27 Junho 2013
Convocado pela presidente Dilma Rousseff, o plebiscito sobre a reforma política é uma operação complexa, envolve riscos de casuímos e, o que não deixa de ser uma ironia, pode deixar a reboque do processo o governo e o Partido dos Trabalhadores.
O problema é a relação das propostas que serão submetidas à população.
A reportagem é de Raymundo Costa e publicada pelo jornal Valor, 27-06-2013.
Há uma corrente dentro do Congresso, na qual se inclui o PMDB, segundo maior partido da Câmara e a maior bancada do Senado, que prefere a elaboração de perguntas genéricas.
Sobre o modelo eleitoral, por exemplo. A pergunta seria sobre se deve ser mantido o atual sistema de votação proporcional ou adotado o voto distrital. O eleitor também pode optar por uma combinação dos dois sistemas, ou seja, misto.
No que se refere ao financiamento das campanhas, deve ser público ou privado?
Feita a escolha, o Congresso faria o detalhamento nos artigos, parágrafos e incisos da PEC que tratará da reforma política. É onde mora o perigo.
Se o eleitor for seduzido pelo voto distrital, que é majoritário, estará decidindo também pelo voto em lista, que pode ser aberta ou fechada. Na lista fechada, o eleitor vota nos candidatos relacionados e na ordem definida pelas cúpulas partidárias.
O voto distrital pode ser puro ou misto, mas nos dois casos o eleitor deverá votar numa lista elaborada pelas cúpulas partidárias. No caso do voto distrital puro, no entanto, a lista é aberta e o eleitor pode escolher qualquer um dos candidatos relacionados. Na fechada, os candidatos são eleitos pela ordem da lista feita pelo partido.
Se o plebiscito foi convocado para a população se manifestar sobre o sistema, por que deve ficar com o Congresso a definição de temas cruciais, o que ocorrerá se a pergunta ao eleitor for apresentada de maneira genérica?
É o mesmo caso do financiamento das campanhas: a pergunta genérica será "público ou privado"? Supondo-se que o eleitor escolha o financiamento privado, o que parece mais provável nos dias que correm, as empresas poderão contribuir para as campanhas ou apenas as pessoas físicas, dentro de um determinado limite, como diz a proposta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? Ou misto, considerado o "pior dos mundos"?
Essa é uma questão que expõe um outro problema de um plebiscito realizado de afogadilho, em véspera de eleição e com as ruas conflagradas: há gente séria que defende o financiamento público, mas na atual conjuntura quem terá coragem de ir para a televisão defender que o governo gaste o dinheiro do contribuinte para financiar eleições?
O Congresso quer fazer a mudança até 3 de outubro, o que significa dizer que elas passariam a valer já na eleição de 2014. Se a população não der um mandato claro ao Congresso, com a definição do que pode ou não ser abordado na PEC, nada impede que o Congresso avance o sinal ao sabor da conjuntura de ocasião.
Exemplo? Há quem defenda a inclusão do fim da reeleição entre as propostas. Se ela passar, como fica a candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff, um direito que lhe é assegurado pela Constituição atual. O Congresso pode fazer uma regra transitória dizendo que a regra só valeria a partir de 2018. Mas também poderia não fazer.
Há uma infinidade de questões que devem ser sugeridas para constar no visor da urna eletrônica. Algumas certamente muito populares, como o fim do suplente de senador. Outras nem tanto, como o já referido financiamento público de campanhas, um antigo sonho do PT, hoje impopular. Como explicar às ruas que se está tirando dinheiro da saúde para financiar campanhas?
O detalhamento das propostas, por outro lado, exige uma operação complexa não só no que se refere à logística, mas também para as campanhas do pró ou contra. Duas semanas de horário no rádio e na televisão serão provavelmente insuficientes para esclarecer os eleitores.
Há uma boa ideia para a redução do atual número de partidos políticos, quase 40: a cláusula de barreira, pelo qual o partido só terá representação se atender a certos requisitos, como determinado percentual de votos em um número mínimo de Estados da federação.
Outra sugestão é a permissão para a apresentação de candidaturas avulsas de candidatos a presidente que conseguissem um determinado número de assinaturas de eleitores. Isso permitira que a ex-ministra Marina Silva concorresse sem ter necessariamente que criar um partido, a Rede Sustentabilidade.
Neste caso, ocorre que o governo trabalha justamente para dificultar um número maior de candidatos em 2014, numa tentativa de evitar um segundo turno na eleição presidencial. Tanto que atua nos bastidores do Congresso para criar mais dificuldades parar a criação de novas siglas.
O vice-presidente Michel Temer defende o chamado "distritão", ou seja, seriam eleitos os mais votados em cada Estado. Candidatos como Titirica, que teve mais de um milhão de votos, seriam eleitos, mas não arrastariam consigo uma penca de candidatos sem votos, como no atual sistema.
O certo é que já está em curso a disputa sobre o que deve ou não constar da lista a ser submetida a população. E é muito forte a resistência no Congresso a uma mudança do modelo eleitoral. O deputado Eduardo Cunha, que comanda as bancadas do PMDB e do PSC, por exemplo, é contra a mudança do sistema eleitoral. Na verdade, é contra até o plebiscito.
É certo que, em casos assim, o Congresso só se move por pressão. E a rua tem um papel fundamental em suas decisões. Basta ver a derrota da PEC 37 (que limitaria poderes do Ministério Público Federal), uma espécie de musa da onda atual de protestos: os deputados não tiveram a menor dúvida em votar maciçamente com as ruas.
Esse é o risco de uma consulta feita de afogadilho. O outro, se der tudo certo, é que a presidente Dilma tome gosto e passe a governar por plebiscito, o maior temor de um Congresso que, de início, se sentiu acuado com a proposta de assembleia constituinte, mas que agora espera retomar as rédeas do processo ao estabelecer sobre o que o plebiscito deve decidir.
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Congresso quer tomar as rédeas da consulta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU