07 Setembro 2013
A essência do dia de oração e jejum é "humildade e humilhação". Devemos reconhecer a nossa finitude e a das nossas instituições, e acolher a nossa exaustão e exasperação como prelúdios de renovação.
A opinião é do jesuíta norte-americano Drew Christiansen, antigo assessor dos bispos dos EUA sobre o Oriente Médio e ex-editor da revista America, dos jesuítas norte-americanos. Atualmente, é professor visitante do Boston College. O artigo foi publicado no jornal Washington Post, 04-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Sem um fim à vista para a terrível guerra civil na Síria, o Papa Francisco convocou um dia de oração e de jejum pela paz no sábado, 7 de setembro. Com a ineficiência da comunidade internacional e sem nenhuma perspectiva de que a intervenção militar limitada trará alívio para as vítimas da guerra, devemos dobrar os nossos joelhos. É um momento para que a Igreja reze para que Deus conceda a paz onde os homens fracassaram para apagar as fogueiras da guerra e não veem nenhuma perspectiva de que isso seja feito em breve.
Voltar-se para a oração em uma conjuntura como essa não é apenas algo católico. É uma profunda necessidade humana que outras pessoas podem compartilhar, porque a humanidade está cara a cara com a sua própria impotência para evitar que sejam cometidos os males mais cruéis. Por essa razão, o papa fez do seu pedido "um convite universal" para todos os homens e mulheres "de paz". Ao fazer isso, ele está dando voz ao desejo de paz da humanidade. Ele também está nos convidando a lidar com a nossa incapacidade de promover a paz e de expressar a nossa exasperação diante da intransigência de tantas pessoas que agora bloqueia o caminho para a paz.
Oração e jejum podem ser exercícios especialmente importantes para nós, norte-americanos "faz-tudo". O debate sobre a possibilidade de intervir rapidamente no conflito sírio oferece uma oportunidade para refletir sobre as limitações humanas e nacionais, que na maioria das vezes estamos tão prontos a ignorar ou a negar. Depois de uma desatinada guerra no Iraque e das angústias em curso naquele país, depois dos sucessos muito limitados e provavelmente temporários no Afeganistão, depois de tantos veteranos feridos na mente e no coração, com o caos contínuo e a repressão no Egito, nós, norte-americanos, temos muitas razões para refletir sobre as nossas limitações humanas e, particularmente, sobre a evidente incapacidade do poder militar e da influência governamental de promover o bem que desejamos.
Para todos os cristãos, incluindo os católicos, este sábado também será um momento para lamentar a ameaça iminente de desaparecimento do cristianismo no Oriente Médio. A Síria era o último grande refúgio de cristãos na região. Os seus regimes Baath seculares permitiam um pluralismo religioso que respeitava as inúmeras e antigas Igrejas cristãs que encontraram o seu lar na Síria. Além disso, ondas sucessivas de cristãos palestinos e iraquianos se refugiaram na Síria. O santuário sírio não existe mais, e, com os coptas sob enormes pressões no Egito, o cristianismo do Oriente Médio está sob um terrível perigo.
Para os cristãos norte-americanos, e os norte-americanos em geral, este sábado deveria ser uma oportunidade para buscar em nossas consciências se fizemos o suficiente para mostrar solidariedade aos cristãos do Oriente Médio. Seja no Iraque, ou no Líbano, ou na Síria, vez após vez, a política externa norte-americana tem sido um desastre para os cristãos da região. Se estivéssemos realmente interessados na liberdade religiosa internacional, teríamos adotado há muito tempo uma política mais sintonizada com as realidades da região. Teríamos trabalhado para preservar as frágeis acomodações que permitiram que a diversidade religiosa florescesse lá. Agora podemos apenas olhar para um futuro triste para os cristãos do Oriente Médio como refugiados e requerentes de asilo. Também deveríamos estar extremamente sentidos porque conceder asilo é algo que a nossa nação tem se relutado a fazer, admitindo apenas um pequeno número de refugiados do Oriente Médio nos últimos dez anos.
Jejuar é outra prática transcultural que pode ser adotada tanto por católicos quanto por pessoas de boa vontade em tempos de crise. Jejuar nos ajuda a melhor nos sintonizarmos com as profundezas da nossa existência. É uma expressão adequada para o vazio que experimentamos quando não podemos fazer as coisas direito e é uma forma para expressar solidariedade com as vítimas feridas e empobrecidas dessa guerra. Nos séculos XVIII e XIX, até mesmo o Congresso e os presidentes convocavam dias nacionais de jejum. O Segundo Congresso Continental e George Washington como comandante-em-chefe do Exército Continental pediram dias de "humilhação, jejum e oração". Assim também fez o presidente John Adams em 1798.
No meio da nossa própria Guerra Civil, o presidente Lincoln declarou "um dia nacional de oração e humilhação" para o dia 30 de março de 1863 "pelo fim necessário da nossa reforma como um povo inteiro". Ele explicou a necessidade da purificação espiritual. "Intoxicados pelo sucesso ininterrupto, tornamo-nos muito autossuficientes para sentir a necessidade da graça redentora e protetora de rezar ao Deus que nos criou!". Lincoln entendeu que havia um lugar para o jejum na vida cívica também.
Não é nenhuma surpresa que essas proclamações foram emitidas em tempos de guerra. Pois a guerra nos coloca in extremis, mas também obscurece a mente e tumultua o coração, corrompendo a nossa capacidade de realizar atos verdadeiramente humanos. Os nossos antepassados norte-americanos entenderam que jejuar limpa a mente para uma deliberação sóbria e purifica o coração para uma ação desinteressada e generosa. Por essas razões, o jejum é exatamente o tipo de coisa que precisamos fazer enquanto nos aproximamos de um debate nacional sobre uma intervenção limitada na Síria. Os deuses da força militar, a racionalidade política e a organização humana fracassaram conosco. Jejuar tem o poder de nos libertar das paixões da política e de nos abrir a novas visões de paz.
Mas nós só podemos alcançar essa clareza de mente e pureza de coração se tivermos primeiro experimentado conscientemente a insuficiência da razão política para resolver os nossos problemas, a incapacidade do poder militar de produzir um resultado positivo e a incapacidade da comunidade mundial de entrar em acordo sobre um solução para um problema tão evidente. A essência do dia de oração e jejum, como os fundadores norte-americanos entenderam, é "humildade e humilhação". Devemos reconhecer a nossa finitude e a das nossas instituições, e acolher a nossa exaustão e exasperação como prelúdios de renovação. Só então poderemos encontrar a esperança certa na promessa de paz de Deus.
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Na Síria, os limites da razão exigem um dia de oração. Artigo de Drew Christiansen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU