23 Agosto 2013
Embora os eventos históricos sejam mais conhecidos do público, continua sendo insuficiente, infelizmente, o conhecimento das verdadeiras conotações da mensagem de Francisco; e mais ainda da de Inácio.
A opinião é do historiador italiano Franco Cardini, professor do Istituto Italiano di Scienze Umane (Sum). O artigo foi publicado no sítio SanFrancesco.org, dos freis menores conventuais de Assis, na Itália, 22-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A alguns meses desde a eleição e a ascensão de Jorge M. Bergoglio ao sólio pontifício ainda se continua polemizando, dentre outras coisas, sobre a oportunidade da sua escolha do nome Francisco e sobre a problemática, senão até a contraditoriedade, dessa escolha no que diz respeito à sua vocação jesuítica: isso com base, principalmente, do pressuposto (e do equívoco) de uma tensão histórica, senão até de uma hostilidade, entre a Ordem minorítica e a Companhia de Jesus
As vozes que continuam defendendo tal rumor se baseiam no conhecimento apressado, superficial e lacunoso de alguns episódios históricos relacionados principalmente com a rivalidade entre os franciscanos (e dominicanos), de um lado, e jesuítas, de outro, nos continentes asiáticos e americanos entre os séculos XVII e XVIII: como muitas vezes acontece, estamos diante de uma daquelas "meias-verdades" que, com efeito, são piores do que as mentiras.
Mas, enquanto sobre esses eventos históricos (infelizmente, até agora, desconhecidos especialmente ao público italiano mais vasto) se começa hoje a jogar um pouco de luz também no nível de divulgação, continua sendo insuficiente, infelizmente, o conhecimento das verdadeiras conotações da mensagem de Francisco; e mais ainda da de Inácio.
A verdade, ao contrário, é transparente ou, melhor, resplandecente. O nobre Iñigo de Loyola, nascido em 1491 em Azpeitia, no País Basco, conta no primeiro parágrafo da sua autobiografia Il racconto del pellegrino [O relato do peregrino] (edição italiana organizada por R. Calasso, Ed. Adelphi, 1966), redigida no fim da sua vida (ele morreu em 1556), como, quando jovem, ele sonhava com as aventuras cavalheirescas e o amor de uma jovem princesa: mas, em 1521, tendo sido ferido durante o cerco de Pamplona e querendo ler, durante a convalescença, alguns dos seus romances prediletos dedicados aos cavaleiros errantes, encontrou no lugar onde estava internado somente uma Vida de Cristo e um Flos Sanctorum.
Essas leituras devotas lhe abriram o coração à conversão: e, de modo especial, ele ficou tocado justamente por aqueles que lhe pareceram os "atos heroicos" de Francisco e de Domingos, realizados para a glória de Deus.
Recém-restabelecido, foi se inspirando precisamente no exemplo de Francisco – que havia renunciado às fantasias juvenis de glória cavalheiresca para uma Milícia mais alta – que ele se dirigiu em peregrinação ao santuário de Nossa Senhora de Montserrat, à qual, depois de uma vigília noturna passada em oração – justamente segundo os usos da investidura cavalheiresca –, ele deixou como ex-voto as suas armas e trocou as suas ricas vestes pelas de um pobre.
Assim começou a sua militia Christi, que foi acompanhada, depois, pela peregrinação a Jerusalém e pela leitura das obras de Nicolau de Cusa e de Erasmo de Rotterdam que caracterizariam a sua vocação espiritual e o seu compromisso teológico-cultural.
O profundo respeito por todas as tradições religiosas – em cada uma das quais refulge uma parte da Revelação primordial que está na base de uma mesma Tradição cristã – nasceu em Santo Inácio – e foi transmitido para toda a Companhia – a partir da consideração do episódio da visita de Francisco ao sultão do Egito e do estudo do grande tratado De pace Fidei, de Nicolau de Cusa, em que todos os povos da terra, cada um na sua própria linguagem (isto é, justamente segundo a sua respectiva tradição), prestam homenagem ao trono do Altíssimo.
Essa inspiração teria sido mantida e desenvolvida pelo padre Matteo Ricci na China, pelos "ritos malabares" dos jesuítas na Índia, pela experiência das reduções dos tupi-guarani fundadas pela Companhia nas colônias espanholas e portuguesas da América Latina dos séculos XVII e XVIII (e cujas ruínas estão agora distribuídas entre Argentina, Paraguai e Brasil).
Se não refletirmos atentamente sobre tudo isso, o significado do testemunho desse jesuíta latino-americano que, tornando-se papa, escolheu o nome de Francisco permanece incompreensível.
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Francisco e Inácio, um equívoco a se dissipar. Artigo de Franco Cardini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU