por isso, ele considera importantíssimo agora se consultar e ponderar bem cada escolha. E quer que as consultas com colaboradores no Vaticano e com o grupo de oito cardeais escolhidos por ele para estudar a reforma da Cúria Romana sejam consultas reais, verdadeiras. Não formais.
Fundamentais, enfim, são as duas passagens dedicadas à Cúria e ao Concílio. "Os dicastérios romanos estão a serviço do papa e dos bispos, devem ajudar" as Igrejas particulares e as conferências episcopais. "São mecanismos de ajuda" e não devem se tornar "órgãos de censura". As periferias da Igreja devem ser mais envolvidas. Com relação ao Vaticano II, Francisco diz que a "dinâmica de leitura do Evangelho atualizada no hoje" proposta pelo Concílio "é absolutamente irreversível".
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Dos preceitos e das condenações à salvação e à misericórdia. A entrevista do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU