04 Setembro 2013
Enquanto Obama se faz de indeciso à espera da votação do Congresso, o Papa Bergoglio troveja e tuíta contra o conflito na Síria. Como Wojtyla nos tempos de Kosovo.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Saint Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 03-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A crise síria atinge o seu ápice em um momento particular para a colocação da Igreja Católica no cenário global: em plena transição, nas próximas seis semanas, de uma administração (a do secretário de Estado, cardeal Bertone), que fez estragos na grande tradição diplomática vaticana, rumo a um retorno a uma Secretaria de Estado capax sui com o novo secretário de Estado, Parolin.
Se esse fato representa uma incógnita para as instruções que os diplomatas vaticanos irão receber in loco nos próximos dias, por outro lado, a situação permite que o Papa Francisco aja de modo pessoal, entrelaçando dimensão política e espiritual com o jejum convocado para o dia 7 de setembro.
Mas a crise também revela um traço até agora inexplorado do pontificado de Bergoglio, até agora empenhado em tratar dossiês internos à comitiva eclesial envolvida com o choque do Vatileaks, o caos da Cúria Romana e a renúncia do Papa Ratzinger. As mesmas palavras do papa no Ângelus de domingo – "há um julgamento de Deus e também um julgamento da história" – revelam muito sobre a visão bergogliana acerca do papel da Igreja no mundo contemporâneo.
Bento XVI nunca teria falado de um "julgamento da história" para chamar os poderosos às suas responsabilidades. É preciso começar por aqui para compreender o radicalismo de Bergoglio.
As palavras do Papa Francisco não têm só um relevo teológico, mas também político. Este momento antecipa e amplifica um dos traços fundamentais para compreender a geopolítica do pontificado: a relação entre o papa latino-americano, os Estados Unidos e o catolicismo norte-americano.
Até agora, Francisco apenas acenou a algumas diferenças fundamentais entre a sua visão de Igreja e a do catolicismo rampante (e de direita) dos Estados Unidos: acerca da doutrina social sobre o trabalho e a economia, a ênfase na defesa da vida, a questão homossexual na Igreja. Alguns bispos norte-americanos não gostaram e deixaram isso claro ao papa recém-eleito por meio da imprensa (fato sem precedentes).
Com a possível intervenção norte-americana na Síria, o pontificado se encontra diante da questão da atitude da Igreja Católica com relação não tanto à guerra como tal. Nesse sentido, a verdadeira comparação não é com a guerra do Iraque, em 2003, mas sim com as campanhas aéreas na ex-Jugoslávia, em 1999, sobre as quais a mensagem proveniente da diplomacia vaticana, então, era necessariamente cheia de ambiguidades, dada a inclinação das Igrejas ortodoxas (e da Rússia de Yeltsin) junto à Sérvia de Milosevic, e dados os sentimentos de culpa da diplomacia wojtyliana acerca do início da implosão nos Bálcãs por causa do reconhecimento precoce dado pelo Vaticano à Eslovênia e à Croácia.
Hoje, a Igreja norte-americana prontamente assumiu as palavras de paz do Papa Francisco: essa guerra, aparentemente, está muito longe dos interesses estratégicos norte-americanos, os Estados Unidos está cansado e, portanto, o papa saberá se fazer ouvir melhor sobre essa do que sobre outras questões.
Mas a Síria ocupa um lugar crucial na visão vaticana do Oriente Médio, e a convergência destes dias não deve enganar: o Papa Francisco será um interlocutor difícil, seja para os norte-americanos liberais, quanto para os conservadores e neoconservadores.