18 Setembro 2013
Sonja Miskulin se esqueceu de seu amado gato, Pooki. Ela não se lembra se tem netos e nem da viagem de nove horas feita num recente domingo, quando deixou para sempre sua casa na Alemanha. Essa ex-tradutora, que sofre de demência e anda em cadeira de rodas, comemorou seus 94 anos, no mês passado, em uma casa de repouso na Polônia. Sua filha a mandou para o local para que tenha uma vida melhor e um tratamento mais barato.
A reportagem é de Naomi Kresge, publicada no jornal Valor, 17-09-2013.
Miskulin uniu-se a um movimento controverso: residentes de asilos que emigram. Essa "exportação de avós" tem gerado indignação na Alemanha. O maior jornal de Munique denunciou o fenômeno como sendo "colonialismo gerontológico" e o comparou às nações que exportam o próprio lixo.
Contudo, cada vez mais famílias como a de Miskulin dizem que é a melhor opção para dar uma velhice digna aos idosos - e poupar dinheiro - perante a dificuldade de ter cuidados de boa qualidade em casa. Segundo uma pesquisa feita em março pela TNS Emmid, um em cada cinco alemães consideraria atualmente viajar ao exterior em busca de uma casa de repouso.
"Eu só posso dizer: crianças, quando seus pais ficarem velhos, mandem-nos para a Polônia", disse a filha de Miskulin, Ilona von Haldenwang, de 66 anos.
Idosos que migram da Alemanha são um sinal de alerta para um desafio global. À medida que cai a taxa de natalidade, que a expectativa de vida cresce e a geração de "baby boomers" chega à velhice, a ONU estima que a população mundial de pessoas com mais de 60 anos mais que triplicará, chegando a quase 2 bilhões em 2050.
Enquanto isso, mesmo em países como a Alemanha, onde o governo dá assistência aos idosos, o custo dos asilos está rapidamente ficando proibitivo. Espera-se que o gasto dos alemães em atenção médica a seus idosos aumente de 1,4% para 3,3 % do PIB até 2060, segundo um relatório da Comissão Europeia publicado no ano passado.
O novo lar de Miskulin é uma pitoresca estação de esqui chamada Szklarska Poreba, cuja nome significa "clareira para fazer vidro", nome derivado das muitas fábricas de vidro que antes existiam na região. Sua filha escolheu a casa de repouso sem vê-la, após estudar seu site e reunir-se com um agente de colocação especializado. O que começou como um ato de desespero, exportar sua própria mãe, logo começou a fazer sentido.
Por quatro anos, Von Haldenwang viu a saúde de sua mãe se deteriorar, atribuindo a piora ao mau atendimento alemão. Agora, por um terço do preço cobrado na Alemanha, Sonja mora num lugar luxuoso e restaurado, onde desfruta de boa comida, da atenção permanente e de terapia ocupacional.
Os donos acham que logo metade dos pacientes será de alemães, que possuem, por lei, um seguro de longo prazo oferecido pelo Estado, benefício fora do alcance da maioria das pessoas que vive fora da Europa, incluindo os EUA.
O seguro paga € 1.550 por mês aos cidadãos alemães como Miskulin, que precisam do maior nível de atenção. Isso é menos da metade do custo médio para tratamento na Alemanha, que chega a € 3.250. Casas de repouso na Polônia estão anunciando serviços similares ou até melhores por € 1.200 mensais. O governo alemão paga até € 700 por cuidado fora do país.
Trata-se de uma equação persuasiva para os alemães mais velhos e seus filhos adultos. Além disso, é provável que os custos na Alemanha aumentem: a população alemã deverá estar entre as mais idosas do mundo em 2050 junto com a japonesa, a sul-coreana e a italiana, com 15% de pessoas com mais de 80 anos, diz a OCDE.
O atrativo dos alemães idosos com dinheiro no banco chamou a atenção de empreendedores poloneses e de donos de fazendas que já viveram tempos melhores.
Um dos novos estabelecimentos tentou transferir um pedacinho da Alemanha para a localidade polonesa de Zabelkow. Como Szklarska Poreba, Zabelkow fica na Silésia, região que por muito tempo fez parte do mundo alemão - já foi parte do império austríaco dos Habsburgo e da Prússia, integrando-se finalmente à Polônia após a Segunda Guerra Mundial.
No lar de Zabelkow, as enfermeiras falam alemão, as placas do elevador estão em alemão e a cozinha foi feita pela Bosch. Os pacientes comem refeições típicas alemãs, como o jantar frio com pão, carne defumada e queijo. Na grande TV de tela plana, é possível ver o jogo de futebol entre Wolfsburg e Mönchengladbach, pela Bundesliga alemã. A roupa de cama, o sistema de ligação de emergência e as luvas hospitalares são feitas na Alemanha - até as colheres de chá são da marca alemã BSF.
Desde que abriu, na última Páscoa, a residência já ocupou suas 34 vagas e está terminando de construir seis quartos individuais no sótão, que já estão reservados para novembro, conta Fabrice Gerdes, que foi gerente na inauguração. Consultor de gestão, nascido na Alemanha, ele construiu a casa com seu sogro polonês em frente à fazenda onde sua sogra nasceu. "Superamos por muito as metas que tínhamos estabelecido", disse.
A casa de repouso que Von Haldenwang escolheu para sua mãe foi pensada, originalmente, para poloneses com dinheiro. Após a abertura, em setembro de 2012, os donos, que também possuem um centro médico em Karpacz, descobriram que a maioria dos seus clientes era de alemães e de poloneses que moravam no exterior.
Miskulin teve sorte: ela passou parte da sua vida como funcionária pública e recebe uma pensão relativamente generosa, de € 1.500 por mês, quase suficiente para cobrir sua parte dos custos na casa de repouso na Alemanha, ao lado da casa da sua filha, onde ela estava originalmente. Ainda assim, acumulavam-se custos extras de € 250 mensais para corte de cabelo, manicure e pedicure, "só para fazer dinheiro", disse Von Haldenwang.
Assim, ela começou a procurar uma casa nova, primeiro, nas redondezas, e depois, desanimada, com o preço e a qualidade, mais longe. Para achar uma casa de repouso na Polônia, Von Haldenwang acudiu a um intermediário: o empresário Günther Stobrawe. Ele criou, no ano passado, um serviço de colocação para alemães em casa de repouso na Polônia. E criou o local com sua mulher, que é polonesa e administrava essas casas na Alemanha.
Stobrawe conta que o negócio decolou nos últimos meses. A empresa já aconselhou mais de cem famílias, recebeu oito idosos e assinou contratos para mudar mais sete para a Polônia nos próximos meses. Possui parcerias com oito casas de repouso na Polônia.
"Nossos clientes não dependem da previdência social", explica Stobrawe enquanto bebe seu cappuccino e uma água mineral na estação de trem em Wiesbaden, uma rica cidade perto de Frankfurt. "São pessoas que pouparam algo."
Von Haldenwang afirma que a saúde da sua mãe está melhor agora do que quando morava perto dela. Ela não toma sedativos, está mais desperta e ciente do que acontece em volta dela, conta a filha. Ela voltou a se lembrar do polonês - uma das muitas línguas que falava como tradutora - nas conversas com a diretora da casa de repouso, que por sua vez recebe aulas de alemão de um paciente.
"A nacionalidade não parece ter a mínima importância", disse a diretora. "Estávamos um pouco nervosos pelo aniversário da guerra, mas vimos que uma das pacientes, uma polonesa que lutou na Revolta de Varsóvia, sentou-se à mesa com dois alemães e viraram amigos".
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Alemanha "exporta" idosos para casas de repouso na Polônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU